Frei Carlos Mesters “entrevista” o Apóstolo Paulo
Carlos Mesters
O objetivo deste subsídio é abrir uma porta de entrada para a vida do apóstolo Paulo e, assim, oferecer uma chave de leitura para as cartas que ele escreveu.
É uma porta em forma de entrevista que procura fornecer a ficha completa do apóstolo. Serve como exercício. Formulamos uma série de 40 perguntas e procuramos as respostas na própria Bíblia e nas informações que temos do contexto daquele tempo, tanto judaico como helenista-romano.
As perguntas que fizemos revelam apenas alguns aspectos da vida de Paulo. Outras perguntas poderão revelar outros aspectos da sua vida e da vida das comunidades daquele tempo.
As respostas são dadas na terceira pessoa e não na primeira pessoa de “Eu, Paulo”, como se esperaria numa entrevista. É por dois motivos: 1. Não tive coragem; 2. Respondendo na primeira pessoa, fica mais difícil relativizar as conclusões ainda incertas da pesquisa histórica em torno da vida de Paulo. Pois nem tudo é certo e claro. Há vários pontos obscuros que não passam de hipóteses.
Existe uma discussão entre os exegetas sobre a autenticidade de várias cartas que a Bíblia atribui ao apóstolo Paulo. Elas não seriam de Paulo, mas de um discípulo de Paulo. Para a finalidade desta breve entrevista achamos não ser necessário discutir esta questão difícil.
Tomamos as cartas da maneira como aparecem na Bíblia. Um estudo mais aprofundado, porém, não poderá ignorar a questão da autenticidade. A dúvida se alguma carta é ou não é de Paulo não diminui em nada o seu valor como palavra inspirada de Deus.
A entrevista imaginária é feita depois da primeira prisão de Paulo em Roma, pouco antes da sua morte, quando ele estava com mais ou menos 63 anos de idade.
Uma entrevista com o Apóstolo Paulo
1. Qual é o seu nome?
O primeiro nome é Shaúl ou Saulo (At 7,58), o que significa, “implorado”, “desejado”. Naquele tempo, além do primeiro nome em hebraico ou aramaico, era costume ter um segundo nome latinizado ou helenista. O segundo nome era Paulo (At 13,9). É este o nome que ele prefere e usa em todas as suas cartas. Outros exemplos de nome duplo: João Marcos (At 12,12; 15,37), José Barsabas Justo (At 1,23), Simeão Niger (At 13,1), Tabita Dorcas (At 9,36).
2. Quando você nasceu?
Paulo deve ter nascido em torno do ano 5 da nossa era. Pois, quando escreveu a carta para o amigo Filemon, ele já se considerava “velho” (Fm 9). Velho, conforme os padrões daquele tempo, era a pessoa que tinha além dos 55 anos de idade. A carta para Filemon foi escrita quando Paulo estava na prisão (Fm 9), provavelmente na primeira prisão romana que durou dois anos, de 58 até 60. Deduzindo os 55 anos de 60, se obtém o ano 5. Como se vê, o cálculo da idade e da cronologia de Paulo depende de muitas conjeturas.
3. Você nasceu aonde?
Paulo nasceu em Tarso na Cilícia da Ásia Menor (At 9,11; 21,39; 22,3; cf. 9,30; 11,25). Tarso ficava a uns quinze quilômetros do Mar Mediterrâneo, perto da embocadura do Rio Cidno que, pouco antes de entrar no mar, formava um grande lago. Tarso era uma cidade enorme. Conforme os cálculos feitos por alguns historiadores, tinha cerca de 300 mil habitantes. Ela possuía um porto muito ativo, de grande movimento. A estrada romana que fazia a ligação entre o Oriente e o Ocidente passava por lá. Tarso era também um importante centro de cultura. Foi ainda em Tarso que o imperador Marco Antônio viu pela primeira vez a Cleópatra (38 a .C.), fato que mudou a história do império romano. Ao sul, a cidade se abria para o mar. Para o norte, ela se espremia ao pé da serra, chamada Taurus, que subia até três mil metros de altura.
