O Próximo
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
O conceito de “próximo” na tradição judaico-cristã – Antigo Testamento e Novo Testamento – está fortemente marcado pela condição do necessitado. O povo hebreu escravo no Egito, os camponeses sobrecarregados de impostos no tempo da monarquia e dos profetas, os exilados na Babilônia, enfim, os oprimidos em geral são exemplos que ilustram essa concepção. Dois aspectos podem ser destacados. Primeiro, os quatro verbos na primeira pessoa do singular, atribuídos a Javé no Livro do Êxodo, “eu vi a aflição do meu povo, eu ouvi seu clamor, eu conheço seu sofrimento e eu desci para libertá-lo”, representam a experiência fundante de um Deus que está atento, é sensível e solidário, com aqueles que sofrem, caminhando com eles ao longo de sua história (Ex 3,7-10; Dt 26,5-10). Em segundo lugar, o profetismo em Israel sublinha essa mesma preocupação de Deus para com os marginalizados e excluídos. Três expressões acompanham geralmente os aforismos e sentenças proféticos: de início, “lembra-te”, que foste escravo no Egito, como podes agora escravizar teus próprios irmãos; em seguida, “o direito e a justiça” que vocês não podem esquecer, termos que também aparecem com frequência nos livros sapienciais; enfim, o binômio “denúncia e anúncio”, que, por um lado, desvenda mecanismos de opressão e, por outro, aponta o sonho da Jerusalém Celeste (Is 65, 17ss). De outro lado, nas páginas veterotestamentárias desfila com frequência a trilogia “do órfão, da viúva e do estrangeiro”. Numa palavra, o termo “próximo” define aquele que, pelas mais diversas circunstâncias, tem sua vida ameaçada e que, por isso mesmo, passa a ter como porta-vozes os enviados de Deus: os profetas, os juízes, e assim por diante. Sua confiança se desloca para Deus e seus representantes. Na trajetória histórica de Jesus não é diferente. Próximo equivale ao pobre evangélico: alguém que nada mais espera da sociedade, do mundo, dos homens, da política ou da história e que, em tais condições de abandono, apela para o poder e a misericórdia de Deus. Devida à precariedade de sua vida, o próximo ou pobre, abre-se à irrupção de Deus na história. Está predisposto a aderir com maior facilidade às transformações socioeconômicas ou político-culturais. Diferentemente de quem nasce em berço de ouro e que normalmente rejeita a idéia de mudança, o próximo ou pobre tende a ver nela novas oportunidades de vida. Enquanto um é avesso às transformações, o outro muitas vezes as anseia. Para o rico, o soberbo, o orgulhoso ou o auto-suficiente, o tempo deve permanecer fechado. A tese de Francis Fukuyama sobre “o fim da história” representa bem esse mundo cerrado ao futuro. Inversamente, para o indefeso e o fraco, que só vê salvação em Deus, a história é um terreno sempre aberto a novas semeaduras, novos plantios e novas colheitas. A esperança encontra-se num futuro a ser permanentemente recriado. “A criação inteira geme e sofre de dores de parto”, escreverá o apóstolo Paulo aos cristãos de Roma (Rm 8,18-25). Nos relatos dos quatro evangelistas, desfilam vários rostos concretos que encarnam o próximo e o pobre. Basta consultar, entre tantos episódios, as célebres páginas do Juízo Final, das Bem-aventuranças, do Programa de Jesus (respectivamente em Mt 25,31-46; Mt 5,1-12; Lc 4,16-20). Mas é no episódio do Bom Samaritano que transparece de forma mais explicita a questão do próximo. A discussão sobre o maior mandamento leva à pergunta do doutor da lei, sobre “quem é meu próximo?”, a qual orientará a parábola de Jesus. Comentando o episódio, Edward Schillebeeckx diz que “Lucas inverte a noção de próximo: o próximo não é tanto o objeto da ação; para o outro, o ser próximo e auxiliador é o próprio sujeito que age. A relação entre “próximos” nasce apenas quando alguém ajuda e auxilia outro alguém, quando se aproxima do outro. Caridade cristã é isso: realiza-se aproximando-se de alguém, fazendo-lhe o bem, estabelecendo contato, comunicação benfazeja, criando amizade” (SCHILLEBEECKX, E. Jesus história de um vivente, Ed. Paulus, São Paulo, 2008, pág. 247). E o autor insiste em que “felicidade e futuro eram prometidos a quem já não tinha mais esperança no futuro”. Em outras palavras, a condição para haver “próximo” é que alguém se desinstale, saia de si mesmo, e vá ao encontro de quem se encontra necessitado. A noção de “próximo” só existe diante de uma situação concreta de ameaça, a qual cria a possibilidade de estender a mão ao indefeso, doente, frágil, pobre, excluído. Não se trata, portanto, de uma atitude passiva de alguém que espera ajuda, e sim de um protagonismo ativo que interrompe seus afazeres e sua viagem para acolher e defender aquele “que está caído à beira da estrada”. Entre o sacerdote, o levita e o samaritano da parábola, “quem foi o próximo?” – pergunta Jesus. “Aquele que usou de misericórdia para com ele” – responde o interlocutor. Ou seja, aquele foi capaz de desviar-se de sua rota diária e colocar seu tempo e seu dinheiro a serviço do necessitado. Próximo é aquele que se antecipa, que toma posição diante dos fatos, e não aquele que aguarda ser atendido. O conceito de proximidade implica uma postura de ir ao encontro. Numa perspectiva scalabriniana, “próximo” não é o imigrante, o refugiado, o marítimo, o exilado, o deportado ou o itinerante. Próximos são aqueles que se aproximam desses rostos para defender seus direitos básicos e apontar-lhes a possibilidade de uma pátria sem fronteiras, de uma cidadania universal. Podemos concluir dizendo que J. B. Scalabrini é o protótipo do “próximo” para o migrante caído à beira da estrada, da vida e da história.
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ago 12, 2010 @ 09:40:09
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Tatiana Capille Salles
ago 14, 2010 @ 11:11:14
Levo uma frase comigo, nas ações e no coração :
” Fazer o bem , sem olhar à quem “
rita santiago de oliveira cruz
ago 17, 2010 @ 17:40:05
Texto interessante e esclarecedor. A dimensão da palavra próximo , aqui esplanada e fantástica. Parabens ao padre