Um chão de sangue

Dom Anuar Battisti*
Todos os dias somos surpreendidos por notícias dramáticas de violência, em casa, na rua, no trânsito e sempre com mortes de pessoas que, na maioria das vezes, são inocentes. Como esquecer o gravíssimo acidente ocorrido há oito dias na PR 323 – área de cobertura da nossa Arquidiocese – onde vidas humanas de homens, mulheres, jovens e crianças em viagem de lazer e trabalho, foram colhidas repentinamente.
Qual a causa de tanta violência? Um dia desses alguém perguntou: Por que Deus permite tudo isso? São perguntas cujas respostas estão dentro de cada um de nós. A nossa liberdade, a capacidade de decisão de cada um é a causa primeira do bem ou do mal. Não podemos julgar. Mas quem decidiu cometer falta grave de imprudência naquele lugar, naquela hora e naquele dia?
Será que Deus é culpado? Na maioria dos casos a imprudência é a grande causa dos acidentes. No entanto, no caso específico da PR 323, não podemos colocar a culpa apenas nos motoristas. A pista da 323 não é das melhores. Está comprovado que as irregularidades no asfalto, a falta de acostamento em alguns trechos e a falta de faixa auxiliar em pontos de grande tráfego de veículos pesados, tudo isso gera um desgaste muito grande em quem precisa dirigir nesta estrada diariamente.
Neste caso a responsabilidade da imprudência deve ser compartilhada. O motorista pode ser imprudente, mas o Estado também está sendo.
Tenho a impressão que o ser humano a cada dia que passa quer tomar o lugar de Deus. Eu decido, eu sei, eu sou dono da minha vida, ninguém precisa se intrometer naquilo que faço! O outro é apenas um número, um objeto sem valor.
Vivemos tempos em que vida humana parece não valer nada. A consciência de que vivemos em sociedade, onde necessitamos do outro, onde o respeito e a consideração formam a condição necessária da boa convivência, precisa retomar o seu lugar.
A vida moderna, invadida pela velocidade dos meios técnicos, onde a rapidez do fazer e produzir cada vez mais em menos tempo, passou a tomar conta do ser humano como um todo.
Não somos máquinas. Não somos feitos para produzir o tempo todo. Somos seres limitados. Muitas vezes nos esquecemos de viver e aceitar as limitações próprias de seres humanos.
Ao mesmo tempo em que vemos a causa de tantas mortes, no livre arbítrio do ser humano, também temos que concordar as condições em que se encontra a PR 323 não são satisfatórias. Uma rodovia de alta utilização e intensa circulação de veículos pesados, que não oferece segurança para quem nela trafega, precisa urgentemente ser duplicada.
Recentemente participamos com outros segmentos da sociedade organizada do início da campanha pela duplicação do trecho Maringá-Umuarama.  O impacto inicial foi muito significativo, mas precisamos novamente erguer a voz e cobrar do governo estadual  para que as melhorias sejam realizadas URGENTEMENTE.
Não podemos mais esperar. De gente de boa vontade o inferno está cheio. Precisamos de ação imediata.
A dor e o sofrimento de tantas famílias, o sangue de inocentes regando as ruas e rodovias, não podem ser inúteis. Deus acompanha de perto tudo isso. Ele continua falando através de todas as tragédias, mas ainda continuamos surdos e nos fazendo de deuses.
Mais uma vez e quantas outras serão necessárias para mudar o nosso comportamento, a nossa mania de ser.  Está na hora de deixar a nossa soberania para obedecer em tudo às leis humanas e principalmente a Deus, ao Criador de tudo. “Quanto aos servos, que sejam, em tudo, obedientes ao seu Senhor, dando-lhes motivo de satisfação.” (Tito 2,9).
Motorista e governo. Por favor, façamos todos nós a parte que nos cabe e vamos limpar o mar de sangue que está sobre a PR 323.
*Arcebispo Metropolitano de Maringá (PR)