4. Sendo judeu, como é que você foi nascer numa cidade helenista? A sua família é de lá ou migrou para lá?
São Jerônimo (séc. IV) conservou uma tradição antiga conforme a qual Paulo teria nascido em Giscala, na Galiléia. Esta tradição não pode ser verdadeira, pois contradiz a afirmação de Lucas nos Atos dos Apóstolos, onde Paulo diz: “Nasci em Tarso” (At 22,3). Mas ela pode ter um fundo de verdade. É provável que a família de Paulo tenha a sua origem na Galiléia e tenha migrado de lá para Tarso bem antes do nascimento de Paulo. Naquele tempo, a migração de Judeus da Palestina para as cidades costeiras do Mar Mediterrâneo era muito comum, desde o quinto século antes de Cristo. Em todas elas havia comunidades judaicas bem organizadas que, juntas, formavam a assim chamada diáspora. Havia uma comunicação muito intensa entre as comunidades da diáspora e a cidade de Jerusalém que era o centro espiritual de todos os judeus.
Assim se entende como Paulo, nascido em Tarso, foi criado em Jerusalém (At 22,3; 26,4-5) e como ele tinha uma irmã casada que morava em Jerusalém (At 23,16). Ele mesmo diz: “O que foi minha vida desde minha juventude e como desde o início vivi no meio da minha nação, em Jerusalém mesmo, sabem-no todos os judeus” (At 26,4).
5. Quais os estudos que você fez, aonde e com quem?
Conforme os costumes judeus da época, Paulo deve ter recebido a sua formação básica como judeu, primeiro, na casa dos pais e, em seguida, na sinagoga local de Tarso e na escola ligada à sinagoga. A formação básica comum dos judeus compreendia: aprender a ler e escrever; o estudo da lei e da história povo; a transmissão da sabedoria da vida e das tradições religiosas; aprendizagem das orações. O método era: pergunta e resposta; repetir e decorar; insistência na disciplina e na convivência. Além disso, ainda em Tarso, ele deve ter aprendido a cultura grega que ele conhecia e usava (cf. At 17,28).Além desta formação básica, Paulo recebeu uma formação superior em Jerusalém. Desde a sua juventude, estudou aos pés de Gamaliel, neto e discípulo do célebre doutor Hillel (At 22,3). Ele mesmo confessa que foi um aluno aplicado e esforçado (Fm 3,6).
6. Você se formou como rabino, doutor da lei?
Quais os cursos? Naquele tempo, não havia cursos como hoje. Havia os grandes mestres que reuniam ao seu redor um grupo de discípulos. Na época de Paulo, isto é, no primeiro século, ainda não havia uma graduação oficial para alguém poder usar o título de rabino ou doutor da lei. Isto só aconteceu a partir da reunião de Yabne, realizada em torno do ano 90 d.C. Naquela assembléia, os rabinos da linha dos fariseus estabeleceram as condições para alguém poder ser admitido e reconhecido como rabino. Paulo nunca usou o título de Rabino, e nunca foi chamado como tal. Por isso, é pouco provável que ele tenha estudado para se formar como rabino ou doutor da lei. No entanto, o conhecimento de que ele dá provas nas suas cartas, mostra que, mesmo não sendo rabino oficial, possuía uma sólida formação teológica, igual à dos rabinos.
O estudo superior abrangia as seguintes matérias: 1. Estudo da Lei, a Tora, através de leituras freqüentes, até conhecê-la de cor. 2. Estudo da Halaká, isto é, da Tradição dos Antigos. A Halaká procurava regulamentar a vida do povo de acordo com a Lei. Era a assim chamada Tradição Oral que tinha tanto valor e autoridade quanto o texto escrito da Lei. Paulo estudou a Halaká dos fariseus e não a dos saduceus (cf. Fm 3,5; At 23,6-8). 3. Estudo da Hagadá, isto é, das histórias do passado, descritas na Bíblia. A maneira que se usava para lembrar e contar as histórias do passado capacitava o aluno a ler os fatos do seu tempo à luz da fé. 4. As regras do Midrash, isto é, da interpretação da Bíblia. Midrash significa busca, do verbo darash – buscar. Indica a busca do sentido que a Sagrada Escritura tem para a vida do povo e das pessoas.
