Às vésperas do natal

“O que fostes ver no deserto,

um caniço agitado pelo vento?” (Lc 724b)

 Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

A metáfora do “caniço agitado pelo vento” se presta como uma luva para os dias que correm. De fato, um simples olhar às ruas, praças e corredores dos shoppings centers é suficiente notar como parecemos “caniços” agitados pelos ventos do marketing, da propaganda e da publicidade.

Um exemplo apenas um: lançado novo produto, shampoo dois em um, que “acaba com a caspa e, ao mesmo tempo, hidrata os cabelos”. Apelo comercial: “você não pode viver sem ele!”. A insistência no apelo e a obsessão em apregoar as qualidades do produto revelam exatamente o contrário: você pode, sim, viver sem ele! A ânsia mercadológica mascara a mensagem, fala pelas entrelinhas, nega-se a si mesma. A propaganda estridente sinaliza para o vazio e a inutilidade do objeto. Por outro lado, o apelo dirige-se ao desejo de posse daquilo que está exposto na vitrine, envernizado por luzes e enfeites. Desejável, porque simultaneamente próximo e distante. Mas o desejo de posse se desfaz no exato momento da compra. Esta, ao tornar seu o que parecia um sonho impossível, dilui automaticamente o desejo. A magia derrete-se com a própria aquisição. Mas faz nascer outros impulsos ou paixões, e assim por diante…

O mercado nutre-se dessa fome e dessa sede insaciáveis de comprar, ter, exibir, aparentar, inovar, competir. Fome e sede de novidades que, constantemente, morrem com a posse e renasce com novos desejos frente a produtos inéditos, ou simplesmente reciclados. Basta uma mudança no rótulo, na cor, no formato, nos ingredientes ou na embalagem, para que o velho se torne novo. Instala-se o círculo fechado e vicioso do “produzir e consumir”, no ritmo da matemática, tão veloz e alucinado que não deixa lugar nem tempo à reflexão. O anseio da compra substitui a pergunta pela necessidade. Com razão, Marx referia-se ao “fetiche da mercadoria”.

Numa outra metáfora, a cidade às vésperas dos festejos natalinos, mais parece um imenso espetáculo de marionetes controlado pela gigantesca “mão invisível” do sistema capitalista, para usar a expressão de Adam Smith. Nesse palco de milhões de atores/consumidores embriagados, a poderosa mão transforma seus dedos em tentáculos que chegam aos quatro cantos do planeta, ou às mais íntimas dimensões do ser humano, tais como as relações de afeto, de família, de amizade… Penetra até no sacrário do que existe de mais sagrado.

A cidade vira um formigueiro humano, para terminar com uma terceira metáfora. Torrentes de pessoas se movem nos centros comerciais, num vaivém permanente, deslocamento centrípeto e centrífugo, onde não faltam gritos, promoções, cifrões, pechinchas, pacotes, empurrões… Mas, em meio a tudo isso, a alegria inebriante de diluir-se nessa multidão viva e ansiosa por novidades. Evidente que o cidadão tem o direito de adquirir aquilo para o que tanto trabalhou e com o que tanto sonhou. O conforto não pode ser privilégio de poucos. Graças a Deus, muitos brasileiros hoje podem ter acesso a produtos que antes estavam longe de seu bolso. Mas fica o alerta contra a embriaguez que nos torna “caniços, marionetes”, uma espécie de seres com opinião invertebrada, que o poder do marketing facilmente manipula e explora. Vale, pois, a advertência de Jesus narrada pelo evangelista Lucas. “O que fostes ver no deserto?”

provinciasaopaulo.com

2 Comentários

  1. Mercia Maria Almeida Neves
    dez 20, 2010 @ 01:16:44

    Bem, verdade é que estamos a ponto de subtrair a nós mesmos em busca dessa tal felicidade, onde só quem pode,é quem tem mais.Os sofrimentos,as angústias,as solidões também geradas nessa época do ano, são poucos citados, o que ocorre é que esquecemos de nos nutrir com a Palavra que vem do Altissímo, que tão humilde nasceu numa Manjedoura e morreu numa Cruz, Cruz de madeira, de Calvário e não de ouro ou de prata,Jesus é pura paixão,é pura compaixão,é puro amor.
    Sempre criou em minha pessoa estas indagações, porquê, porquê, porquê, desde criança, não tenho respostas que me tragam satisfação. Ficava quietinha, fingia dormir, enquanto meu pai, fazia de tudo para quê não descobrissémos que o Papai Noel nunca existiu,levantava cedo e fazia as estrupulias para nos alegrar satifazendo como podia, nossos pedidos nas cartinhas, eu, pequenina via …
    o Natal, a festa do Menino Jesus, é motivo também de tantos sofrimentos, não era para ser assim, que os produtos,àqueles que talvez sejam comprados em shoppings,ou shampoos trocados as embalagens, também não podem ser…a angústia de saber que inúmeros “irmãos” estão deitados em marquises, que talvez nunca troquem presentes, que nada tem para comer, nesse mesmo dia e momento, em que as mesas encontram-se fartas, enfeitadas, é pertubador. É uma controvérsia de tudo que é belo,é constrangedor…
    Não consigo me realizar no Natal,nem mesmo imitar meu pai, peço a Deus pelos meus…

  2. Mariana, Doris e Antonio
    dez 20, 2010 @ 11:20:53

    Padre Júlio!
    Neste clima natalino queremos desejar-lhe Que Deus o proteja sempre; dando muita força, fé e esperança em sua caminhada.
    O senhor é muito importante para nós e só temos agradecer de termos um Sacerdote tão especial, querido, admirado e que tem o dom e a sabedoria de transmitir as palavras e as mensagens de Deus!
    Esperamos que o senhor fique bem, estimamos sua plena recuperação e jamais deixe se abater!
    Escrevo em meu nome e em nome dos meus pais!
    Fique com Deus!
    Mariana, Dóris, Antonio
    20/12/2010