Acolhida
Pe. Alfredo J. Gonçalves
O tema da acolhida comporta sempre dois lados: acolher e ser acolhido. Somente será capaz de acolher aquele que se sente acolhido. E ao contrário, todo rechaço é simultaneamente causa e efeito de uma atitude de rejeição. Esta tem necessariamente mão dupla. A recusa do diálogo e da escuta, no fundo, costuma ser recíproca. Isso vale tanto para os laços humanos (relações horizontais) quanto para a intimidade com Deus (relações verticais), embora nesta última, como veremos, a reciprocidade do autofechamento tem aparência enganosa.
No primeiro caso, em que se tomam em conta as relações entre os seres humanos, o isolamento e a recusa raramente são unilaterais. Um olhar que se desvia de outro, um coração que não encontra repouso em sua própria casa, uma alma que experimenta a solidão entre os companheiros – tudo isso representa, em geral, um ambiente fechado sobre si mesmo. O olhar, o coração e a alma captam e destilam, ao mesmo tempo, um oxigênio hostil no interior de uma atmosfera pesada. Um veneno indefinido e irrespirável asfixia e sufoca: contamina não um ou outro lado, mas a possibilidade mesma de comunicação.
Engendra-se um constrangimento mútuo e mutuamente pernicioso e progressivo. Em lugar de pontes que unem, levantam-se muros obstáculos a uma relação sadia. Fronteiras visíveis ou invisíveis demarcam campos opostos e incomunicáveis. Uma espécie de vírus discriminatório instala-se nas palavras e nos silêncios, tornando todo o organismo cerrado ao diálogo comunicativo. É o contrário da “teoria do agir comunicacional”, estudo do filósofo alemão Jürgen Habermas! Com o tempo, esgarça-se a coesão do tecido social e cria-se um individualismo exacerbado e atomizado, onde as partículas tendem a girar em torno do “eu” como átomo central. Desfaz-se a comunidade e cada indivíduo volta-se sobre o próprio umbigo, defendendo seus interesses particulares.
No caso do processo de intimidade com Deus, talvez inadequadamente chamada de “relação vertical”, as coisas ocorrem da mesma forma, não obstante os matizes distintos. A pessoa que, na busca sincera e incessante do divino, não estiver disposta a abrir-se ao desconhecido, encontrará um ser oculto e ausente, longínquo e indiferente. Não que Deus seja estranho ao destino humano e à trajetória da humanidade. Mas aquele que, de um lado, se fecha à sua graça e revelação, ou, de outro lado, tenta manipular e instrumentalizar sua presença, também experimentará o estranhamento. Tropeça inevitavelmente com o silêncio opaco e misterioso do Transcendente.
Como lembra o Livro do Apocalipse, Ele “está à porta e bate”, porém, jamais violará a liberdade humana. Se a pessoa não se dispõe a abrir a porta e o coração, o encontro está definitivamente fracassado. Se, ao invés, a porta se abre, o que só pode ocorrer a partir de dentro, “entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). A recusa do ser humano traz como resultado a sensação de que Deus também o recusou. Deixou-o órfão, perdido e só, abandonando-o à própria sorte. Neste caso, apesar da aparência de bilateralidade, o rechaço é francamente unilateral. Ou seja, o encontro e o diálogo se tornam inviáveis porque o ser humano teme as conseqüências de uma abertura ao mistério, que sempre interpela, questiona e desinstala.
A esta altura surge mais claramente o entrelaçamento entre as relações horizontais e as relações verticais. Verifica-se aqui uma nova forma de reciprocidade. A acolhida ao outro pavimenta o caminho para o encontro com o totalmente Outro. De igual maneira, o aprofundamento da intimidade com Deus amplia a disposição para acolher o estrangeiro, independentemente de sua origem, raça, língua ou nação. Dito de outra forma, o diálogo com o diferente desvenda horizontes para enriquecer a relação com o Transcendente. Este processo de crescimento espiritual, por outro lado, franqueia a porta para os que chegam de fora e de longe. Nasce um círculo virtuoso: a acolhida ao outro e a abertura a Deus constituem duas faces da mesma moeda. Em outras palavras, o caminho para o Pai passa necessariamente pelo irmão, e vice-versa, o encontro com o estranho e diferente exige a intimidade com o Transcendente.
Por outro lado, a negação a Deus e ao outro são igualmente recíprocas. Fechar a porta ao estrangeiro é fechá-la do próprio Deus. E inversamente, fugir à face do Transcendente é esquivar-se do confronto com o diferente. Como dizia Anna Fumagalli no II Seminário sobre Teologia, Migração e Missão, Deus abandona a pátria celeste e nos visita na pátria terrestre, para a abrir a todos a porta do Reino dos Céus. Aqui, encontra-se resumida toda a teologia e espiritualidade da encarnação: Sendo de condição divina, Ele não se apega ciosamente a esse privilégio (processo de Kenosis, no hino da Carta aos Filipenses – Fl 2,6-11), desce ao terreno da história, arma sua tenda entre nós, para nos elevar. Faz-se forasteiro nos embates da humanidade para nos tornar irmãos. Forasteiro e hóspede que, no episódio dos discípulos de Emaús, por exemplo, se converte em anfitrião. À mesa, oferece pão e salvação (Lc 24,13-35)!
Mais que isso! Na linha do filósofo francês Emmanuel Lévinas, o processo de busca e de construção da própria identidade requer o confronto com o outro em seu duplo sentido, humano e divino. Ou então, na assertiva de Hans-Georg Gadamer, “o outro tem algo a dizer não só sobre si mesmo, mas sobre mim” (Verdade e Método). Trata-se, em síntese, de uma relação que cresce em sentido dialeticamente tríplice: a descoberta do eu, do outro e de Deus tem implicações mútuas e simultâneas.
Amplia-se, assim, a idéia de que acolher é esperar o outro, recebê-lo bem. Aqui estamos a meio caminho do conceito de acolhida. Esta, além de exigir boa recepção, comporta um “ir ao encontro”. Também neste aspecto acolhida tem mão dupla: abrir a porta e o coração a quem chega, por um lado, e, por outro, pôr-se a caminho e estender os braços a quem está distante, fora, marginalizado, excluído, sem pão e sem pátria.