José Comblin e Paulo Freire
Eduardo Hoornaert
Como os tempos correm rápidos está na hora de se recuperar a memória de pessoas que renovaram significativamente o pensamento no Brasil nos últimos cinqüenta anos. Muitas delas não são mais conhecidas pela juventude emergente, o que é uma pena. Pois, como escreve Bertold Brecht, ‘quem desconhece sua história está condenado a repeti-la’.
Enfoco aqui duas figuras que atuaram em áreas aparentemente muito diversas: José Comblin, o teólogo, e Paulo Freire, o educador. Quem observa as coisas de mais perto percebe que a distância entre ambos é apenas aparente. Na realidade, ambos são eminentes educadores. Todos repetem que a educação é o grande problema do Brasil, mas poucos dizem o que entendem por educação. Todos dizem que a educação escolar não corresponde aos desafios da vida atual, mas poucos dizem com clareza como remediar a essa situação. É aqui que entra Paulo Freire. Ele diz com toda clareza: a educação tem de partir de ‘temas geradores’. As situações vividas no dia-a-dia geram a reflexão e desse modo originam a educação. Quem nasceu e se criou numa casa de taipa reflete o que isso significa na sociedade em que vivemos, e o mesmo se dá com quem se criou num apartamento de luxo. Em outras palavras, a casa (o apartamento), a rua, o bairro, o trabalho, o dinheiro, o corpo, o sexo, a festa, etc. são temas geradores de educação. Da realidade se chega à reflexão, que por sua vez gera a ação. Logo se vê que o método Paulo Freire combina bem com o método Cardijn, o sacerdote belga fundador da Juventude Operária Católica (JOC) nos anos 1940, que criou um método de formação de jovens operários(as) baseado no lema ‘ver, julgar, agir’. Cardijn não fala em ‘temas geradores’, mas a intuição é a mesma. Ora, quando José Comblin chega ao Brasil em 1958, ele está imbuído da metodologia de José Cardijn. Ele inicia seu trabalho aqui com a JOC, e depois de muitas peripécias consegue, em 1969, ‘fugir’ do Instituto de Teologia de Recife (ITER) com nove seminaristas dispostos a repensar sua vocação sacerdotal em consonância com a realidade do povo rural do Nordeste. É em cima dessa disposição por parte de jovens candidatos ao sacerdócio que Comblin elabora a ‘teologia da enxada’, que significativamente está articulada nos ‘temas geradores’ de Freire: a casa, a comunidade local, a terra, o trabalho, a refeição, o corpo, a festa.
Penso que Comblin pedagogo é mais importante que Comblin teólogo e conselheiro de bispos. A teologia da enxada é um método pedagógico que excede de longe as experiências concretas com seminaristas. Hoje se assemelha ao método Paulo Freire aplicado à formação de agentes de pastoral, como se pode verificar em seis ‘escolas missionárias’, espalhadas por cinco estados nordestinos: Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí. Trata-se de uma experiência que merece ser melhor divulgada, inclusive junto a políticos responsáveis pela educação. Muitos deles (mesmo os da esquerda) não parecem perceber a relevância do método na educação e pensam que basta conseguir verbas para as instituições educacionais existentes. Seria bom se eles se aprofundassem na metodologia exemplarmente praticada por figuras como José Cardijn, Paulo Freire e José Comblin (poderíamos acrescentar aqui Ivan Illich, mas isso nos levaria longe).
De qualquer modo, Comblin figura ao lado de Paulo Freire como expressão de uma pedagogia nova na América Latina, surgida na década de 1960. Sua pedagogia é relevante para a sociedade como um todo, não só para a igreja. Ela é revolucionária no sentido que está baseada no ‘amor desordenado’, ou seja, num amor pelas pessoas que desordena a sociedade estabelecida, baseada na injustiça. Como escreve José Comblin numa sequência de três frases lapidares: o amor não fundamenta a ordem, mas a desordem. O amor quebra toda a estrutura da ordem. O amor fundamenta a liberdade e, por conseguinte, a desordem.
carlos Alberto Beatriz
nov 02, 2011 @ 22:21:18
Padre Comblin. Seu legado é permanente. Continua ensinando.
Carlos