Defesa da família, homossexuais e novo ecumenismo
Jung Mo Sung
Nas décadas de 1970 a 90, surgiu na América Latina um tipo de ecumenismo bem prático entre pessoas e grupos diversas igrejas cristãs. Não um “diálogo” oficial entre os representantes das igrejas em torno de questões teológicas ou litúrgicas, mas uma “aliança” em torno de opção pelos pobres e luta pela justiça social e direitos humanos. Era tempo de ditaduras militares, com um capitalismo selvagem, explorador dos trabalhadores e das riquezas nacionais.
Tive a felicidade de ter vivido esse momento tão rico de experiências e aprendizagem. Como estudante católico em uma faculdade de teologia católica, estudei com professores protestantes com quem eu me identificava muito mais do que alguns professores católicos de linha teológica mais intra-esclesiástica e pouco profética. Nos diversos trabalhos junto às comunidades mais pobres e pelos direitos humanos, fui companheiro e fiz muitas amizades com protestantes de mais variadas denominações. Foi um tempo de um ecumenismo fecundo porque tínhamos um objetivo comum que ia além e era mais importante do que diferenças denominacionais ou teológicas.
Estou recordando essas coisas porque vejo surgir no meio de nós uma nova aliança entre setores católicos, protestantes e evangélicos. A concorrência entre as denominações cristãs para ver quem conquista mais fiéis e qual é a verdadeira Igreja de Cristo não pode nos “cegar” para o fato do surgimento de uma aliança prática em torno da “defesa da família”. É claro que nenhuma das diversas partes assume esta aliança como uma prática ecumênica, nem que há uma aliança. Pois isso seria ir contra o discurso que tem norteado a identidade de cada Igreja: “nós somos a única e verdadeira Igreja de Cristo”, as outras seriam falsas ou meras “comunidades eclesiais”, mas não igrejas.
Na verdade, a base da aliança não é a defesa da família em um sentido abstrato, mas a defesa da família contra o que eles vêem como a ameaça homossexual. Na década de 1960, setores conservadores da sociedade e das igrejas se juntarem pela defesa da família contra a ameaça comunista. Agora que não há mais esta ameaça, esses mesmos setores estão se aliando contra a ameaça homossexual.
A reação da hierarquia da Igreja Católica e das principais lideranças das Igrejas protestantes e evangélicas contra a lei da união civil entre homoafetivos e agora a mobilização contra a PL 122, projeto que criminaliza a homofobia, mostram surgimento desta aliança. Não estou dizendo que teria havido reuniões ou algo assim para selar essa aliança, mas a convergência de interesses e de visões teológico-pastorais levou a essa aliança de fato com igrejas que consideram adversárias ou inimigas da fé.
Tanto o ecumenismo em torno da opção pelos pobres, quanto esse “ecumenismo” ou aliança em torno da defesa da família contra a ameaça homossexual mostram que os diálogos, alianças ou cooperações se dão, de fato, não em torno de doutrinas teológicas, mas por conta de objetivos maiores ou inimigos comuns. E estes objetivos e/ou inimigos não são definidos a partir da doutrina, mas sim de opções éticas de fundo que determinam ou condicionam a cosmovisão que realmente conta na vida prática.
Se olharmos com cuidado, não há muita diferença entre esses grupos católicos e evangélicos que estão se levantando contra homossexuais em nome da família. Apesar de se tratarem como opostos, no fundo, compartilham das mesmas visões e opções éticas. Não dialogam, mas lutam juntos.
Isso me faz lembrar uma freira idosa que conheci no I Fórum Mundial de Teologia e Libertação. Ela trabalha com mulheres prostitutas e em situações de extrema vulnerabilidade em Filipinas e na discussão do grupo, disse algo assim: “não acredito mais em diálogo inter-religioso, pois estas pessoas dialogam, dialogam e depois de um tempo não voltam mais, agora preferimos o termo co-operação religiosa. Quem quiser vir para trabalharmos juntos por essas mulheres, venham! Na luta, cada pessoa contribui com o que há de bom na sua religião para mudar a situação.”