Sem descer ao inferno é muito difícil subir ao céu
César Augusto Rocha
Geralmente quando se fala em espiritualidade vislumbramos de imediato os grandes ideais que devemos alcançar, as realidades celestiais, enfim, “as coisas do alto”, frase que se tornou o mais novo “chavão” da Igreja nesses últimos anos. “Buscai as coisas do alto!” De fato, precisamos almejar as “coisas do alto” mas numa perspectiva que é pouco lembrada. Não podemos nessa busca cega e desenfreada pelas graças celestiais, esquecer-nos de nossa própria realidade, das misérias e injustiças ao nosso redor, das desigualdades sociais que oprimem e marginalizam centenas e milhares de irmãos e irmãs por esse Brasil afora, enfim, das situações de morte que estão dentro de nós e ao nosso lado enquanto olhamos piedosamente para a esplendorosa e transfigurante visão do alto, como àquela do Monte Tabor.
A santidade, vocação primeira do ser humano, é o encontro do homem com a sua própria humanidade, com suas próprias fraquezas e fragilidades. Se quisermos conhecer a Deus, devemos principiar com o conhecimento de nós mesmos. Quanto mais humanos formos em nossas relações, mais santos seremos. Sem o autoconhecimento corremos sempre o risco de nossos pensamentos acerca de Deus serem meras projeções. Esse mergulho dentro de nós mesmos nos tornará aptos e capazes de ir ao encontro do outro e sentir suas necessidades e aflições. Ser santo, portanto, não consiste em limitar a fé ao cumprimento de enfadonhas práticas religiosas, na aceitação passiva de uma “vontade de” de Deus derivada de uma concepção mágica e que dá margem à explorações, marginalizações e opressões por parte dos “senhores do poder”. Como escreve Thomas Merton, no livro Le Nouvel Homme, se nosso cristianismo não passar de um conjunto de práticas exteriores destinadas a dissimular os compromissos com a fraqueza e a hipocrisia do mundo, nós não corresponderemos à missão da manifestação da natureza escondida de Deus em nossas vidas.
Precisamos descer aos vales sombrios e obscuros da sociedade, onde estão os pobres e miseráveis; aqueles que são, muitas vezes, “invisíveis” aos nossos olhos porque perdemos a capacidade de sentir com-paixão e empatia do sofrimento alheio. Estamos tão envolvidos com um cristianismo de faz de conta, superficial e ritualístico, que nos esquecemos do essencial de nossa fé: VER JESUS CRISTO NO ROSTO SOFRIDO DOS IRMÃOS. As Igrejas, de um modo geral, precisam incorporar esse discurso em sua práxis cotidiana, sem medo das pressões e perseguições inevitáveis, sem receio de ferir ou incomodar os que colaboram para a edificação do Anti-Reino, sem censuras ou dissimulações. Os movimentos e pastorais, respeitando evidentemente a identidade e a mística de cada um, precisam assumir concretamente uma postura mais ousada e corajosa diante dos desafios e das realidades gritantes deste mundo em constantes mudanças. Reuniões e discursos, louvores e orações desconectadas da vida, assembleias e encontros que muitas vezes são infrutíferos são apenas alguns elementos que precisam ser repensados e reconceituados para que tenhamos uma Igreja mais fiel ao projeto de Jesus Cristo. Toda a vida, morte e ressurreição de Jesus foram consequências de sua ação profética e do seu testemunho, ambos de uma radicalidade sem precedentes. Nessa trajetória em defesa da justiça e dos pobres, o nazareno se bate com as forças conservadoras da época, representando tanto o poder judaico quanto o império romano.
A nossa oração precisa estar encarnada na História, esta História que Jesus assumiu quando tomou a natureza humana. Ele não fugiu, pois, da História para encontrar o Pai. Antes, a transformou como o caminho para o Pai. Como podemos viver de braços cruzados participando passivamente de nossas missas dominicais e deitados em berços de ouro quando milhares de jovens são exterminados pelas drogas e pela violência? Quando professores da rede pública são silenciados pela violência e pela covardia nos corredores daquela que deveria ser a “casa do povo” – Assembleia Legislativa? Quando a corrupção se alastra em todos os setores da sociedade e os clamores da fome e da miséria vergonhosa povoam a nossa alma? A vida é constantemente ameaçada pela intrepidez e a ganância de uns poucos que se aproveitam de nosso silêncio absurdo.
Que Deus nos dê a coragem de caminhar pelas sendas escuras de nossa fé; nos arranque de nós mesmos e nos faça viver um verdadeiro cristianismo.
estela campos
out 12, 2011 @ 14:29:23
padre Julio gostei de ver a vida de JOAO XXIII MAS NAO VI TUDO GOSTARIA DE VER NOVAMENTE OBRIGADO , e um pouco logo e nao pode ver tudo (cuido da minha mae)
joão
out 29, 2011 @ 09:33:56
Muito boa mesmo sua reflexão, porém no Evangelho de Lucas Jesus adverte: …”há um grande abismo entre os dois. Os que aqui estão não podem se passar para ai, e os que ai estão não podem se passar para aqui”….(O rico e Lázaro – Evangelho de Lucas 16: 19-31) imagino que Jesus quis dizer que quem descer ao inferno não sairá de lá, logo não subirá ao céu…