7. Quais as suas leituras preferidas? Qual o significado que a Bíblia tem para você?
A leitura preferida de Paulo era, sem dúvida, a “Sagrada Escritura”, aprendida “desde criança”, conforme o costume do povo judeu da época (2Tm 3,15). Da Sagrada Escritura ele tirava “a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Jesus Cristo” (2Tm 3,15). Tirava “ensinamento”, “perseverança e consolação”, “esperança” (Rm 15,4). Ele se considerava destinatário daqueles escritos antigos: “Foram escritos para a nossa instrução, nós que tocamos o fim dos tempos” (1Cor 10,11). Ele acreditava que o Espírito de Deus agia sobre o povo através da Escritura Sagrada: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra” (2Tm 3,16-17).
Naquele tempo, a Sagrada Escritura compreendia só os livros que hoje pertencem ao Antigo Testamento, pois o Novo Testamento ainda não existia como escrito. Por ora, existia só como comunidade nova, que comunicava vida nova e olhar novo. O escrito do Novo Testamento estava sendo feito.
A expressão Antigo Testamento vem do próprio Paulo (2Cor 3,14). Era uma maneira nova de indicar a Bíblia, que deve ter desagradado aos irmãos judeus. Para Paulo, o Antigo se tornava Novo através da vida nova e do olhar novo, nascidos da conversão para Cristo na comunidade (cf. 2Cor 3,16). Paulo lia e interpretava os livros do Antigo Testamento a partir deste novo olhar. Não parava na “letra que mata”, mas buscava o “Espírito que comunica vida” (2Cor 3,6). Procurava descobrir (darash – midrash) como toda a história antiga estava orientada por Deus para encontrar em Cristo e na comunidade o seu verdadeiro e definitivo sentido: “Todas as promessas de Deus encontram nele o seu SIM!” (2Cor 1,20) “Tudo foi escrito para nós que tocamos o fim dos tempos” (1Cor 10,11).
8. Você tem alguma obra escrita? Qual?
Paulo não escreveu nenhum livro, nenhum tratado, nenhuma “epístola” (entendida como obra literária em forma de carta, dirigida a um público anônimo), mas escreveu algumas cartas para as comunidades e para os companheiros de caminhada. As cartas tratam de assuntos e problemas bem concretos da vida das comunidades e das pessoas.
No geral, Paulo segue o esquema normal das cartas daquela época: apresentação do autor e dos destinatários, saudação inicial, etc. Geralmente ele ditava as cartas a um secretário (cf. Rm 16,22) e, no fim, as assinava de próprio punho (2Ts 3,17; Gl 6,11; 1Cor 16,21; Cl 4,18; Fm 19). Parece que só a carta para Filemon foi escrita inteiramente pelo próprio Paulo, sem a ajuda de um secretário.
Na maioria das vezes, Paulo não escrevia sozinho, mas junto com os companheiros de missão que aparecem ao lado dele na saudação inicial ou nas lembranças finais das cartas (Rm 16,21-23: 1Cor 1,1; 16,19; 2Cor 1,1; Gl 1,2; Fm 1,1; 4,21; Cl 1,1; 4,10-13; 2Ts 1,1; 3Ts 1,1; 2Tm 4,21; Fm 1 e 23).
9. Além dos estudos que fez, você aprendeu alguma profissão? Qual e por quê?
Paulo tinha a profissão de fabricante de tendas e de outros objetos de couro (At 18,3). Alguns exegetas acham que ele tenha aprendido esta profissão durante a sua estadia em Jerusalém, enquanto estudava aos pés de Gamaliel. Pois, assim dizem, o ideal do bom rabino era ter uma profissão e viver do próprio trabalho. Neste caso, a profissão e o trabalho teriam um papel apenas secundário na vida de Paulo. O importante seria o fato de ele ser rabino ou doutor. Mas, como já vimos, ao que tudo indica, Paulo não estudou para ser rabino ou doutor. Nem é certo que este ideal de rabino já existisse assim no primeiro século. E como ainda veremos, a profissão e o trabalho tinham um papel não secundário, mas central na vida de Paulo.
O mais provável é que ele, como todo menino daquele tempo, tanto do mundo grego como do mundo judeu, tenha aprendido a profissão do próprio pai, isto é, lá mesmo em Tarso. A profissão era uma característica da família. Passava de pai para filho. O aprendizado na oficina do pai começava aos 13 anos de idade e durava dois ou três anos. O menino tinha que trabalhar de sol a sol, obedecendo a uma disciplina muito rígida. Ele aprendia a profissão do pai ou para ter um meio de vida ou para se capacitar na condução dos negócios como sucessor do pai. Isto dependia do tamanho da fortuna e do negócio do pai.
