Milton Schwantes. Impressões, Aprendizados e Compromissos
Fábio Py Murta Almeida
Era quase final do ano quando Élcio (Sant’Anna) me levou para falar com ele. Lá, em São Paulo – na verdade São Bernardo do Campo. Já, no primeiro papo foi incisivo: – sou Portuguesa, mas vocês flamenguistas são melhores que os corintianos aqui. São urubus, do terreiro, dos ritos afrodescendentes e da bela herança indígena. Seguiu dizendo que a Paróquia que trabalhava em Guarulhos, os alemães duros e rígidos foram dando o lugar para os pobres e os ritos afro. Eles tinham tomado o poder na igreja. Segundo ele, os alemães, até tentaram reverter á situação, mais os “favelados” de Guarulhos souberam articular a liderança. Tornaram a comunidade mais justa.
Essa foi a minha primeira conversa com Milton. É verdade. Era para ser uma orientação para o mestrado, mas ele só falou de poder, politica e hegemonia. No início, fiquei intrigado. E, para terminar, disse, ativamente, que sonhava viver no Rio, na zona Sul do Rio, em Botafogo. Segundo, ele, o único empecilho era sua vista ficava incomodada com a claridade do Rio. Assim, terminara o primeiro encontro.
Foram muitos ao longo do mestrado. Foi me ensinando encontro a encontro, de conversa a conversa, e de aula a aula. Mesmo não sendo fácil ir toda a semana para São Paulo, as aulas do Milton ajudavam. Era como nos encontros das comunidades, onde todos falavam, todos opinavam, ajudavam e produziam. Dessa forma de grão em grão: lendo, estudando e analisando a partir dos encontros semanais, apreendendo a teoria social, crítica e a política. Na mesa junto do nosso objeto de estudo, a Bíblia, e entre os iguais (católicos, protestantes, espiritas e etc.), percebi o dever cristão de politizar-se. Intervir e agir em prol de uma da justiça social. Dessa forma, percebemos em sala de aula que a religiosidade (não importa qual) que nutrimos aqui na América Latina, exige o imperativo da luta pela transformação social. Essa era a dignidade da religião – seu ímpeto ético.
Também, quando, na banca de conclusão, logo que chegou disse em tom profético: “você não é pecador!” – indicando que deveria passar. Entre as muitas sinalizações, pediu para ler (que faço até hoje), os textos de Carlos Heitor Cony. O que lembrou no último encontro, quando junto com a linda Rose, cortando e dando as laranjas para comermos disse (me deixando orgulhoso) que meu estágio com o Cony estava sendo muito proveitoso. E, que sendo assim, não deveria largar os estudos e os textos. Ele me animava diante das dificuldades da profissão docente no Brasil.
Bom, se pudesse dizer, de forma rápida, e corrida, é isso que hoje vem e memória do Milton. Como pastor, sempre esteve atento as necessidade das suas comunidades, atento às questões principalmente das favelas e das roças. Como professor, sempre estava atento aos alunos, mas, mais a forma com que os alunos percebiam a vida, sempre disposto a lutar para conscientização deles. Como intelectual, analisava o passado para entender o presente. Nesse caso, o presente era fonte de reflexão e engajamento, circulando por horas nos setores das classes medias de São Paulo, mas, seu apresso principal era junto os setores populares, isto é, entre organismos como MST e as CEB’s. Sempre analisando, se posicionando e articulando a sistemática da sociedade, sobre olhar direcionado á organicidade desta. Fez-se como Antonio Gramsci teoriza no seu processo revolucionário, um “intelectual orgânico”.
É verdade, acho que perdeu o Rio de Janeiro, que infelizmente, não teve o prazer de ter tido como habitante. Muito menos Botafogo, de ser palco de suas análises, políticas, histórias, teologias e exegeses, que se espalhariam por toda América Latina. Mas, podemos dizer que se ao menos não viveu por aqui, mesmo assim, fomos iluminados por esse pensador, autor e entusiasta. Ora, nos orientando, ora escrevendo textos sobre o cristianismo, exegeses e politica, e ora nos muitos cursos e palestras.
Por fim, Milton Schwantes, agradecemos seu incentivo á compreensão da vida, e a importância sempre de se posicionar nela – mesmo sendo Portuguesa! Agradecemos, por ter nos ensinado que a própria luta e preocupação com o outro é politica. Ela vem da aceitação de que todos nós de fato, somos pecadores, logo, nos deixando aptos no hiperativo de lutar para que nossa sociedade se torne mais justa.
E, agradecemos também, por ter cortado e dado com tanto carinho as laranjas, logo após o almoço. Mas, parece ser um gesto profético, que mostra que além de buscar saciar a fome com comida, a laranja servida deixa um mel, um doce na boca sem igual. Assim, pelo gesto, penso na responsabilidade que nos deixou de não só lutar pela comida a todos, mas também, permitir direito á doçura da vida. Permitindo acesso a suas belezas e encantamentos, como você Milton, foste em nossas vidas!
Enfim, por isso, resta a nós além do dizer que apreendemos e entendemos a vida, assumir compromissos. Responsabilizamos-nos, em nome das nossas mães, pais, filhos e filhas da América Latina a lutar para que um dia, a primavera chegue por aqui. Trazendo sobre nós o novo. Mesmo que a terra não suporte mais nossas palavras, seguiremos na busca de uma nova sociedade marcada pela luta e justiça, só sinalizada com a vitória histórica dos pobres. Milton, Deus conosco!
E, agora… acho que ele tem sorte, por que tem você por perto para descascar suas laranjas. Saudades de tu, professor.