Carta a uma velha
Frei Betto
Para Nina Garcia Alencar.
Querida amiga Nina,
Por que a trato com familiaridade? Ora, agora você me conhece intimamente: meu nome é Velhice. É bem verdade que muitas pessoas de avançada idade se sentem constrangidas, até humilhadas, ao se aproximarem de mim. Como se a Velhice fosse um mal a ser evitado.
Não se conformam com a progressiva e irrefreável degradação do organismo: a audição reduzida, as restrições alimentares, a mobilidade contida, o uso de bengala etc. Por isso, até se recusam a pronunciar meu nome. Esquecem que, à decadência do corpo, deveria corresponder a ascendência do espírito. Mas a vida ensina que não se colhe o que não se plantou.
Já não convém chamar uma pessoa de velha. Inventam-se eufemismos, como se a cobertura do bolo modificasse o sabor do recheio: terceira idade, melhor idade, dign/idade… Ora, se devemos encarar a realidade, sugiro ‘eterna idade’, já que os velhos estão mais próximos dela.
Aterrorizadas pela certeza de que um dia serão velhas, e iludidas pela busca ilusória de imortalidade, muitas pessoas, respaldadas pelos simulacros científicos que prometem juventude perene, se esforçam ao máximo para evitar o encontro comigo. Ingerem drágeas que prometem reduzir o desgaste das células, fazem cirurgias plásticas, passam horas a malhar o corpo. E ainda se dão ao ridículo de se fantasiarem de jovens, de adotar vocabulário de jovens, de frequentar festas de jovens. Como é triste ver uma velha de 70 anos bancando a mocinha de 20! Peruca na cabeça vai bem, mas na alma…
Nina, sei o quanto a sua vida valeu a pena: a família, a fé, as flores de seu acalanto, a sabedoria de permanecer numa cidade do interior e não acompanhar os filhos no rumo das metrópoles.
O que a faz longeva? O que lhe permite celebrar saudáveis 95 anos sem ter recorrido a nenhum desses artifícios? A paz de espírito. Você escolheu cultivar bens infinitos, aqueles que se guardam no coração, e não bens finitos, que envaidecem sem jamais saciar a sede de Absoluto. Você escolheu a amorosa maravilha da cotidianeidade, essas miudezas que, como miçangas, colorem a linha da felicidade: a oração, a frequência à igreja, o encontro com as amigas, o socorro aos pobres, o cuidado da casa e, no crepúsculo da vida, dar-se ao direito de espiar o mundo pelas janelas dos livros, dos jornais, da TV.
Sonho com o dia em que as mulheres descobrirem que o auge da beleza reside em encontrar a mim, a Velhice. Essa beleza emoldurada pelas rugas da intensidade de vida e pelos cabelos alvos, fundada na sabedoria de espírito, na capacidade de relativizar tantas coisas que os mais jovens encaram como absolutas. Beleza de quem já não recorre a artifícios exteriores para enfeitar a vaidade; basta o sorriso luminoso, a delicadeza dos gestos, o dom de recolher-se em silêncio ainda que, em volta, todos disputem a palavra aos gritos.
Você bem sabe, Nina, que estar comigo é experimentar algo que, cada vez mais, poucos conhecem: a serenidade. Uma pessoa se torna serena quando se dá conta de que vive num palácio de inúmeros aposentos – a vida -, mas já não sente o menor ímpeto de percorrê-los, perdeu toda curiosidade em relação a eles. Basta-lhe um aconchegante quartinho onde suas plantas recebam um pouco de sol.
Nina, acolhe o meu afetuoso abraço de feliz idade! Curta a minha companhia sem nenhuma ansiedade frente aos desígnios de Deus. Ele a colherá desta vida, como um jardineiro à sua flor, no momento oportuno. Então, sim, você descobrirá que, do outro lado, a vida é terna.
O carinho de sua companheira,
Velhice.
Lilian
abr 25, 2009 @ 22:56:02
Frei Betto me emocionou. Com tanta clareza opõe-se à “juvenilização” do idoso e da idosa apregoada pela mídia. Parece que encontro eco para alguns pensamentos que me acompanham.
Frequentemente reflito sobre o meu próprio processo. Apesar das limitações físicas, a impressão que tenho é de que a bagagem que carrego hoje está mais leve.
Recuso-me a usar eufemismos dizendo que estou na terceira idade ou na melhor idade. Estou mesmo é ficando velha. E posso afirmar: envelhecer é bom. É aprendizado.
Quero chegar à idade da doce Nina. E com ela aprender os valores que devem guiar o envelhecimento.
Parabéns ao editor pela publicação de tão relevante reflexão.
Abraços,
Lilian
Sarah
abr 27, 2009 @ 03:41:50
Obrigado Pde Julio por me indicar este texto lindo que ainda não tinha lido. Realmente, parece que dizer “velho” – “velha” é feio, ou até mesmo, me perdoe a palavra, pecado, pois deveria ser ao contrário quando relacionado às pessoas, pois na velhice estão mais sábias, mais bonitas, mais experientes. Quando me referi a ser quase uma cinquentona, o sr sabe do que falo, foi justamente pela dificuldade hoje em dia que encontramos no meio profissional, mas não me sinto velha não, me sinto bem, procuro envelhecer com dignidade e sem obter subterfugios para esconde-la, porém, quero continuar me cuidando, tanto da mente, do corpo, como da alma. Parabéns a todos que nos presentearam com este lindo texto de reflexão. Grande beijo! Sarah