Paz com fraternidade

Cardeal Odilo Pedro Scherer

A primeira mensagem do papa Francisco para o Dia Mundial da Paz, comemorado a cada ano pela Igreja Católica no dia 1.º de janeiro, merece especial atenção: ela pode orientar pessoas, grupos, a sociedade inteira e as nações na busca e na preservação da paz. “Fraternidade, fundamento e caminho para a paz”, esse é o tema da mensagem. Francisco vai ao essencial e fala de “fundamento” e “caminho” e aponta na fraternidade a base sólida para edificar a paz; sem esse pressuposto, fica difícil dar solidez e estabilidade à paz, que poderá ser abalada por qualquer estremecida nos relacionamentos.

Continua verdadeiro que a paz é obra da justiça – opus iustitiae pax. Mas a justiça sem a dimensão fraterna, além de ser fria e dura, não é capaz de consolidar a paz. Sobretudo se a justiça for a dos vencedores, dos mais fortes e prepotentes. A fraternidade – essa, sim -, aliada à justiça, aplaina o caminho para a reconciliação e a paz duradoura.

A segunda parte do tema fala da fraternidade como caminho para a paz. Se queremos paz, precisamos promover a fraternidade, educar para a solidariedade. O uso da força e da violência consegue, talvez, derrotar inimigos, mas não estabelecer a paz. Violência e humilhação suscitam ódio e sede de vingança. A luta para uma paz verdadeira não se faz sem o poder desarmado da fraternidade.

O individualismo busca satisfações egocêntricas, sem levar em conta o seu preço social, e acaba degradando a dignidade humana e destruindo as relações sociais. Alguma filosofia afirma que o homem é movido, sobretudo, pelo ódio e pela violência; o cristianismo não compartilha essa visão sobre o homem.

Sobram razões para edificar a paz, seguindo caminhos de fraternidade. Nós somos feitos para o diálogo, o encontro e a convivência. Homem nenhum é uma ilha. O próximo não deve ser visto como um concorrente, um adversário, um inimigo a ser eliminado; tampouco como um objeto útil à satisfação dos próprios desejos.

O papa observa que as éticas contemporâneas são incapazes de construir verdadeiros laços de fraternidade e solidariedade por não reconhecerem no Pai comum seu fundamento. No entanto, somos todos membros da única grande família humana, descendentes de Adão e Eva, filhos amados do único Deus e pai! Temos, portanto, dignidade igual. A humanidade traz inscrita no profundo de sua identidade a vocação para a fraternidade.

As razões da fé levam a ver em cada ser humano um irmão e uma irmã, um companheiro nas estradas da vida, a quem estamos ligados pelos laços suaves da fraternidade. A solidariedade traduz de formas concretas a fraternidade e o interesse altruísta de uns pelos outros; alegrias, dores e esperanças de nossos irmãos nos dizem respeito e são, de alguma forma, também nossas.

Francisco lembra ensinamentos de seus predecessores. Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio, já havia advertido para a necessidade de as pessoas e os povos trabalharem juntos, com espírito fraterno, para construir um futuro bom para todos, especialmente para os menos favorecidos (n. 43-44). João Paulo II, na Sollicitudo Rei Socialis, ensina que a paz é fruto da solidariedade e da busca sincera do bem comum (n. 38-39). Bento VI, na encíclica Caritas in Veritate, disse que é necessário introduzir na economia a lógica da solidariedade e da gratuidade (n. 19).

As leis da economia, impulsionadas pela concorrência, nada fraterna, e visando o lucro sempre maior, não conseguem eliminar a pobreza. Ao contrário, acabam suprimindo oportunidades e empurrando sempre mais gente para a margem do bem comum. A vida econômica precisa deixar-se revitalizar pelo oxigênio da fraternidade, para não se tornar vítima da concentração asfixiante de bens e oportunidades.

E as guerras continuam a manchar o convívio entre os povos… Muitas vezes, os conflitos ocorrem debaixo dos olhares de todos e com a indiferença generalizada. Como superá-los? Responde o papa Francisco: “A fraternidade extingue a guerra”, porque derruba seus motivos e introduz uma nova lógica no convívio entre os povos. Forte torna-se o apelo de Francisco às partes em conflito e em favor do desarmamento: “Renunciai às armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação, para reconstruir a justiça, a confiança e a esperança ao vosso redor!” (n. 7). E repete o apelo de seus predecessores contra a proliferação das armas, especialmente armas nucleares e químicas.

Corrupção e crime organizado ferem profundamente a fraternidade. São a expressão “refinada” do egoísmo, que não hesita em fazer recurso à violência ou ao mau uso do poder para alcançar seus objetivos de lucro, poder e glória. Muitas vezes o crime organizado explora impiedosamente pessoas e povos que já vivem sob a pressão da miséria, como os migrantes, os desempregados, a mulher marginalizada… Que glória pode haver nas fortunas desonestas ou nas mãos manchadas de sangue inocente?!

As organizações criminosas minam a legalidade e a justiça e ferem a dignidade da pessoa humana. Visitando a Fazenda da Esperança, em Guaratinguetá, em maio de 2007, Bento XVI ameaçou com o julgamento de Deus os traficantes de drogas e os que fazem fortuna com o “mercado da morte”.

Francisco lembra ainda: a preservação da natureza e do ambiente da vida também requer atitudes e comportamentos mais fraternos. Os bens do mundo foram confiados ao cuidado do homem para que ele os administre e use com sabedoria, tendo em conta que não é seu único beneficiário. Os recursos da natureza devem ser usados para que não haja fome ou desperdício, nem depredação que comprometa o equilíbrio ambiental. A destinação universal dos bens da criação será alcançada com atitudes e comportamentos verdadeiramente fraternos.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
@DomOdiloScherer