As metáforas de Jesus
Pe. Alfredo J. Gonçalves
As metáforas de Jesus costumam ser simples na forma e profundas no conteúdo. Algumas são expressões extremamente densas, concisas e cheias de sabedoria, inseridas no meio de um discurso mais longo. Exemplo: “Pois onde estiver o cadáver aí se juntarão os abutres” (Mt 24, 28) ou “segue-me e deixa que os mortos enterrem seus mortos” (Mt 8,22) e ainda “os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos” (Mt 20, 16). Costumam ser frases taxativas, peremptórias, provérbios populares, sem margem a resposta. Outras se desenvolvem de maneira mais alinhavada, em forma de parábolas, a linguagem por excelência do profeta de Nazaré. Segundo os estudiosos do tema, muitas delas representam respostas pontuais às freqüentes polêmicas do cotidiano, especialmente com os fariseus e saduceus. Respostas que, vale dizer, deixavam mudos os adversários e os expectadores.
Tais metáforas ou parábolas brotam de experiências distintas e abrangem os mais diferentes campos. Umas são marcadamente agropastoris, como a do semeador, da vinha e do vinhateiro, dos trabalhadores da última hora, da ovelha perdida ou a do bom pastor, do joio e do trigo; outras estão relacionadas ao mar, aos lagos e aos trabalhadores das águas, como a da rede lançada ao mar, a moeda encontrada no peixe.
Algumas dessas metáforas/parábolas deixam transparecer um colorido e um tempero bem expressivos da vida diária do povo do que Jesus fazia parte. É caso do sal, do fermento, da luz ou do grão de mostarda; entre estas últimas, há aquelas que são fortemente carimbadas com o selo da compaixão, como a do filho pródigo; ou as que se referem à insistência e ao ritualismo farisaico da oração, como o juiz e a viúva, de um lado, e o fariseu e o publicano, de outro; e há as que transpiram a alegria de um povo simples e festivo, como a das virgens prudentes e imprudentes ou a do rei que oferece um banquete; mas há também as que denunciam o ambiente tumultuado do comércio, tais como a do tesouro escondido no campo ou a da pérola preciosa.
De um ponto de vista pastoral e espiritual, três aspectos chamam a atenção nessas páginas do Evangelho. Evidentemente são páginas inesgotáveis em seu mistério e profundidade e muita tinta e papel já se gastaram sobre elas. Os comentários que se seguem não passam de algumas gotas de reflexão no oceano de comentários sobre as Parábolas de Jesus (Livro de Joaquim Jeremias).
Conteúdo das metáforas
O primeiro aspecto a destacar é o conteúdo de tais metáforas. Grande parte delas está vinculada ao Reino de Deus. Através de algo visível e bem conhecido na vida do dia-a-dia – tesouro, sal, fermento, etc. – expressam uma realidade invisível. O que Jesus tem a dizer não cabe em palavras. Ele apela para imagens, mas estas também são limitadas e se prestam a distintas interpretações. A verdade é que a atenção de Jesus está de tal forma focada na intimidade com o Pai, respira de tal maneira o oxigênio de sua casa e de sua presença, que a torrente de suas palavras converge naturalmente para a certeza de que “eu e o Pai somos um”. E de que o Reino permanece aberto a todos que “amarem a Deus e ao próximo”.
O Reino torna-se sua mensagem central. Mais ainda, trata-se de uma realidade tão viva, íntima e absorvente, que Jesus se despoja de tudo para ir ao seu encontro. Nem a decepção e o fracasso com as limitações de seus colaboradores, nem a sinistra aproximação do sofrimento e da morte na subida para Jerusalém, nem a traição e a negação, e menos ainda a cruz, conseguem desviá-lo dessa meta. Impregnado de semelhante tesouro, respirando a intimidade com Pai por todos os poros, gestos e palavras, Jesus passa a insistir que todos devem ser convidados. As portas jamais se fecham para aqueles que se manifestem abertos à irrupção dessa nova realidade. Ninguém, a não ser que o queira, fica fora do banquete do Reino.
