Jubileu de Ouro do Concílio Vaticano II
Padre Sandro Ferreira
Ouçamos “o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2,7)
O ano de 2012 marca o jubileu de ouro do início do Concílio que mudou os rumos da Igreja Católica em todo o mundo. Conhecido como um “sopro do Espírito” e como a “primavera da Igreja”, o Vaticano II provocou diversas e profundas mudanças no âmbito eclesial. Ao comemorarmos os cinquenta anos de sua realização, quais propostas continuam pertinentes à nossa realidade? Haveria chegado o momento de um Vaticano III?
O Concílio Vaticano II realizou-se de 11 de outubro de 1962 a 08 de dezembro de 1965 (dividido em quatro sessões) e reuniu bispos de todo o mundo com o objetivo de “intensificar a vida cristã, atualizando as instituições que podem ser mudadas, favorecendo o que contribui para a união dos fiéis em Cristo e incentivando tudo que os leva a viver na Igreja” (SC, n. 1). Foi convocado pelo Papa João XXIII (1958-1963) e concluído por Paulo VI (1963-1978), sendo considerado por diversos teólogos como o fato religioso mais importante do século XX.
Antes do Concílio, já havia diversos movimentos – litúrgico, bíblico, teológico – que reivindicavam mudanças no cenário eclesial e que, de certa forma, “impulsionaram” a realização do Concílio, pois criaram uma tensão cada vez mais latente na Igreja, de forma que esta precisava responder às novas perguntas que surgiam naquele momento. O Papa João XXIII percebeu que o melhor modo para responder àqueles desafios seria a convocação de um concílio.
Ao todo, durante o Vaticano II foram produzidos dezesseis documentos que abordam os principais temas ligados à evangelização. São quatro constituições: Lúmen Gentium (Igreja), Gaudium et Spes (Igreja e mundo), Dei Verbum (Revelação) e Sacrosanctum Concilium (Liturgia); nove decretos: Inter Mirifica (Meios de comunicação social), Orientalium Ecclesiarum (Igrejas orientais católicas), Unitatis Redintegratio (Ecumenismo), Christus Dominus (Bispos), Perfectae Caritatis (Vida religiosa), Optatam Totius (Formação sacerdotal) Apostolicam Actuositatem (Apostolado leigo), Ad Gentes (Missões) e Presbyterorum Ordinis (Ministério e vida sacerdotal); e três declarações: Gravissimum Educationis (Educação Cristã), Nostra Aetate (Religiões não cristãs) e Dignitatis Humanae (Liberdade religiosa).
Em relação à identidade e às estruturas da Igreja, o texto conciliar mais importante é a constituição dogmática Lumen Gentium (LG), pois marca uma profunda mudança eclesiológica, com consequências para os ministros ordenados e também para os leigos. Algumas ideias-força do Concílio são os seguintes deslocamentos: de uma Igreja mais voltada sobre si para uma Igreja aberta ao mundo (LG, nn. 3, 8, 17); de uma Igreja centrada na hierarquia para uma Igreja Povo de Deus (LG, nn. 2, 10, 32); de uma compreensão universalista para uma Igreja local, pois é nesta que acontece a plena e ativa participação do povo de Deus (LG, nn. 13, 23, 26, 28).
No período pós-conciliar houve reações tanto contrárias quanto favoráveis às conclusões e proposições apresentadas pelos bispos. As reações surgiam pelo fato de que as pessoas, principalmente os ministros ordenados formados antes do Concílio, tinham dificuldades para se adaptar ao novo modo de ser Igreja. Mas, (e não há como negar!) muitos foram os frutos do Vaticano II, pois este fez com que a Igreja se compreendesse e fosse compreendida de modo ministerial, valorizando os carismas e ministérios, nos quais todos os fiéis têm seu valor e importância.
Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, os frutos desse Concílio se manifestaram nos mais diversos âmbitos da vida eclesial: na compreensão da Igreja como povo de Deus, corpo de Cristo e templo do Espírito Santo; na abertura da Igreja aos desafios do mundo atual, partilhando suas alegrias, tristezas e esperanças; na colegialidade dos Bispos; na renovação da liturgia; no conhecimento e na acolhida da Palavra de Deus; no dinamismo missionário e ministerial das comunidades; no diálogo ecumênico e inter-religioso (Mensagem sobre a celebração do 50º aniversário do Vaticano II).
Entretanto, a atualidade eclesial sinaliza certo distanciamento das intuições básicas e dos eixos fundamentais do Vaticano II, expressos, sobretudo, na eclesiologia, na espiritualidade e na volta do clericalismo. Há algumas iniciativas anti-Vaticano II, em que fica acentuada mais uma relação piramidal que ministerial, uma relação de poder e não de serviço.
Por isso, o jubileu de ouro desse Concílio deve ser marcado por dois polos: a) primeiramente, uma olhar retrospectivo, em que se avalie até que ponto as conclusões conciliares foram aplicadas na ação eclesial na atualidade e que luzes são apresentadas para a evangelização contemporânea; b) e um olhar prospectivo, ou seja, a partir do contexto em que estamos, buscar perspectivas para que o aggiornamento (renovação) buscado pelo Concílio realmente aconteça na vida da Igreja. Há muitas coisas que ainda não foram colocadas em prática e que precisam de um novo impulso para se tornar ações concretas.
Entendemos que não seja momento para se pensar em um novo evento (como um Vaticano III, por exemplo), mas que seja momento de potencializar as decisões tão acertadas e profundas tomadas pelos bispos conciliares. Em relação a isso, o Papa Bento XVI afirmou que “com o passar dos anos, os textos conciliares não perderam sua atualidade; ao contrário, seus ensinamentos revelam-se particularmente pertinentes em relação às novas situações da Igreja e da atual sociedade globalizada” (Discurso aos cardeais eleitores, 20/04/2005).
Neste período jubilar espera-se que os textos conciliares sejam retomados com novo ardor pela Igreja como um todo. Os diversos setores eclesiais precisam ter a coragem de refletir seriamente sobre as temáticas vigentes na evangelização e tomar decisões que correspondam aos anseios da sociedade moderna.
Enfim, que o cinquentenário do Vaticano II ajude a Igreja a rever suas posturas e estruturas que não correspondem aos desafios atuais e que ela esteja sempre pronta para “ouvir o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2,7).
*Pároco da Paróquia Santo Antônio de Pádua – Maringá – PR