10. Seu pai era rico? Tinha grandes negócios?
Paulo fazia questão de dizer que era “Cidadão de Tarso” (At 21,39) e “Cidadão de Roma” (At 16,37; 22,25) e que tinha este direito não porque o comprou, mas por nascimento (At 22,28). Com outras palavras, recebeu-o do pai. Isto quer dizer que o pai de Paulo não era pobre. Pelo contrário, era da elite da cidade, pois chegou a apropriar-se do direito de “Cidadão de Roma” a ponto de poder passá-lo para os filhos!
Alguns intérpretes acham que o pai de Paulo, sendo fabricante de tendas, tenha produzido tendas para o exército romano que precisava delas para as suas numerosas expedições militares. Assim eles explicam como ele, sendo judeu, possa ter recebido o título de “Cidadão de Roma” como um direito hereditário.
Deste modo, é provável que Paulo tenha aprendido a profissão de fabricante de tendas, não tanto para ter um meio de sobrevivência através do trabalho, mas muito mais para poder suceder o pai na condução dos negócios. A conversão para Cristo, porém modificou todos estes planos!
II Parte
11. Paulo, de que maneira a conversão para Cristo modificou seus planos?
Como Cidadão de Tarso, Cidadão de Roma, aluno de Gamaliel com formação superior, criado e formado muito provavelmente para tomar conta da oficina do pai, Paulo pertencia à elite da sociedade daquele tempo. Tinha diante de si um grande futuro e a possibilidade real de uma brilhante carreira. Mas a entrada de Cristo na sua vida modificou tudo isto!
Ele mesmo diz: “Por causa dele perdi tudo e tenho tudo como esterco para poder ganhar a Cristo e ser achado nele!” (Fil 3,8) “O que era lucro, eu o tive como perda, por amor a Cristo!” (Fil 3,7).
Perdeu tudo! Qual o tudo que ele perdeu?Uma parte do tudo que perdeu era o seguinte: a entrada de Cristo na sua vida o tirou de uma posição na sociedade e o colocou em outra, bem inferior. Paulo mudou de classe. Em vez de empregador, dono de uma oficina com seus empregados e escravos, acabou sendo ele mesmo um empregado, um trabalhador assalariado com aspecto de escravo, que mal e mal ganhava o suficiente para poder sobreviver e que dependia da solidariedade dos amigos para não morrer de fome (2Cor 11,9; 2Ts 3,8).
A conversão para Cristo era um lado da medalha. O outro lado era a sua identificação cada vez maior com os pobres, os assalariados, os escravos.
12. Explique-se melhor: depois de convertido para Cristo, o que foi que você fez da profissão que aprendeu? Chegou a exercê-la? Como arrumava emprego?
A entrada de Cristo na sua vida criou para Paulo uma situação nova e diferente, em que ele foi obrigado a buscar uma outra maneira de sobreviver. De um lado, como que de repente, Paulo foi cortado da comunidade judaica, perdeu o círculo de amizades que tinha e deve ter perdido também sua clientela no meio dos judeus, pois eles chegaram ao ponto de querer matá-lo (At 9,23). De outro lado, vivendo na nova comunidade dos cristãos, Paulo foi enviado para a missão (At 13,2-3) e, durante mais de 14 anos, levou uma vida de missionário ambulante, sem domicílio, sem oficina e sem clientela fixa. Como sobreviver nestas condições?
Como missionário ambulante, havia várias alternativas de sobrevivência, de acordo com o costume dos professores, filósofos e missionários ambulantes da época: havia alguns destes professores que impunham um preço pelo ensino que davam; outros, mas bem poucos, viviam de esmolas que eles pediam nas praças; a maioria, porém, se instalava em alguma casa de família de gente mais rica, como professor particular dos filhos, e lá eles viviam, sem trabalhar com as mãos, como filhos da casa, dependendo em tudo da família e recebendo dela até alguma ajuda em dinheiro.