Dessa forma, o Reino se converte em Boa Nova, em Evangelho. Não uma notícia a mais, que acumulamos na bagagem de nosso saber. Muito menos uma manchete sensacionalista para satisfazer a curiosidade natural do ser humano. Mas uma notícia que sacode e interpela a existência como um todo, que a ninguém deixa indiferente, que mexe profundamente com as entranhas e a alma de cada pessoa humana. São os pobres, entretanto, os primeiros a sensibilizarem-se com ela. Sua carência ou indigência os torna mais permeáveis às novidades e às mudanças históricas.
Sem ninguém que os defenda, mesmo no escuro e na dúvida, são capazes de se lançarem confiantes nas mãos do único Senhor da História. São os primeiros que, na figura dos pastores e juntamente com a corte dos anjos celestiais, se põem a cantar e a proclamar a chegada do Menino Jesus em Belém. A presença de Deus lhes abre perspectivas para a existência vindoura, uma vez que o futuro encontra-se cerrado pelas adversidades e fracassos de passado pobre e sem saída. Deus irrompe em sua vida a partir de um amanhã renovado. Curvados sob o peso de uma experiência de cansaço e abandono, podem levantar a cabeça em direção à nova aurora que se anuncia.
Ao contrário, quem nasce e cresce em berço de ouro não quer saber de grandes transformações. “Onde está teu tesouro aí estará teu coração”, dirá com razão o Mestre. Ricos de bens e auto-suficientes em seu poder e em seu saber, é nisso que põem sua inteira confiança. Quem acumula tesouros no presente, com frequência volta as costas ao transcendente que chama a se desinstalar e a retomar o caminho. De forma cristalina, sobressaem duas centralidades no projeto de Jesus sobre o Reino: enquanto este representa o centro de sua preocupação e de sua pregação, os pobres encontram-se no centro do Reino.
Linguagem de Jesus
O segundo aspecto refere-se à linguagem de Jesus. Falar de inculturação da Palavra de Deus é dizer pouco, e o tema da inculturação voltará mais adiante. Está em jogo aqui uma profunda empatia entre a alma de Jesus e a alma do povo de seu tempo. Por mais misteriosa e divina que seja a mensagem, ela passa pela maneira simples e popular de se comunicar. As metáforas e/ou parábolas constituem peças chaves nessa aproximação entre a Palavra e a vida cotidiana. Trata-se de uma linguagem concreta, viva, tangível, de fácil acesso a qualquer pessoa.
A imagem e o toque precedem os conceitos. Se, de um lado, a imagem visualizada torna a mensagem inesquecível, de outro, o toque costuma ser a comunicação de quem muito ama ou muito sofre. A dor, quando histórica, secular e prolongada, mutila a fala. O toque, por exemplo, é a forma de rezar de muitas pessoas que se aproximam dos santos, da imagem de Maria e do Cristo Morto, ou do sacrário. Quem passou pelo “vale de lágrimas” comunica-se com os olhos, as mãos, o próprio corpo: rugas, cabelos brancos, olhares aparentemente duros, carícias de mãos rudes e calosas. Por trás dessa casca grossa costuma morar corações de uma ternura surpreendente.
Também são fortes e inesperados os ditos populares, sabedoria acumulada e condensada em frases de efeito, contrastantes. “Se o teu olho é motivo de pecado, arranca-o e lança-o para longe; se a tua mão direita é motivo de pecado, corta-a e lança-a para longe”, e assim por diante. Jesus assume o linguajar rude e direto de seus contemporâneos, não para ser entendido literalmente, e sim para chegar mais perto de seu coração.
