Quem nos vai trazer a paz?

No início do novo ano, brotam de todos os lábios espontâneos e efusivos votos de felicidade e de paz. Nada mais normal, pois olhamos para o futuro com esperança e gostaríamos que os males e tragédias do passado não nos acompanhassem na passagem para o tempo novo.

De onde, porém, nos pode vir a paz? Como nós imaginamos a paz? Guardada em algum lugar, embalada e prontinha para nosso uso e consumo? Ou, talvez, ela dependa da invocação de “bons fluidos”, de alguma energia cósmica, a ser acordada e atraída com o foguetório bonito, mas extremamente poluidor, da meia noite de 31 de dezembro? Depende das boas graças de divindades, donas da paz, que nos podem conceder, se bem quiserem, um pouquinho dela?

Na sua mensagem para o 46º Dia Mundial da Paz, que a Igreja Católica celebra todos os anos no dia 1º de janeiro, o papa Bento 16 nos lembra a promessa de Jesus: “bem-aventurados os promotores da paz; eles serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Ele, Jesus, que veio ao mundo como o Príncipe da Paz, nos convida a sermos ativos obreiros da paz. No dizer de São Paulo, “Ele mesmo é a nossa paz”, que veio em nome do Deus da Paz para reconciliar a humanidade com Deus e entre si. A paz não é fruto de um passe de mágica, mas de atitudes coerentes e do esforço de todos e de cada um.

Verdadeira paz neste mundo já é possível, sobretudo para quem tem fé em Deus. O fundamento último e o sustento inabalável da paz é o próprio Deus; e quem está firme em Deus pode ser operador esperançoso e perseverante da paz. O Deus da paz vem em socorro de todos os construtores da paz e os reconhece como seus filhos: “serão chamados filhos de Deus”.

Vários fatores são determinantes e devem ser cultivados pelo homem para que haja a possibilidade da paz. Para começar, a própria religião deve servir à paz; contrariamente, se ela for usada como instrumento ideológico para a violência, ou como manifestação fanática e fundamentalista contra os outros, então ela não é verdadeira nem presta culto a Deus; nesse caso, é um desvio da religião, uma espécie de enfermidade religiosa.

Os obreiros da paz precisam estar empenhados na obra da justiça – “fruto da justiça é a paz” – e na busca da verdade. Sem esses dois fundamentos não haverá paz verdadeira e estável. Da justiça decorre o respeito pelos direitos humanos e pela dignidade inalienável de cada ser humano; o Papa faz referência à justiça econômica, em âmbito local e mundial; ao respeito pela vida das pessoas, em todas as fases da existência; como pode haver paz se o ser humano é humilhado, desrespeitado, desprezado, violentado, até mesmo no seu direito mais fundamental, que é o de viver?

A paz requer, além disso, a superação de hábitos e estilos de vida que comprometem o convívio pacífico: o egoísmo e o individualismo frios, insensíveis às necessidades e sofrimentos alheios; e requer o cultivo de atitudes positivas, como a solidariedade, a bondade, a capacidade de perdão e reconciliação, a gratuidade no serviço ao próximo, especialmente aos mais necessitados. Requer, enfim, respeito pela natureza, em vez da apropriação e exploração individualista dos bens dessa nossa “casa comum”.

Enfim, recorda o Papa, é preciso buscar a paz com perseverança e idealismo: a paz é possível, mas depende de uma cultura da paz, que se suscita e desenvolve mediante um processo envolvente de educação, que chama em causa todas as pessoas e agentes da vida social: instituições políticas, organizações da sociedade civil, organizações culturais, educacionais, religiosas… Muita educação para a paz pode dar mais chances à paz. Família e escola têm um papel preponderante na educação para a paz. Hábitos e atitudes violentas e antissociais são aprendidas; mas, também, as convicções, hábitos e atitudes de paz.

Desejo a todos os leitores um feliz e abençoado ano de 2013. Seja um ano de paz para todos! Sejamos todos “obreiros da paz”.

Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 03/01/2013
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
@DomOdiloScherer