Ora, Paulo, por uma questão de princípio, não aceitou nenhuma destas três alternativas: embora reconhecesse aos outros o direito de receber um salário (1Cor 9,14-15), ele mesmo fazia questão de não aceitar um salário pelo ensino que dava, pois queria anunciar o evangelho de graça (1Cor 9,17-18); não aceitava esmola nem ajuda para si, a não ser de uma única comunidade (Fil 4,15); não queria depender da comunidade nem ser peso para ela (1Ts 2,9; 2Ts 3,7-9; 2Cor 12,13-14).
Paulo escolheu uma quarta alternativa: trabalhar com as próprias mãos (1Cor 4,12). E neste ponto lhe foi de muito proveito a profissão que aprendeu, mas com uma grande diferença: aprendeu a profissão como filho de pai influente e rico, e acabou por exercê-la como operário necessitado, obrigado pelas circunstâncias duras da vida a procurar um emprego nas oficinas perto do mercado das grandes cidades. Cícero, célebre orador e senador romano, dizia: “Uma oficina não tem nada que possa beneficiar um homem livre”. Por isso, para um homem livre como Paulo, não era fácil conseguir um emprego. Em geral, as grandes oficinas empregavam só escravos por serem mais baratos. Quando um homem livre procurava trabalho em alguma oficina, ele fazia algo que o humilhava. Foi o que aconteceu com Paulo. Ele escreve com certa ironia: “Terá sido falta minha anunciar-vos gratuitamente o evangelho, humilhando-me a mim mesmo para vos exaltar?” (2Cor 11,7). Procurando emprego nestas condições, Paulo assumia a condição de um escravo: “Mesmo sendo livre, fiz-me escravo de todos” (1Cor 9,19).
13. Por que você insiste tanto no valor do “trabalho com as próprias mãos”?
Na sociedade helenista, trabalhar com as próprias mãos era visto como um trabalho próprio de escravo e impróprio para um homem livre. O ideal dos gregos era uma vida intelectual sem trabalho manual. Daí que os outros missionários, filósofos e professores ambulantes, cultivando o ideal da época, não trabalhavam com as mãos e eram sustentados pela comunidade. A comunidade, por sua vez, os acolhia de bom grado, pois via neles um símbolo do ideal que todos queriam atingir. Embora alimentado por todos e para todos, este ideal era viável apenas para uma pequena elite.
Paulo rompe com o ideal cultivado pela sociedade e pela cultura helenista. Pois ele insiste em querer sustentar-se através do trabalho manual: “Vocês sabem como devem imitar-nos: nós não ficamos sem fazer nada quando estivemos entre vocês, nem pedimos a ninguém o pão que comemos; pelo contrário, trabalhamos com fadiga e esforço, noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vocês. Não porque não tivéssemos direito a isso, mas porque nós quisemos ser um exemplo para vocês imitarem” (2Ts 3,7-10).
Apresentando-se ao povo como um missionário que vive do trabalho de suas próprias mãos, ele faz com que o evangelho entre por uma porta diferente, provoque uma ruptura na vida do povo e lhe apresente um novo ideal de vida. Ele diz: “Empenhem a sua honra em levar uma vida tranqüila, ocupando-se das suas próprias coisas e trabalhando com as próprias mãos. Assim levarão uma vida honrada aos olhos dos de fora e não passarão mais necessidade de coisa alguma” (1Ts 4,11-12). Como entender o alcance deste texto?
Apresentando-se ao povo como um missionário que vive do trabalho de suas próprias mãos, ele faz com que o evangelho entre por uma porta diferente, provoque uma ruptura na vida do povo e lhe apresente um novo ideal de vida. Ele diz: ‘Empenhem a sua honra em levar uma vida tranqüila, ocupando-se das suas próprias coisas e trabalhando com as próprias mãos. Assim levarão uma vida honrada aos olhos dos de fora e não passarão mais necessidade de coisa alguma” (1Ts 4,11-12). Como entender o alcance deste texto?
