Descompasso perigoso nas democracias latino-americanas
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Na história do processo democrático latinoamericano encontra-se um dado comum e preocupante. Vários países exibem, ao mesmo tempo, um(a) Presidente popular e progressista ao lado de um Parlamento conservador ou retrógrado. Na raiz dessa constante poderíamos encontrar uma explicação no que Maria Isaura Pereira de Queiróz e José de Souza Martins chamam de “messianismo político”. Este muda de grau e de tonalidade, mas em seu conteúdo e forma, repete-se ao longo da trajetória acidentada do continente.
Isso quer dizer que as eleições com frequência revelam uma espécie de esquizofrenia: enquanto a população em geral tende a eleger um “salvador da pátria” na pessoa do mandatário máximo, as oligarquias costuram alianças para formar senadores e deputados que deverão defender seus interesses e/ou privilégios. Em alguns casos a dicotomia é flagrante. Na emoção e expectativa da mudança, o povo concentra sua esperança e suas energias sobre a figura do líder, ao passo que as classes dominantes, calculada e matematicamente, preparam, em surdina ou ao à luz do dia, uma maioria decisiva e decisória.
Semelhante descompasso resulta na cristalização ou congelamento do status quo, em detrimento de um programa de mudanças urgentes e necessárias. A expectativa levantada com a eleição de um “messias” costuma ser infinitamente superior à capacidade de organização dos que o levaram ao poder. A capacidade real de tomar decisões por parte do poder Executivo debate-se com as forças contrárias dos outros dois poderes: Legislativo e Judiciário. O resultado são os constantes entraves, impasses e constrangimentos no interior do exercício democrático, além da prática do “toma lá dá cá” e do tráfico de influências. Evidente que neste clima há terreno fértil para a corrupção e o balcão de negócios.
Não poucas vezes o processo eleitoral expõe de maneira nua e crua essa dicotomia. Por um lado, as pesquisas da mídia e o trabalho do marketing convergem câmeras, holofotes e microfones para a eleição dos cargos majoritários (Prefeito, Governador e Presidente); por outro, nos bastidores ocultos das luzes e cores do cenário político, crescem as candidaturas dos cargos legislativos (vereadores, deputados e senadores). Não se trata apenas de descompasso, mas de um conflito que reflete e traduz um jogo de interesses da própria sociedade. A população centra o olhar no trono mais elevado, mas os representantes dos setores que detêm a riqueza e o poder o centram nas cadeiras da Câmera e do Senado. Sabem que estas, em última instância, é que elaboram as leis. Resta ao soberano, no exercício do mandato, o apelo às Medidas Provisórias, o que contrasta com o a prática genuína da democracia.
Em síntese, o “messias” encarna o governo, mas os parlamentares e juízes dominam as forças do Estado. Este não é um tigre, com suas acrobacias rápidas e flexíveis, e sim um elefante pesado, cuja burocracia requer muito tempo para completar um passo à frente. O Estado tende mais à inércia do que ao movimento. Disso resulta a decepção com presidentes que, supostamente, foram eleitos para efetuarem mudanças rápidas, as quais, de resto, fazem parte do cardápio de suas promessas. Numa palavra, não é o “messias” que põe a história em marcha, nem o paquiderme dos três poderes da união. Como a flor, a espiga e o edifício, as mudanças históricas se levantam do chão.
Talvez isso ajude a entender a trajetória de Lula, de Lugo e de Cristina, respectivamente no Brasil, Paraguai e Argentina. Mas não só