Vida religiosa consagrada, aposentadoria precoce
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
A crise da Vida Religiosa Consagrada (VRC) vem ganhando espaço crescente tanto em cursos, encontros e seminários, quanto nas publicações especializadas. Normalmente o acento das análises recai sobre a falta de vocações, por uma parte, e a falta de testemunho dos religiosos/as, por outra. Isso sem esquecer o contexto mais amplo da sociedade moderna ou pós-moderna.
Talvez seja conveniente acrescentar um terceiro fator, que podemos batizar de “aposentadoria precoce” com respeito à missionariedade. Religiosos e religiosas, em geral, iniciam sua vida consagrada com grande vigor e entusiasmo. Dedicam-se à missão com asas nos pés e fogo no coração. Mas essa paixão inicial parece ter prazo de validade. Pode rapidamente enfraquecer, definhar e se apagar. A que se deve semelhante desencanto?
Duas razões me parecem preponderantes. De início, o abandono do “primeiro amor” (Ap 2,4). A rotina da oração mecânica, ou a carência pura e simples da intimidade com Deus, desestimula o ardor missionário. A chama se esfria e se extingue. Quanto mais longe de Deus, mais o religioso/a se distanciará do desafio da evangelização. “Já estou chegando e batendo à porta: quem ouvir minha voz e abrir, eu entro em sua casa e janto com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). Sem a freqüência dessa refeição, as energias não se renovam. A missão pressupõe a oração, a meditação e a contemplação.
A segunda razão do desencanto reside no menosprezo pela vida comunitária. Um grupo que comunga o mesmo carisma, mora debaixo do mesmo teto, come e reza em comum se nutre de força redobrada. A verdadeira vida fraterna não soma valores, multiplica-os. Tal convivência é combustível indispensável para relançar-se ao caminho. O ambiente da casa e da mesa, simbolicamente, constitui uma retaguarda que mantém vivo e ativo o missionário. Sem esse calor humano e familiar, o religioso/a não irá muito longe. As atividades, o fracasso e os reveses da missão acabam por dobrar-lhe os ombros e vergar-lhe as pernas. Breve o desânimo ser-lhe-á o único companheiro.
Esses dois fatores, combinados, conduzem quase que impreterivelmente à aposentadoria precoce. A sede resseca a alma e obscurece o espírito. Um corpo sem alma nem espírito é um corpo sem vida. Pode fazer muitas coisas, calcular, raciocinar, aumentar a produtividade, mas perde o sabor secreto do mistério. Em sua ação missionária, a Boa Nova de Jesus Cristo carecerá de alegria e vibração. Sem essa magia contagiosa, tanto o agente quanto o destinatário se acomodam. Falta-lhes a seiva que rejuvenesce. Facilmente o missionário se converte em administrador ou funcionário de uma estrutura, de uma obra ou de uma organização qualquer. Profissionaliza-se. Desativada a chama, vira prisioneiro da própria gaiola.
Conclui-se que as horas dedicadas à oração e à vida comunitária não constituem um apêndice da missão, mas conditio sine qua non para sua eficácia. Cultivar a intimidade com a pessoa de Jesus, de um lado, e a partilha do pão e da vida com os irmãos, de outro, não é tempo subtraído à missão, mas oportunidade que a qualifica e fortalece. Quem não conhece o caminho da fonte não poderá saciar o sedento, alegrar o triste, levantar o caído, recomeçar a caminhada com o peregrino. Daí a necessidade de manter “os olhos fixos em Jesus” (Hb 12,2) e os pés firmes no solo sólido da comunidade.