Paulo deu o exemplo (1Ts 2,9; 2Ts 3,7-9; At 20,34-35; 1Cor 4,12). Ele era um homem livre que não precisava trabalhar como um escravo. Como missionário ambulante, ele podia ser sustentado pela comunidade, e a comunidade o aceitaria de bom grado. Mas ele recusou este direito (1Cor 9,15). Fez questão de trabalhar com as próprias mãos. Deste modo, ajudava os irmãos pobres a quebrar a ideologia dominante e a perceber onde estava a fonte da verdadeira honradez. E foi exatamente neste ponto que Paulo recebeu os maiores ataques dos outros missionários que não chegavam a entender a sua atitude e que pensavam mais de acordo com a ideologia dominante (1Cor 9,1-18; 2Cor 11,7-15).
Resumindo: o trabalho ocupa um lugar central na vida de Paulo. Através do trabalho, ele se tornou um exemplo vivo e ajudava as comunidades a compreender que era precisamente na sua condição de trabalhadores e escravos que estava a base para se poder criar uma situação nova em que o povo já não passasse necessidade.
14. Qual o seu salário? Dá para viver? Tem outra fonte de renda?
Ao que tudo indica, o salário de Paulo não deve ter sido alto, pois ele tinha que trabalhar “dia e noite” para poder viver sem depender dos outros (1Ts 2,9; 2Ts 3,8). Ele fala de cansaço, provocado pelo trabalho manual (1Cor 4,12), e de “vigílias”, (isto é, horas-extras) (2Cor 6,5; 11,27). Mas mesmo fazendo vigílias, ele passava necessidade (2Cor 11,9). Não tinha dinheiro nem para comprar comida e roupa, pois ele fala de fome e nudez (2Cor 11,27). Vivia como um “indigente” (2Cor 6,10).
Um dos motivos do salário insuficiente é o fato de Paulo estar sempre viajando e não ter um domicílio fixo. Por isso, não conseguia montar uma oficina própria com clientela estável, nem criar um nome de bom profissional que pudesse atrair os compradores de tendas e de outros artigos de couro. Na maioria dos lugares por onde passou, ele deve ter vivido de algum emprego, conseguido numa das oficinas que costumavam ficar perto do mercado.
Em Corinto, teve a sorte de ter encontrado Áquila e Priscila, em cuja oficina conseguiu um emprego (At 18,3). Em Éfeso, onde passou três anos, ao que parece, não teve tanta sorte, pois de lá escrevia aos coríntios: “Fatigamo-nos trabalhando com as próprias mãos” (1Cor 4,12). Ainda em Éfeso, Paulo “ensinava diariamente na escola de um tal Tiranos” (At 19,9). Um texto variante, conservado no assim chamado “textus occidentalis”, diz que o ensinamento diário era feito “entre a quinta e a décima hora”, isto é, entre 11 da manhã e 4 da tarde, ou seja, durante a hora do almoço e do descanso. O resto do tempo, ele tinha que trabalhar na oficina, desde cedo da manhã até tarde da noite (1Ts 2,9; 2Ts 3,8).
Outras fontes de renda ele não tinha, a não ser uma ajuda que recebia só da comunidade de Filipos (Fil 4,15; 2Cor 11,8-9). Quando necessário, ele sabia fazer coleta e pedir dinheiro, não para si, mas para os outros, os pobres de Jerusalém. Realizava, assim, a partilha (1Cor 16,1-4).
15. E o que você fez com o seu direito de cidadão? Como você participa da vida pública da sua cidade? Como exerce os seus direitos?
Como Cidadão de Roma, Paulo gozava de alguns privilégios: não podia ser flagelado, não podia ser crucificado, podia apelar para o Supremo Tribunal em Roma, para César. De vez em quando, ele recorria a estes privilégios: em Filipos, quando foi preso e flagelado sem forma de processo (At 16,37); em Jerusalém, quando o centurião romano quis flagelá-lo (At 22,25); em Cesaréia, quando corria perigo de ser entregue na mão dos judeus e por eles ser assassinado (At 25,3.11).
Como Cidadão de Tarso, Paulo fazia parte da elite da cidade. Cidadão era todo aquele que era reconhecido oficialmente como membro da Cidade. Só os Cidadãos de uma cidade eram considerados povo (dèmos) daquela cidade, e só os cidadãos é que podiam participar das assembléias, onde se tomavam as decisões com relação ao destino da cidade. Este tipo de organização se chamava demo (povo) – cracia (governo). Mas por mais que dissessem que era “governo do povo”, o povo mesmo não participava, pois não participavam os escravos e os libertos, nem os assim chamados “peregrinos”, isto é, moradores, estrangeiros, gente que veio de fora. Participava só uma pequena elite.
