Tempo e maturidade
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Adital
Às vezes é difícil explicar a meus alunos mais novos em que consiste a sabedoria. Os livros sapienciais da Bíblia Judaica oferecem-nos um perfil do sábio como aquele que chegou a um ponto de maturidade na vida. Isso significa que já tem um conhecimento razoável do que é transformável e do que é inevitável. Sabe conviver com situações-limite e entende dever suportá-las, pois não está a seu alcance algo fazer para mudá-las.
Sua sabedoria consiste em aprender com a situação que lhe é dado viver naquele momento. Ou reler experiências do passado e fazer sobre elas novas sínteses que lhe propiciem igualmente fecundo aprendizado para sua vida no presente. E este aprendizado é o que de melhor pode legar àqueles que agora vivem sua juventude e se encontram diante de um futuro longo e fascinante.
Assim é que a maturidade permite olhar para trás e aprender com os acertos. E também –e talvez principalmente– com os erros. O que foi feito e não deveria; o que foi experimentado e não acrescentou; decisões que não levaram aonde se esperava… tudo isso pode ser resgatado e reciclado em fecunda aprendizagem, que ajudará o próprio e a outros a trilhar caminho melhor e mais largo.
Essa reflexão me vem não apenas pela experiência de avançar nos anos. Mas também e não menos de observar certas situações que comprovam aquilo que acima afirmo. Por exemplo, a discussão sobre a participação ou não do papa Francisco, então Jorge Bergoglio, na ditadura argentina. A mídia trouxe à luz dúvidas, ambiguidades a esse respeito e jogou a questão no ar.
Acompanhando as notícias que vêm saindo, vai-se constatando que, quatro décadas depois, o então provincial dos jesuítas na Argentina, Jorge Bergoglio apresenta um perfil de alguém que ajudou a quem necessitava de abrigo e proteção naqueles anos terríveis de seu país. Quando o rio da Prata se tornava túmulo de milhares de desaparecidos nos chamados voos da morte, o jesuíta Bergoglio conseguia passaportes para atravessar a fronteira, avisava a futuros perseguidos que se escondessem, já que seus nomes constavam das macabras listas da ditadura.
Alguns continuam acusando-o de não haver sido suficientemente destemido para expor-se e denunciar aquelas situações como o fizeram outros. Entre eles, o bispo mártir Angelelli. Porém, quem não viveu as terríveis tensões daqueles anos sombrios deveria ser mais cauteloso em acusar e falar. As circunstâncias eram tão perigosas e adversas que não era fácil encontrar as atitudes certas a tomar. Muitas vezes a regra do mal menor tinha que sobrepor-se à do bem maior. E criar no silêncio e no anonimato condições para que uma vida não fosse destruída era muitas vezes a única maneira de não compactuar com aquele contexto de morte.
Todos mudamos e amadurecemos com o tempo. Mudam as circunstâncias, mudam muitas vezes as atitudes. A mesma mídia que se apressou em propalar aos quatro ventos as suspeitas que pesavam sobre o jesuíta Bergoglio não teve a mesma urgência em revelar que há dez meses, na Faculdade de Teologia de Buenos Aires, o então arcebispo Jorge Bergoglio resgatou a memória do Pe. Rafael Tello, um dos iniciadores da teologia da libertação naquele país. E explicitando seu gesto disse: “Essas reparações que Deus faz: que a hierarquia, que em seu momento achou conveniente retirá-lo da faculdade, hoje diga que seu pensamento é válido. Mais ainda, foi fundamento do trabalho evangelizador na Argentina. Quero dar graças a Deus por isso”.
Nestas palavras do atual Papa, pronunciadas há menos de um ano, encontramos a sabedoria madura de quem revê suas atitudes e se alegra com as mudanças que acontecem em sua consciência e na do segmento eclesial a que pertence. O Papa Francisco inicia seu pontificado proclamando sem cessar a opção pelos pobres. Sente-se no ar o perfume e o sabor da volta ao Concílio Vaticano II.
Procuremos aprender com sua sabedoria em lugar de voltarmos incessantemente a sombras que porventura haja em seu passado, em sua Argentina natal. É hora de aprender com ele a ter a coragem de rever-se e voltar-se decididamente para uma missão nada fácil. Nela, terá sempre a inspiração do Espírito. Que tenha igualmente nossa ajuda e apoio.