O que Deus quer da família?
Cardeal Odilo Pedro Scherer
A família continua dando o que falar. Há quem mostre seus problemas para, talvez, passar a ideia de que ela é uma instituição falida, que seria melhor abandoná-la; há quem faça novela sobre a família para passar a ideia de que tudo mudou e que há muitos modelos de família, todos com igual direito ao reconhecimento da sociedade; nestes tempos de exacerbação da individualidade e da subjetividade, também a realidade família dependeria da criatividade de cada um e já não existiria mais um referencial comum de família, válido para todos…
Não há dúvida de que a família enfrenta hoje uma crise cultural profunda, como bem observa o papa Francisco na Evangelii Gaudium (nº 66), que não deixa intactas nem mesmo a identidade e a missão fundamental da família. E esse estado de ânimo tomou conta de setores da própria Igreja e de cristãos, que já não sentem mais segurança sobre o que afirmar a respeito da família e sua missão, apesar dos ensinamentos claros do Magistério da Igreja.
Mas a mesma Igreja não se desencoraja diante das dificuldades e crises enfrentadas pela família e continua a se interrogar sobre qual é o desígnio divino sobre a família e sobre como ajudá-la a conhecer melhor a vontade de Deus e a corresponder com a vocação da família. Afinal, na sua fé, baseada na Palavra de Deus, a Igreja tem a convicção de que a família não é produto apenas de projetos humanos, mas faz parte de um plano amoroso de Deus em relação ao homem e ao mundo.
Foi com esse objetivo que o papa Francisco anunciou a realização da assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos de outubro de 2014, para tratar das situações atuais da família que interpelam a Igreja e desafiam a evangelização. Para preparar esse Sínodo extraordinário, já foi feita uma consulta ampla, através das Conferências Episcopais de todo o mundo, para ter uma visão sobre a situação da família nos mais diversos cantos do mundo e sobre as questões mais desafiadoras para a missão da Igreja.
A Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos recebeu uma imensidade de respostas e está trabalhando na preparação do instrumento de trabalho para o Sínodo de outubro. O levantamento procurou ser muito realista, não se furtando nem mesmo às questões mais espinhosas vividas pelas famílias.
Com o mesmo objetivo, o papa Francisco já quis ouvir os membros do Colégio Cardinalício, reunidos com ele nos dias 20 e 21 de fevereiro passado. Cerca de 150 cardeais refletiram sobre o “Evangelho da família”: o que Deus quis da família “desde o princípio”, ao criar o homem e a mulher um para o outro? Como o pecado atingiu a realidade e a vida da família? Como o plano de redenção, que Deus realizou em Jesus Cristo em favor da humanidade, envolve também a família? Qual é o lugar da família no conjunto da vida e da missão da Igreja?
Foram dois dias fecundos, de reflexões e testemunhos muito enriquecedores sobre as realidades familiares nos diversos continentes e países; deu para perceber que a problemática da família não é a mesma em toda parte e que os problemas são mais acentuados nos países ditos “ocidentais”, onde a crise cultural é mais profunda. Não se deixou de refletir sobre as situações, sempre mais frequentes, dos casais que vivem uma segunda ou terceira união, depois de desfeito o casamento. Há sincero desejo da Igreja de ajudar esses casais a viverem na Igreja e a perseverarem na fé, mesmo quando não lhes é possível receberem a santa comunhão. As questões a enfrentar, porém, são complexas e não se deve esperar respostas simplistas.
O papa Francisco convidou a Igreja a viver o “caminho sinodal” dos próximos dois anos com interesse, confiança e muita oração, para discernir com serenidade o que Deus está pedindo à sua Igreja neste momento de sua história.