Não temos notícia da participação efetiva e direta de Paulo na vida política ou pública da sua cidade. Mas o que sabemos é que ele participava ativamente na vida e na organização da comunidade a que pertencia. Por exemplo, antes da conversão, ele chegou a ser delegado oficial do Sinédrio para Damasco (At 9,1-2). O exegeta J. Murphy O’Connor acha que Paulo foi membro do Sinédrio, isto é, do Supremo Tribunal da comunidade judaica. Depois da sua conversão, Paulo participava intensamente da vida das comunidades cristãs a ponto de ser indicado como responsável pela evangelização entre os pagãos (Gl 2,7-9).
16. Quais as funções e tarefas que você já exerceu na sua vida?
Sendo homem de participação ativa, Paulo recebeu e exerceu muitas tarefas e funções. Sinal de que era uma pessoa com qualidades de liderança. Percorrendo rapidamente os Atos dos Apóstolos e as cartas, consegui encontrar dez tarefas ou funções de que Paulo foi incumbido.
Uma leitura mais atenta poderá descobrir outras. Eis a lista:
1. Testemunha auxiliar no apedrejamento de Estêvão (At 7,58; 8,1); 2. Provavelmente, membro do Sinédrio, isto é, do Supremo Tribunal de Jerusalém; 3. Emissário do Sinédrio para Damasco em vista da perseguição aos cristãos (At 9,2; 22,5; 26,12); 4. Delegado da comunidade de Antioquia para Jerusalém (At 11,30); 5. Delegado da mesma comunidade de Antioquia para a missão em Chipre e na Ásia Menor (At 13,2-3); 6. Delegado dos cristãos convertidos do paganismo para o Concílio Ecumênico de Jerusalém (At 15,2); 7. Delegado oficial do Concílio junto às comunidades cristãs do mundo pagão (At 15,22.25); 8. Responsável oficial pela evangelização dos pagãos (Gl 2,7-9); 9. Organizador e portador da grande coleta, feita nas comunidades cristãs do mundo pagão em benefício dos pobres de Jerusalém, imitando assim o costume judeu dos dízimos e da ligação estreita com a Igreja-Mãe (Gl 2,10; Rm 15,25-28; 2Cor 8-9; 1Cor 16,1-4; At 24,17); 10. A tarefa mais importante: “Ai de mim!, se eu não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9,16).
17. Você que viajou tanto, quais os países que visitou e qual o seu domicílio atual?
Naquele tempo não havia países como hoje. Havia o grande império romano que era como um mosaico enorme, feito de reinos, povos, cidades, tribos. Cada pedrinha do mosaico mantinha a sua autonomia relativa e suas próprias leis, mas todas juntas estavam integradas e organizadas dentro dos interesses comuns do grande império, a saber: pagar os impostos e as taxas; não fazer guerras entre si; fornecer soldados para o exército romano; reconhecer a autoridade divina do imperador.
Por este império imenso Paulo andou, viajando por mar e por terra. Andou pelas estradas imperiais, a pé, ao todo mais de 15 mil quilômetros!Pelo que se sabe, de todas as épocas da antigüidade, a época em que Paulo vivia era a mais propícia para viajar. Em 63 a .C., pouco antes de invadir a Palestina, o general romano Pompeu tinha derrotado e eliminado os piratas que tornavam perigosas as viagens pelo Mar Mediterrâneo. Em 31 a .C., após a vitória de Octaviano sobre Marco Antônio, tinha começado a Pax Romana que favorecia a tranqüilidade nas estradas. Havia estradas boas, consertadas regularmente e mantidas em bom estado de conservação. Cada 30 quilômetros (um dia de viagem), costumava haver uma hospedaria que oferecia segurança aos viajantes contra os ladrões e outros perigos.
Ora, os cristãos souberam utilizar esta rede de estradas para a difusão do Evangelho. Eles viajavam muito entre as várias cidades. Estabeleceu-se uma rede de comunicação entre as comunidades. Vale a pena você passar o pente pelos Atos dos Apóstolos e pelas Cartas de Paulo e fazer um levantamento minucioso das viagens dos primeiros cristãos: quem viajava; de onde para onde; com que meios; por que estradas; com que finalidade; etc.
