Nunca mais a guerra!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
A paz não se assenta sobre o equilíbrio das armas nem sobre a ameaça mútua das superpotências, e sim sobre a justiça e o direito – enfatizava a Doutrina Social da Igreja (DSI) nos tempos da “guerra-fria”, especialmente com a publicação da Pacem in Terris do Papa João XXIII (1963). O Papa Paulo VI, por sua vez, insistia que “o desenvolvimento é o novo nome da paz”, na Encíclica Populorum Progressio (1967). Numa palavra, a verdadeira paz tem raízes numa economia responsável, no respeito aos direitos humanos e em relações internacionais marcadas pelo direito dos povos. Política de paz e não de guerra!
É assim que a paz, tendo como fundamento bases sociais sólidas e solidárias, tem sido um dos pilares da a DSI. Mas, no decorrer de todo o século XX e início do século XXI, prevaleceram as razões da guerra ou da indústria bélica. Período tenso e carregado de desencontros políticos, conflitos armados, genocídios, colonialismo, totalitarismo, massacres, bomba atômica… Tudo culminando com a tragédia do holocausto, sem dúvida uma das feridas mais vivas da história. Os últimos cem anos constituem um dos períodos mais bárbaros de todo o percurso humano sobre a face da terra. Milhões e milhões de cadáveres jazem nos campos de batalha, de concentração ou de extermínio; outros ficaram mutilados no corpo e na alma… Sem contar os órfãos, as viúvas, as famílias dilaceradas!
A luta contra a corrida armamentista e contra a ameaça nuclear, ao lado de uma melhor distribuição da riqueza produzida pelo progresso tecnológico, é outro pilar da DSI. Os documentos publicados pelos Papas João Paulo II e Bento XVI não deixam dúvidas a esse respeito. Por um lado, denunciam o desequilíbrio entre crescimento econômico e desenvolvimento social, por outro, anunciam a necessidade de estender a todo ser humano os benefícios do progresso. A busca da justiça e da paz, bem como de uma sadia convivência entre povos e nações, tem marcado a trajetória da Igreja, do cristianismo como um todo e do diálogo inter-religioso. Não obstante as noites escuras nos conflitos religiosos, brilham nelas luzes intensas. Poderíamos enumerar os casos de Confúncio, Gandhi, Jesus, Maomé, Francisco de Assis, Tereza de Calcutá, Dalai Lama… Para só citar os mais conhecidos.
Vale aqui uma frase lapidar do filósofo-teólogo-historiador alemão Hans Kung, na sua clássica trilogia sobre o ebraísmo, o cristianismo e o islamismo: “Não existe paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não existe paz entre as religiões sem diálogo entre elas. Não existe diálogo entre as religiões sem um estudo sério sobre seus fundamentos”. Cabe a pergunta: qual a contribuição das religiões em geral, e de cada uma em particular, para a paz no mundo? Serão capazes, entre si e em diálogo, de iluminar os caminhos da travessia humana com um sentido profundo da vida, o qual posa evitar as tensões, os conflitos e as guerras? Saberão desvendar aos olhos dos crentes e não crentes as digitais de Deus no pergaminho da história?
Nessa tradição, o Papa Francisco, na crise interna da Síria e na emergência de um ataque dos Estados Unidos, levanta o “grito pela paz”, convidando a todos a baixarem as armas e a buscar uma via de diálogo e diplomacia. “Guerra chama guerra, violência chama violência”, insistia o Pontífice no Angelus do domingo, dia 1º de setembro. E acrescentava: “Existe um juízo de Deus e também um juízo da história sobre nossas ações ao qual não se pode fugir”. Nunca mais a guerra! – concluía o Papa. Não poucas pessoas, grupos, organizações, movimentos, instituições e autoridades estão aderindo ao seu apelo… Mas será suficiente para evitar o pior!
A verdade é que, no miolo dos fatos e boatos, o modo de produção capitalista desempenha um papel nada desprezível. A crise dos países ricos parece ávida e sedenta de consumo para retomar o ritmo do crescimento. Nada melhor que a guerra para reaquecer os motores da economia. Este filme é reciclado: os anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, de 1945-70, representaram “anos de ouro” para a economia capitalista, com taxas consideráveis de crescimento anual. Também aqui cabe a pergunta: até que ponto a indústria bélica e o domínio sobre a produção de petróleo serão os verdadeiros responsáveis pela tragédia diária dos povos do Oriente Médio? Até que ponto estão envolvidas as mesmas nações que pretendem aplicar uma lição sobre o ditador Bashar al-Assad pelo uso de armas químicas?
É difícil saber o que verdadeiramente ocorreu e mais difícil ainda prever o que irá suceder na Síria, como também no Egito e em toda aquela região. O certo é que, até o momento, levas e levas de prófugos, refugiados e emigrantes – entre eles multidões de crianças e mulheres – sofrem as consequências mais diretas da violência, abrigando-se de forma precária na fronteira com o vizinho Líbano. Outros, numa travessia arriscada, mal conseguem chegar ao sul dos países europeus, especialmente Grécia, Itália e Espanha, não sem antes deixar dezenas de cadáveres nas águas do Mediterrâneo. Isto para não falar dos que perderam a vida em combate sob o fogo fratricida em terreno sírio.
O que esperar? As nuvens parecem sombrias sobre o horizonte. É válida a mensagem do Papa Francisco: “Queremos que em nossa sociedade, dilacerada por divisões e conflitos, surja a paz”! Mas certamente a inteligência humana, com todos os avanços na área das comunicações e da informática, poderá fazer muito mais do que atirar bombas sobre o país já devastado pela guerra e pelo medo! E com isso aumentar o número de sem pátria, errantes pelas estradas do êxodo, do exílio ou da fuga desesperada.
Roma, Itália, 06 de setembro de 2013