Advento: tempo de mobilização
José Lisboa Moreira de Oliveira
Dentro de poucos dias estaremos vivendo mais um período litúrgico do Advento, tempo no qual algumas Igrejas cristãs se preparam para a celebração do nascimento de Jesus. Talvez o que ainda não esteja tão claro é que, tanto no seu significado etimológico como no sentido litúrgico, o Advento pede mobilização por parte das pessoas. O prefixo “Ad” que está no início da palavra expressa essa necessidade de ação. Ao consultarmos qualquer gramática vamos perceber que os prefixos são morfemas colocados antes dos radicais com a finalidade básica de modificar-lhes o sentido. O morfema é a menor unidade gramatical que se pode identificar numa língua. Ele é sumamente importante na definição do sentido exato de uma palavra.
Assim sendo, tanto do ponto de vista teológico como do ponto de vista etimológico, o Advento implica um duplo movimento. O primeiro e mais importante é o da aproximação da chegada. Cristo é aquele que está se aproximado, que está chegando. E está chegando como um ladrão: de surpresa, sem hora marcada, causando impacto, roubando a cena e provocando reviravoltas. Para os cristãos e as cristãs esta chegada de improviso exige vigilância e atenção aos sinais dos tempos. Não se pode impor a Jesus uma maneira de chegar; uma maneira que atenda às nossas exigências e que se encaixe nos nossos esquemas pré-montados. Ele chegará sem avisar e quer encontrar todo mundo de pé, vigilante, pronto para acolhê-lo e servi-lo (Lc 12,35-48), especialmente no irmão e na irmã necessitada (Lc 14,15-24).
De consequência, o segundo movimento é o de ir para junto, ir ao encontro daquele que vem. Os cristãos e as cristãs não só devem ficar atentos aos sinais da aproximação de Cristo, mas devem ir ao encontro dele, antecipando de certa forma a sua chegada. Este ir ao encontro de Jesus que vem se traduz em ações concretas em favor de quem neste momento mais precisa de nós: “Vá, e faça a mesma coisa” (Lc 10,37).
Infelizmente estes aspectos não são enfatizados nas liturgias, na catequese e na práxis cristã. De um modo geral os cristãos e as cristãs costumam aguardar acomodados o desenrolar dos fatos. A forma atual de celebrar e de viver a fé é completamente dispersiva. Também as igrejas introduziram em suas celebrações e rezas a barulheira da sociedade atual. Não há mais espaço nas comunidades cristãs para aquele clima de silêncio e de escuta, de modo a se perceber os sinais da presença de Deus, o qual costuma se manifestar de maneiras bem diferentes daquelas que estamos acostumados (Jo 3,8). Além disso, nessas comunidades não existe mais uma reflexão séria, crítica, questionadora, que provoque e desinstale as pessoas. Não há mais catequese, entendida como ação que faz ressoar a Palavra no coração dos crentes. As homilias dos padres, salvo honrosas exceções, não passam de frases soltas e desconexas que a ninguém toca ou incomoda.
Isso é agravado pela presença forte nas comunidades cristãs do pieguismo, da resignação e da crença no destino e na fatalidade. Acredita-se piamente que tudo já está previamente definido por Deus e não há mais nada a fazer, a não ser aceitar passivamente o que acontece. As idas às igrejas visam apenas vantagens pessoais e egoístas e não encontrar estímulo para mudar o que Deus quer que nós mudemos. As pessoas querem apenas receber um pouco de água benta na cabeça para se sentirem aliviadas. Elas não querem se envolver com os outros e com os problemas da sociedade. Cada um que se vire para viver e se livrar de situações complicadas. A experiência da fé foi totalmente privatizada.
Nestes dias fiquei surpreso ao descobrir que aqui em Brasília algumas igrejas evangélicas estão introduzindo o “drive thru” em suas celebrações. Como as pessoas não têm mais tempo para ir aos templos, os pastores estão criando “drive in” em suas igrejas para, no domingo, receber os “clientes” que estão indo almoçar. Antes de seguirem para os restaurantes as pessoas passam pela igreja, o pastor lê um trecho bíblico, fala meia dúzia de palavras bobas, passa a sacolinha, dá uma bênção e o pessoal segue adiante. Tudo isso muito rápido, sem que ninguém precise sair do carro. A santa ceia está se tornando um “fast food”! Não vai demorar e a Igreja Católica estará adotando a prática. Afinal de contas virou moda os católicos imitarem os evangélicos. Como não há mais criatividade parte-se para o comportamento mimético. Hoje o mais importante não é criar, mas imitar.
Se estivermos atentos aos textos bíblicos, lidos e meditados durante o período do Advento, vamos perceber que a liturgia nos convida a agir de forma diferente. Neles é muito claro o convite a prestar atenção aos sinais e a sair do comodismo para ir ao encontro do Senhor que está chegando e, muitas vezes, chegando na pessoa necessitada. Os personagens bíblicos (Profetas, Maria, Zacarias, Ana mãe de Samuel, José, Isabel, João Batista), apresentados como paradigmas da espera ativa, deveriam nos incomodar e nos desinstalar. Eles são modelos de pessoas que não ficaram acomodadas, esperando que Deus resolvesse os seus problemas e os problemas dos outros. Basta lembrar Maria se deslocando através das montanhas da Judéia para ir ao encontro de Isabel. Ou recordar o carpinteiro José, que pensa em profundidade e se questiona sobre o que está acontecendo com sua noiva. Ao ter certeza do que estava acontecendo, levou Maria para a sua casa e assumiu a paternidade de um filho que não era seu (Mt 1,24-25).
Não há, pois, como viver intensamente o Advento se não nos mobilizarmos, se não nos sintonizarmos com os sinais dos tempos e não buscarmos antecipar as soluções para tantos problemas com os quais convivemos no momento atual. Sobre o mundo paira a inquietação. O ano de 2011 está para se concluir com um saldo muito grande de acontecimentos preocupantes. Desde a “primavera árabe” até as recentes manifestações contra a corrupção e contra o colapso econômico mundial há sede de democracia, de justiça, de igualdade, de fraternidade e de paz.
Aqueles e aquelas que pretendem celebrar o Advento fechados em seu mundinho ou dentro das quatro paredes de um templo estão distorcendo o verdadeiro significado deste tempo litúrgico. Cristo não vem para distribuir “kits de salvação” ou para ficar escutando rezas barulhentas, no estilo dos profetas de Baal (1Rs 18,25-29). Vem nos convocar para um engajamento sério, para um compromisso com a transformação do mundo. “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). A verdadeira celebração do Advento se dá fora dos templos, nas ruas e praças de nossas cidades. Deve acontecer debaixo dos viadutos ou num cantinho deste país onde um “sem-terra” ou um indígena luta para ter seu pedaço de chão.