O nome de Deus é amor e vida
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
O nome de Deus é um mistério oculto (obsconditus) e assim o permanece e permanecerá. Jesus Cristo, porém, através de sua encarnação; vida, obra e palavras; morte e ressurreição; existência concreta localizada na Palestina, sob o Império Romano, no tempo de Herodes, Pilatos e Tibério, veio revelar – desvendar, desvelar, descortinar – uma via de acesso a esse mistério. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, revelação do Deus vivente e verdadeiro. Esta é a fonte, o cerne e a centralidade que ilumina toda a liturgia, a catequese e a pastoral, todo caminho espiritual e a vida eclesial.
O verbo se fez carne, a palavra se encarnou, tomou um corpo e armou sua tenda entre nós, nos caminhos e embates da trajetória humana. Tornou-se presença ativa entre os pobres e indefesos, doentes e pecadores, oprimidos e desesperançados – os mais abandonados e necessitados, os que não têm ninguém por si. Percorreu as estradas de todos os migrantes que peregrinam nesta terra em busca de uma pátria definitiva. Fez-se errante para apontar-nos o sentido mais profundo da vida e o rumo de um novo horizonte. Vive, morre e ressuscita para curar e dar vida nova a todos e todas. Contra o projeto dos tiranos, reabre novas possibilidades históricas.
Restam para nós os contornos inconfundíveis de um retrato vivo que Jesus nos traça do Pai: um universo infinito de amor apaixonado e incondicional; um céu de luz sob cujos raios tudo ganha cor, vida e transparência; um imenso oceano de misericórdia e compaixão, em cujas ondas podemos abandonar nossa frágil embarcação; um ser em que a capacidade de perdoar ultrapassa todas as medidas dos cálculos matemáticos. O segredo e o mistério continuam, são inesgotáveis e incomensuráveis, mas a trajetória de Jesus entre nós – “passou pela terra fazendo o bem e curando a todos” – deixou rastros dessa presença oculta, escritos com caracteres de fogo e paixão no pergaminho da história.
No pensamento do teólogo italiano Bruno Forte, o Pai segue sendo o Silêncio; o Filho, a Palavra; e o Espírito Santo, o Encontro. O silêncio, tal como um espelho, se comunica com a alma que se torna capaz de calar e escutar. A palavra feita carne e linguagem humana, especialmente com a ferramenta das parábolas, olhares, sorrisos e toques, simultaneamente vela e desvela o oxigênio que se respira no Reino de Deus. O encontro que, ao mesmo tempo, traduz a intercomunicação amorosa entre as três pessoas da Santíssima Trindade e nos convida a igual intercâmbio: límpido, franco e transparente. Relação divino-humana no interior na Trindade criadora que nos interpela a relações humano-divinas com todas as criaturas: homens e mulheres, outros seres vivos e as coisas.
Disso resulta um novo compromisso com tudo o que nos cerca: rios, mares e águas; plantas, florestas e animais; ar, atmosfera e luz; terra, produção e consumo; pessoas, grupos e nações… Enfim, tudo aquilo que o planeta coloca à disposição não somente do ser humano, mas da vida em todas as suas formas, a biodiversidade. Semelhante compromisso significa, por um lado, deixar de lado o ciclo de exploração dos recursos naturais e da força humana, particularmente após as revoluções política e industrial, científica e tecnológica, cibernética e informática. Por outro lado, assumir um novo ciclo, de convivência orgânica e pacífica, de coexistência e cuidado com a vida em toda sua diversidade. Não se trata apenas de mudar os valores e contravalores da cultura ou das culturas, mas redefinir o próprio rumo da civilização e da história da humanidade.
Trata-se, em síntese de repensar todo tipo de relações: interpessoais, familiares e comunitárias; socioeconômicas e político-culturais, ecológicas e sustentáveis. O Deus vivente nos interpela a colocar a vida no centro da nova civilização humana. Na era antiga e medieval prevaleceu o teocentrismo, mas o Deus que era referência a tudo e todos estava longe, indiferente aos embates do cotidiano, além de exigir sacrifícios absurdos e inexplicáveis. Mais patrão que pai, mais juiz que pastor! Na era moderna, instalou-se o antropocentrismo, em que o homem, a razão instrumental e a masculinidade subjugaram tudo à sua fome de poder, lucro, acúmulo de capital, riqueza e prestígio. Quem sabe estaríamos caminhando para uma espécie de geocentrismo, entendendo o prefixo geo (= terra) não como um campo a ser devastado e explorado, nem como um ser estranho sobre o qual dominamos como senhores absolutos. Terra aqui é a mãe e a fonte da vida que, como tal, deve ser preservada e não pisoteada. Trata-se de devolver à terra o direito e o dever de continuar exercendo sua condição materna.
Voltamos ao Livro do Gênesis e ao projeto primordial da criação, no qual a aliança de Deus com o Povo de Israel foi selada não somente em nome dos humanos, mas “de todos os seres vivos”, de “tudo o que se move sobre a terra” e “de todas as gerações futuras”. Vida abundante e eterna é o sonho do Criador! Tal aliança é simbolizada pelo arco-íris, laço e ponte que une o céu e a terra, tal como os festejos natalinos simbolizam laço e ponte entre Deus que se humaniza para divinizar o ser humano. Deus que desce para que possamos subir, superando nossas debilidades, fraquezas e limitações e subir.
Retomamos o poema bíblico do Paraíso Terrestre, onde o planeta terra, sua vegetação e os seres vivos expressam a utopia de um Deus que ama e compartilha esse amor com todas as criaturas. O amor e a alegria do Criador tudo cobrem, se expandem e transbordam para “fazer novas todas as coisas” – “os novos céus e as novas terras”. É a grande trajetória humana que, na linguagem teológica da Bíblia, vai do paraíso perdido à terra prometida, das trevas à luz, do pecado à graça, da opressão à libertação, da escravidão à liberdade, da morte à ressurreição.