Tudo isso tem em vista as pessoas mais pobres, que em geral não tiveram acesso à preparação escolar. De fato, a palavra e a história são próprias das classes dominantes. São elas que tentam monopolizar a comunicação verbal. Os habitantes dos porões desenvolvem outras formas de comunicação, tais como o gesto, a música, a dança, a poesia, a capoeira e, é claro, a imagem, o toque e o ditado repetido de boca em boca. A arte das ruas e dos campos se contrapõe à arte das galerias e dos museus. É coreograficamente mais viva, vibrante, cheia de vida e energia.
Jesus mostra entender dessa arte. Suas palavras e gestos se dirigem diretamente aos corações marcados pelo sofrimento, mas donos de uma sabedoria oculta. Quantas vezes Ele toca e se deixa tocar! Sabe que, para quem atravessou o mistério da dor, não há salvação sem a mágica do toque. Toque que pode concretizar-se numa palavra, num olhar, num beijo, num abraço, num aperto de mão, num convite, numa visita, numa mão sobre o ombro… O toque é bálsamo incomparável para quem desceu aos “infernos” do sofrimento humano. Por mais adultos e crescidos que sejamos, consciente ou inconscientemente, todos temos saudades do colo da mãe e de suas mãos acalentadoras.
Inculturação da Boa Nova
Por fim, a inculturação da Boa Nova do Evangelho no contexto de seu tempo. Num processo real de inculturação há dois extremos a evitar: abdicar da própria cultura ou impô-la sobre os outros. Também existem dois caminhos curtos e fáceis a serem evitados: a pura imitação ou a ignorância do estranho e diferente. Quando se fala de inculturação, está em jogo um processo lento, longo e laborioso. Um caminho que exige silêncio e escuta, compreensão e respeito, diálogo e abertura – tudo isso de forma permanente.
De fato, inculturação não é um ato localizado na vida, mas um processo que dura toda uma existência. Não é um diálogo de palavras e conceitos, mas um diálogo de corações e almas. O caminho breve a aparente é o caminho da imitação, do folclore: “já sei dançar o forró, já gosto de tapioca, já participo do São João” – então estou inculturado!”. Nada disso! Esse atalho aparentemente mais curto muitas vezes bloqueia o verdadeiro processo de inculturação. O caminho longo pode até passar por essas exterioridades, mas vai muito além disso. Pode também ocorrer sem essa imitação. No agreste paraibano, conheci missionários e missionárias de sotaque estrangeiro, mas com uma profunda empatia com a alma do povo. E inversamente, conheci brasileiros nascidos na própria região, mas que insistiam em manter uma distância abissal do ser genuinamente nordestino.
Imitar é próprio de papagaios ou macacos, não de seres humanos. Os seres humanos confrontam saberes, costumes, valores e contravalores. Nessa atitude de confronto, quando profunda e sincera, ocorre um mútuo enriquecimento. Cada cultura pode aprender e ensinar, corrigir e corrigir-se. Mas é preciso estar aberto ao encontro, ao diálogo, ao recíproco aprendizado. Se voltarmos os olhos para as páginas do Evangelho, frequentemente Jesus se deixa evangelizar, isto é, muda de idéia e de comportamento, extasia-se diante da fé ou da persistência do outro, especialmente das crianças, das mulheres, dos estrangeiros. “Em verdade vos digo que, em Israel, não achei ninguém que tivesse tanta fé” (Mt 8,10); ou “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra porque ocultaste estas coisas aos sábios e doutores e as revelastes aos pequeninos” (Mt 11, 25). E ainda o episódio da mulher siro-fenícia: “É verdade, Senhor, mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas das crianças” (Mc 7, 28).
Talvez o caso mais típico seja o encontro de Jesus e da samaritana na beira do poço, no capítulo quarto do Evangelho de João. João é o evangelista dos símbolos: costura a sua narração em torno de duas pessoas, duas sedes e duas águas. Quem no início tem sede, no decorrer da conversa oferece água; e quem tem as condições de tirar água do poço, acaba revelando sua sede mais profunda. Ou seja, ninguém é só água e ninguém é só sede. Todos nós somos constituídos de uma mistura de sede e água. É o encontro da água e da sede que acaba tornando possível o processo de evangelização. O problema é ter coragem de revelar a própria sede. Jesus o faz por duas vezes, diante da mulher e no alto da cruz.
