Encerramento do Ano da Fé
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
No dia 24 de novembro de 2013, na Praça São Pedro, Roma, o Papa Francisco celebrará o encerramento do Ano da Fé, iniciativa aberta por seu predecessor numa cerimônia realizada no dia 11 de outubro de 2012. “O Ano da fé que estamos inaugurando hoje” – dizia o então Papa Bento XIV em sua homilia para aquela ocasião – “está ligado coerentemente com todo o caminho da Igreja ao longo dos últimos 50 anos: desde o Concílio Ecumênico Vaticano II, passando pelo Magistério do Servo de Deus Paulo VI, que proclamou o Ano da fé em 1967, até chegar ao Grande Jubileu do ano 2000.
Um olhar para trás
Que frutos podemos colher dessa iniciativa de suma importância para a caminhada da Igreja? Uma olhada ao retrovisor bastará para constatar sua incidência, tanto no interior da própria Igreja quanto na sociedade em geral. Primeiro, como lembrava o Papa, destacamos a celebração dos 50 anos de Concílio Vativano II, evento que transformou não só o corpo e a estrutura, como também toda a ação pastoral da Igreja. Documentos como a Lumen Gentium, a Ad Gentes e a Gaudium et Spes – para só citar alguns – trouxeram nova vida à liturgia, à missionariedade e à nova evangelização. Grande herança do Concílio, vale destacar o conceito de Igreja como Povo de Deus, aberta ao diálogo com os desafios do mundo contemporâneo.
Depois, o Ano da fé celebra também os 20 anos do Catecismo da Igreja Católica, onde se fundem e difundem as linhas mestras da mensagem evangélica e de todo o Magistério no decorrer dos séculos. Mais do que leis e dogmas a serem seguidos, trata-se de luzes que orientam a pertença e o trabalho de todo o batizado, seja no interior da Igreja, seja em sua solicitude para com oa pobres e mais necessitados. Um farol que, em meio às tempestades do mundo moderno, procura apontar o rumo do porto – vida e obra, gestos e palavras de Jesus Cristo.
Em terceiro lugar, duas cartas conferem verdadeira substância à intuição do Papa: a carta apostólica Porta fidei e a carta encíclica Lumen fidei. A primeira delas é justamente o documento com o qual se proclama o Ano da fé. Ilustrativo a esse respeito é seu título: a porta da fé abre horizontes novos a uma sociedade que, pouco a pouco, vem perdendo o sentido da vida humana. Também na segunda carta o título aponta numa direção precisa: a luz da fé nos ensina a olhar a existência pessoal e a própria história com o olhar iluminado de Jesus.
Por fim, não seria exagero falar da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Rio de Janeiro, Brasil, como de um evento ligado ao Ano da fé. Mostram-no bem os dois símbolos utilizados: a cruz e o ícone de Maria. De fato, aos pés da cruz, a fé adquire um caráter realista diante do sofrimento humano, onde tantas pessoas continuam crucificadas pela violência, guerra, injustiça, as drogas e o abandono e, ao mesmo tempo, uma visão de esperança como caminho para a ressurreição. A vida, e não a morte, possui a última palavra.
Um olhar para frente
É justamente a partir da última edição da JMJ que podemos manter um olhar prospectivo. Naquele grandioso evento, diante de uma multidão incontável reunida na praia de Copacabana, o Papa Francisco convocava os jovens do mundo inteiro a serem “verdadeiros protagonistas da evangelização”. O próprio lema da Jornada – “Ide e fazei discípulos entre todas as nações” (Mt 28,18) – sublinha a relevância de uma nova evangelização, nova em seus conteúdos e em seus métodos, como já sublinhava o Papa João Paulo II.
A carta encíclica Lumen fidei, entretanto, constitui um instrumento privilegiado para resgatar a herança recebida neste Ano da fé e, simultaneamente, clarear o caminho de nossos passos, especialmente no que diz respeito à “questão social”. Como diz o texto, “a fé torna-se luz para iluminar todas as relações sociais” (nº 54). Vale a pena deter-se numa citação um pouco mais longa: “A fé, além disso, ao revelar-nos o amor de Deus criador, nos confere maior respeito pela natureza, fazendo-nos reconhecer na mesma uma gramática escrita por Ele e uma casa a nós confiada, para que seja cuidada e cultivada. Ajuda-nos a encontrar modelos de desenvolvimento que não se baseiem somente na utilidade e no lucro, mas que considerem a criação como dom, do qual todos somos devedores. Ensina-nos a identificar formas justas de governo, reconhecendo que a autoridade vem de Deus para estar a serviço do bem comum” (nº55).
Eis um programa para uma sociedade renovada: justa, fraterna, solidária e, respondendo aos desafios atuais, social, econômica e ecologicamente sustentável. O documento tenta afastar o risco de destruição e devastação do planeta, bem como a contaminação do ar e das águas, em vista de um mundo onde todos possam viver em paz e sentar-se à mesma mesa. Igual perspectiva se lê nas últimas intervenções do Papa Francisco contra a guerra. Emblemática, por exemplo, foi a vigília pela paz, na Praça São Pedro, no sábado, dia 07 de setembro de 2013. Diante de mais de 100 mil pessoas, o Pontífice insistia que exitem outras vias para a resolução das tensões e conflitos internacionais. “A guera nunca é o verdadeiro caminho da paz. Guerra chama guerra, volência chama violência”!
Voltando ao Ano da fé, convém não esquecer que esse período longo de reflexão e oração nos conferiu um novo olhar sobre os acontecimentos pessoais, familiares, comunitários e eclesiais, bem como sociais, econômicos, políticos e culturais. Esse olhar reporta-se justamente à misercicórdia de Jesus para com os pobres e excluídos da vida e da história: “Ele se moveu de compaixão, vendo as multidões cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor” (Mt 9,35-38). Olhar que, usando uma expressão cara ao Papa Francisco, nos levar a “sair de si mesmo para ir ao encontro do outro”, especialmente daqueles que habitam os porões e as periferias das grandes cidades, ou os grotões ignorados do sertão.
Podemos concluir citando novamente a Lumen fidei: “A fé ilumina o viver social: possui uma luz criativa para cada momento novo da história, porque coloca todos os eventos em relação com a origem e o destino de tudo no Pai que nos ama” (nº55). Com os olhos da fé é possível romper com os grilhões das tiranias fossilizadas, cristalizadas sobre interesses pessoais e corporativistas, abrindo novas veredas para a reconstrução do Reino de Deus. Enquanto o tirano encerra a história dentro de sua mentalidade egoística e egocêntrica, a fé reabre os horizontes a novas formas de esperança, sempre atenta a uma leitura atualizada dos sinais dos tempos, como sublinhou o Concílio Vaticano II, à luz do Evangelho (Mt 16,1-4).
Do ponto de vista da Pastoral dos Migrantes, não será exagero afirmar que todo peregrino que busca pão, paz e um futuro melhor revela para nós a condição do ser humano sobre a face da terra. Errantes pelas estradas da história, firmando e levantado nossa tenda provisória nas veredas do êxodo, do deserto e do exílio, à luz da fé e da esperança caminhamos em busca da pátria definitiva, o Reino de Deus.
Romna, Itália, 08 de novembro de 2013
Obs: a primeira versão deste texto foi escrita para a Revista Missões