20 de novembro: Zumbi vive!
Ana Maria Felippe *
“A vida de Zumbi, o rei do Quilombo dos Palmares, é pouco conhecida e envolta em mitos e discussões”, conforme informa o texto na página da internet da Fundação Joaquim Nabuco. (1)
Por causa da força que o nome “Zumbi” adquiriu, alguns acabam tendo a impressão de que nome “dos Palmares” atribuído a ele, seria porque Zumbi teria sido o fundador do quilombo. Mas o Quilombo dos Palmares, na atual Serra da Barriga, em Alagoas, surgiu 55 anos antes do nascimento de Zumbi, fruto da reunião de negros fugidos da escravidão nos engenhos de açúcar da Zona da Mata nordestina. A área situava-se na, então, capitania de Pernambuco e foi testemunha de uma estrutura de comunidade (2) que, estima-se, chegou a reunir mais de 30 mil pessoas entre negros, índios e brancos pobres.
A vida comunal do quilombo permitia que todas as crianças ali nascidas fossem livres desde sempre. Assim, também Zumbi nasceu livre em Palmares, em 1655 e seria descendente do povo imbamgala ou jaga (de Angola). Neto de Aqualtune, aos seis anos, Zumbi sobreviveu a um ataque ao quilombo, tendo sido capturado e entregue a um missionário português (de nome Antonio Melo), que lhe deu o nome de “Francisco”, em batismo, e ensinou-lhe o português e o latim. Em 1670, com 15 anos, Zumbi fugiu e retornou ao seu local de origem.
Depois de inúmeras tentativas de portugueses e holandeses (3) para aniquilar o quilombo, por volta de 1678, o governador da Capitania de Pernambuco fez uma oferta de paz a aquele que era o líder de Palmares, Ganga Zumba. A “oferta” que propunha a liberdade para todos os escravos fugidos, com a submissão do quilombo à autoridade da Coroa Portuguesa, não foi aceita por Zumbi que não admitia a liberdade para as pessoas do quilombo enquanto outros negros eram escravizados. A recusa de Zumbi acabou por colocar em cheque a liderança de Ganga Zumba.
Zumbi prometeu continuar a resistência contra a opressão portuguesa e tornou-se o novo líder do Quilombo. (4)
Em 1692, o bandeirante paulista Domingo Jorge Velho (um mercenário da época), comandou um ataque a Palmares e teve suas tropas arrasadas. Em 6 de fevereiro de 1694, o quilombo sofreu outra invasão por parte dos capangas desse bandeirante, sendo Zumbi ferido e a capital de Palmares destruída.
Apesar de ferido, Zumbi resistiu na mata, por quase dois anos. Foi a traição de Antônio Soares que fez com que fosse encontrado e, por isso, surpreendido e apunhalado em seu reduto (por Furtado de Mendonça, que tinha patente de “capitão”). Zumbi foi morto em 20 de novembro de 1695.
Zumbi teve a cabeça cortada, salgada e levada ao governador Caetano de Melo e Castro. A cabeça-símbolo de Zumbi foi exposta em praça pública, em Recife, com a finalidade de desmentir a crença sobre a imortalidade de Zumbi e intimidar a população negra.
Em 14 de março de 1696 esse mesmo governador de Pernambuco escreveu ao Rei: “Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares.”
Zumbi tornou-se um símbolo de resistência para a população brasileira e a data de sua morte foi instituída pelo Movimento Negro como o dia Nacional da Consciência Negra, desde 1995 – 300 anos da morte de Zumbi. Desde então, uma das lutas do Movimento Negro tem sido pelo reconhecimento de um calendário negro e que inclua um feriado que signifique liberdade e dignidade para afrodescendentes. Através de projetos de lei estaduais e municipais, neste ano de 2009, já contamos com feriado do 20 de novembro em 757 municípios e 8 estados do País. (5) O objetivo é alcançarmos um feriado nacional.
Zumbi, a resistência quilombola e a capoeira
A resistência de Zumbi e do quilombo aos ataques constantes deveu-se à prática de exímios capoeiristas. A capoeira foi muito praticada nos quilombos, onde os negros tinham a liberdade para expressar sua cultura. Há relatos de historiadores de que Zumbi dos Palmares e os quilombolas conseguiram defender o Quilombo dos Palmares dos ataques das tropas coloniais porque eram exímios capoeiristas. Mesmo possuindo material bélico muito aquém dos utilizados pelas tropas coloniais e geralmente combatendo em menor número, resistiram, a pelo menos. vinte e quatro ataques de grupos com até três mil integrantes comandados por capitães-do-mato.