Paulo nasceu em Tarso na Cilícia da Ásia Menor, criou-se em Jerusalém na Palestina, foi enviado a Damasco na Síria. Depois da sua conversão andou pela Arábia. Passando por Jerusalém, voltou para Tarso e, alguns anos depois, veio morar na comunidade de Antioquia na Síria. De lá foi enviado para a missão e, junto com os companheiros, andou por muitas regiões, sem parar: Chipre, Panfília, Pisídia, Licaônia, Galácia, Mísia, Macedônia, Acáia, Grécia, etc. Passou pela Ásia e entrou para a Europa. Andou de navio pelo Mar Mediterrâneo e foi até Malta e Roma. Tinha projeto de viajar até a Espanha.
O domicílio natural de Paulo era Tarso. Mas depois que tomou consciência da sua missão, não teve mais domicílio fixo. Era um peregrino sem repouso. Vivia em canto nenhum, e se sentia em casa em todo canto (1Cor 4,11).
18. Como é que você faz para se comunicar com tanta gente diferente? Quantas línguas você fala e onde as aprendeu?
Paulo falava o grego (At 21,37), aprendido em Tarso, sua cidade natal, e escrevia corretamente, como o comprovam as suas cartas. O grego era a língua comum (koinè) do comércio e do império, como o inglês hoje em dia. Era a língua do povo das cidades.
Paulo falava também o hebraico (At 21,40; 26,14), língua na qual foi escrita a maior parte do Antigo Testamento e que se usava quase exclusivamente na celebração da palavra nas sinagogas. Falava ainda o aramaico que era a língua falada pelo povo da Palestina. Não se sabe se ele falava também o latim dos romanos de Roma.
19. Você tem algum problema de comunicação? Como o resolve?
Paulo deve ter tido muitos problemas de comunicação por causa da grande variedade de línguas faladas pelos diferentes povos do império romano. Ele falava em grego, mas nem todos os ouvintes entendiam o grego. Seria como falar em português aos índios do interior de Roraima. Nem todos os índios entendem o português.
Assim, na região dos gálatas, no centro da Ásia Menor, a língua materna do povo era o dialeto gálico, língua parecida com o francês. Fazia pouco tempo que os gálatas tinham migrado da Europa para aquela região da Ásia Menor. Muitos deles não entendiam nada do grego de Paulo. Paulo resolvia o problema da falta de comunicação com gestos e desenhos. Pois ele lembra na carta: “Diante de vocês foi desenhada a imagem de Jesus crucificado” (Gl 3,1).
Mas nem sempre resolvia o problema com tanta facilidade. Certa vez, em Listra na Licaônia da Ásia Menor, depois da cura de um paralítico por Paulo e Barnabé, o povo exclamou: “Deuses em forma humana vieram até nós!” (At 14,11) O povo falava em língua licaônica que Paulo não entendia. Por isso não percebeu que o povo estava querendo prestar-lhe um culto divino e oferecer-lhe um bezerro como sacrifício de louvor e ação de graças. Foi um equívoco muito desagradável. Provavelmente, foi por meio de um intérprete que conseguiram desfazer o equívoco. (At 14,14.18).
eduardo de souza
jun 19, 2009 @ 19:18:14
Relatar a historia de uma vida,relativa de Paulo, é preciso os amiudes ao que tange a respeito,pois se não tiver os minimos detalhes, não sera relatado na integra, por conseguinte quando a gente se refere a esse magnifico homem de Deus, é preciso muito cuidado para não denegrir a historia, sendo assim devemos antes de relatar tal fato precisamos mais pesquisas.Notabiliza-se o relato de suas cartas que foram feitas dentro de um padrão gramatical tão profunda que consegue nos envolver suas caracteristicas evangelisticas.
Carissimo irmão foste explicito, mas poderia ser mais abrangente,Deus de toda a Glória te dara tenho certeza,mais luz,e retorica para confabular com Paulo,pois tambem creio foste chamado para o grande ministerio de ensino. Deus continue te abancoando, e eu te abencoo em nome de Jesus. Eduardo de Souza Bel em Teologia, e Dr.em Divindades. Parabens.