Quem sabe reside aqui o maior mal da Igreja atualmente! Ao invés de revelar a própria sede diante dos pobres e excluídos, segue muitas vezes com a pretensão de só ter água para oferecer. Daí a noção errônea de “levar o Evangelho” ao que não o conhecem. Evangelho não se leva, se vive e se testemunha! A água que queremos levar, tal como as sementes do Reino, já se encontram no coração de cada pessoa e no coração de cada cultura, segundo a própria Doutrina Social da Igreja. Essa pretensão gera muitos discursos, documentos, encíclicas, sermões, cartas, por um lado, e poucos gestos de humildade e de verdadeira comunicação, por outro.
Nesse episódio, quem é o evangelizador e quem é o evangelizado? Sou tentado a dizer que nem Jesus nem a mulher. O poço é que evangeliza! Ou seja, é a coragem de abrir poços, encontros, que nos abre ao processo verdadeiro e inculturado da evangelização. As páginas do Evangelho revelam isso: a prática evangelizadora de Jesus é a de abrir poços, encontros, com as pessoas mais inesperadas. Passa por cima de todos os preconceitos e de toda discriminação, e vai ao encontro das pessoas. Abre-lhes o coração e provoca abertura da parte delas. Seu olhar misericordioso vê não tanto o pecado acumulado ao longo da história de cada um, mas o quanto a pessoa foi capaz de amar: “Seus numerosos pecados são perdoados, porque ela demonstrou muito amor” (Lc 7, 47). O mesmo se repete com a mulher adúltera: “Ninguém te condenou?… Nem eu te condeno. Vai em paz e de agora em diante não tornes a pecar” (Jo, 8, 10-11). Jesus repudia o pecado, mas, pelo dom do perdão, abre novas possibilidades ao pecador.
E está aberto assim o caminho para a evangelização. Esta tem sempre mão dupla. Parafraseando Paulo Freire (Educação como prática da liberdade), podemos dizer que ninguém evangeliza ninguém e ninguém se evangeliza sozinho. As pessoas se evangelizam mutuamente, na medida em que se abrem ao processo de conhecimento recíproco e de encontro. Essa abertura é tanto mais válida e necessária quanto mais o pluralismo cultural e religioso tomam conta de todo o planeta.
Nesta perspectiva, como lembra o Documento de Aparecida, os migrantes passam a ter um papel importante, como discípulos missionários frente ao desafio da evangelização. Diz Gadamer (Verdade e Método) que “o outro tem algo a dizer não apenas sobre si, mas sobre mim mesmo”. E Habermas (A Inclusão do Outro) insiste sobre o desafio atual de construir sociedades democráticas com base em povos heterogêneos, seja do ponto de vista histórico e territorial, seja do ponto de vista linguístico e cultural. Lévinas e Touraine (respectivamente Totalidade e Infinito e Poderemos viver juntos?), por sua vez, sublinham que o próprio encontro comigo mesmo passa, necessariamente, pela relação com o outro e com Deus, numa circularidade dinâmica e dialética.
Vale concluir com a frase evangélica de que “Jesus falava como quem tem autoridade”. De onde lhe vinha semelhante autoridade? Certamente não dos diplomas, dos títulos ou de uma posição de hierarquia. Vinha da sintonia entre a intimidade com o pai, por uma parte e, por outra, amor, da misericórdia e da compaixão para com os pobres, indefesos, doentes, fracos, débeis, e assim por diante. Sendo a ponte entre a montanha e a rua, seu coração torna-se a casa dos sem teto, sem rumo e sem pátria.