O quilombo sofreu dezoito grandes ataques de tropas militares até que fosse derrotado, provando a capacidade de estrategista militar de Zumbi e a força da organização dos quilombolas.
Podemos encontrar referências de soldados portugueses relatando ser necessário mais de um militar para capturar um quilombola porque se defendiam com uma técnica de ginga onde usavam as pernas, a cabeça e os braços.
Cronologia
Zumbi dos Palmares – Libertador de escravos: 1655 – 1695
1600: Negros fugidos ao trabalho escravo nos engenhos de açúcar de Pernambuco, fundam na serra da Barriga o quilombo de Palmares; a população não pára de aumentar, chegarão a ser 30 mil; para os escravos, Palmares é a Terra da Promissão.
1630: Os holandeses invadem o Nordeste brasileiro
1644: Tal como antes falharam os portugueses, os holandeses falham a tentativa de aniquilar o quilombo de Palmares.
1654: Os portugueses expulsam os holandeses do Nordeste brasileiro.
1655: Nasce Zumbi, num dos mocambos de Palmares
1662 (?): Criança ainda, Zumbi é aprisionado por soldados e dado ao padre António Melo; será batizado com o nome de Francisco, irá ajudar à missa e estudar português e latim.
1670: Zumbi foge, regressa a Palmares.
1675: Na luta contra os soldados portugueses comandados pelo Sargento-mor Manuel Lopes, Zumbi revela-se grande guerreiro e organizador militar.
1678: A Pedro de Almeida, Governador da capitania de Pernambuco, mais interessa a submissão do que a destruição de Palmares; ao chefe Ganga Zumba propõe a paz e a alforria para todos os quilombolas; Ganga Zumba aceita; Zumbi é contra, não admite que uns negros sejam libertos e outros continuem escravos.
1680: Zumbi impera em Palmares e comanda a resistência contra as tropas portuguesas.
1694: Apoiados pela artilharia, Domingos Jorge Velho e Vieira de Mello comandam o ataque final contra a Cerca do Macaco, principal mocambo de Palmares; embora ferido, Zumbi consegue fugir.
1695, 20 de Novembro: Denunciado por um antigo companheiro, Zumbi é localizado, preso e degolado.
Notas:
(2) O historiador Pedro Paulo Funari afirma que o quilombo (termo derivado de língua da região de Angola) era chamado pelos portugueses de República dos Palmares, nos documentos da época, e termos como mocambo foram posteriormente utilizados no sentido pejorativo. O quilombo era composto por várias aldeias, de nomes africanos, como Aqualtene, Dombrabanga, Zumbi e Andalaquituche, indígenas, como Subupira, ou Tabocas, e portugueses, como Amaro. A capital era Macacos, termo de origem incerta (pode ser português ou corrutela do banto macoco). Pedro Paulo Funari, no artigo “A República de Palmares e a Arqueologia da Serra da Barriga”
(3) que dominaram parte do Nordeste de 1630 a 1654.
(4) Segundo o historiador Edison Carneiro, na obra “O Quilombo dos Palmares”, ao longo dos quase 100 anos de resistência dos palmarinos, foram inúmeras as ofertas como essa.
(5) http://leliagonzalez-informa.blogspot.com/2009/11/20-de-novembro-feriado-de-zumbi-em-757.html
Para mais:
Conforme matéria da “Agência Brasil”, Zumbi é um termo de significado incerto, tendo aparecido pela primeira vez em 1673, em relatos portugueses sobre a expedição chefiada por Jácome Bezerra, que foi desbaratada pelos quilombolas.
Ganga Zumba – possivelmente um título – nganga significa sacerdote, e nzumbi “possui conotações militares e religiosas” (Funari).
http://www.vidaslusofonas.pt/zumbi_dos_palmares.htm
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/11/19/materia.2006-11-19.9718496723/view
http://pt.wikipedia.org/wiki/Zumbi_dos_Palmares
http://www.medio.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1318&Itemid=39
*Ana Maria Felippe é carioca, graduada em Filosofia (UERJ); pós-graduada em Filosofia da Ciência (UFRJ), professora, articulista, consultora, fundadora do IPCN – Instituto de Pesquisa das Culturas Negras, Coordenadora de Memorial Lélia Gonzalez, atual presidente da SEAF – Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficos. Contato: [email protected]