Frei Carlos Mesters “entrevista” o Apóstolo Paulo (final)
Carlos Mesters
35. Por que você não casou? É contra o casamento?
Paulo não era casado (1Cor 7,8). Alguns exegetas acham que ele era viúvo. Não sei qual o argumento que eles têm para fazer tal afirmação. Paulo não se casou, não porque era contra o casamento, mas porque não quis casar. Era a maneira como ele via a sua vocação pessoal e procurava ser fiel a ela. O não querer casar tinha a ver com a sua experiência pessoal de Cristo (1Cor 7,32) e com o fato de que em Cristo o fim dos tempos já tinha chegado (1Cor 7,29-31; cf. Mc 12,25).
Mesmo não casando, Paulo defendia o direito que ele tinha de casar (1Cor 9,5). Não era contra o casamento. Pelo contrário, considerava como “doutrina demoníaca”, “hipocrisia de mentirosos” e “fábulas ímpias de gente caduca” a teoria daqueles que proibiam o casamento (1Tm 4,1-7).
36. Muita gente não gosta de você por causa da sua atitude negativa para com as mulheres. É verdade que você é contra a participação da mulher na comunidade?
Alguns textos de Paulo causam real dificuldade. Neles, a mulher aparece em posição inferior, não devidamente valorizada. Não é possível clarear toda esta questão numa resposta breve como esta.
Vou enumerar só alguns fatores a serem levados em conta num eventual estudo mais aprofundado.
Em primeiro lugar, não se pode esquecer que a cultura e a consciência daquele tempo não eram as mesmas de hoje na questão da participação da mulher na vida da comunidade. Aqueles mesmos textos de Paulo que quando comparados com hoje, representam um retrocesso, podem representar um avanço, quando devidamente situados dentro do contexto da cultura e da sociedade daquela época.
Em segundo lugar, convém ver o contexto mais amplo da vida e da atividade do próprio Paulo: a sua maneira de se relacionar com as mulheres; o papel que ele reservava para as mulheres na vida e na organização das comunidades por ele fundadas; quais e quantas mulheres que aparecem nas cartas, nas lembranças finais e no relato das viagens.
Em terceiro lugar, convém lembrar que aqueles textos mais difíceis não expõem uma doutrina universal a ser aplicada tal qual em todos os tempos, mas, na maioria das vezes, querem resolver problemas concretos que estavam perturbando a vida da comunidade. Por isso, além do contexto da cultura, da sociedade e da vida de Paulo, deve ser examinado o contexto conflitivo da comunidade que levou Paulo a escrever daquela maneira negativa sobre a participação da mulher.
Vejamos como exemplo o texto de 1Tm 2,8-15, escrito para Timóteo, coordenador da comunidade de Éfeso (1Tm 1,3). O que vou dizer tirei de um artigo de Alan Padgett, Mulheres ricas em Éfeso; 1Tm 2,8-15 colocado dentro do seu contexto social; publicado em inglês em 1987 na revista Interpretation, páginas 19 a 31.
Na comunidade de Éfeso infiltrou-se um grupo de falsos doutores (1Tm 1,3.6). Eles inventavam doutrinas fabulosas (1Tm 1,3-4), interpretavam mal a Escritura (1Tm 1,7), não aceitavam a ressurreição (2Tm 2,18), proibiam o casamento (1Tm 4,3) e declaravam más as coisas boas que Deus criou (1Tm 4,3-5). Faziam questão de guardar as aparências de piedade (2Tm 3,5), mas na realidade fizeram da piedade uma fonte de lucro (1Tm 6,5.9-10).
Como professores ambulantes, de acordo com o costume da época, procuravam ser acolhidos nas casas de famílias mais ricas (2Tm 3,6).
Era o começo do gnosticismo penetrando nas comunidades.Ligado a este grupo dos falsos doutores aparece o grupo de algumas mulheres. Pois, para realizar o seu objetivo, aqueles doutores conseguiram influenciar e cativar algumas mulheres, desejosas de aprender coisas novas (2Tm 3,6-7), sobretudo algumas viúvas bem jovens ainda (1Tm 5,6-7.11). Provavelmente, eram mulheres recém-convertidas, pois participavam ainda das “instruções” (1Tm 2,11; cf. 3,6). Eram ricas, pois usavam objetos de ouro, pérolas e vestidos suntuosos (1Tm 2,9). Em todo caso, não eram pobres. Por serem mulheres de certa posse eram visadas pelos falsos doutores, pois, sendo ricas, elas podiam acolhê-los e sustentá-los, além de oferecer outras vantagens e prazeres (1Tm 5,6.11; 2Tm 3,6).
Aquelas mulheres tinham uma sede muito grande de saber: estudavam sempre (2Tm 3,7), rodeavam-se de professores para aquilo que lhes convinha (2Tm 4,3), sem jamais atingir o conhecimento da verdade (2Tm 3,7). Muito provavelmente, elas procuravam o conhecimento em vista de uma liderança maior dentro da comunidade; queriam “ensinar e dominar” (1Tm 2,12).
Influenciadas pelos falsos doutores, aceitavam qualquer doutrina estranha (1Tm 4,1-2), rejeitavam o casamento (1Tm 4,3; cf. 5,14), andavam de casa em casa, (provavelmente, de comunidade em comunidade) (1Tm 5,13) e já não cuidavam da própria família (1Tm 5,8), provocando brigas, discussões, raiva e fofocas (1Tm 1,4; 2,8; 5,13; 6,4-5). Destruíam a paz na comunidade.
Ora, lendo o texto de 1Tm 2,8-15 contra este pano de fundo, fica claro o seguinte: Paulo não fala sobre a mulher em geral, mas está pensando naquele grupo de senhoras da comunidade de Éfeso. Ele não é contra que a mulher estude, mas pede que aquelas senhoras estudem com calma e humildade enquanto ainda estiverem na instrução inicial (2Tm 2,11). Não é contra a participação e a liderança da mulher na comunidade, mas questiona as pretensões daquele grupo de viúvas ricas que, por serem ricas, eram visadas pelos falsos doutores e deixavam manipular-se ingenuamente por eles. Por isso pede que sejam mais modestas, para não provocar ainda mais aqueles doutores (2Tm 2,9-10). Não quer ensinar que o homem é superior à mulher, mas quer que, durante a fase da instrução inicial, os responsáveis pelo ensino na igreja tenham precedência sobre os alunos, sobretudo naquela época de tantas doutrinas variadas e estranhas (1Tm 2,11-12). Não quer ensinar que toda mulher deva tornar-se mãe para poder salvar-se, mas acha que, no caso daquelas viúvas jovens que desprezavam o casamento, só havia um único jeito para elas se recuperarem, a saber, casar de novo e ser mãe (1Tm 2,15; 5,14-15).
Comparado com o contexto daquela época, este texto de 1Tm 2,8-15 representa um avanço. Apesar de todas as reservas contra aquele grupo de senhoras de Éfeso, Paulo supõe como sendo a coisa mais normal que a mulher receba instrução, coisa que não era tão comum na sinagoga.
37. Por que você não levantou a voz contra a escravidão e contra a exploração de tanta gente pelo sistema do império romano? É verdade que você é amigo ou simpatizante do império romano?
Aqui também são vários os fatores que devem ser levados em conta para se poder chegar a uma resposta mais ou menos completa, pois trata-se de um assunto complexo e difícil. Como na resposta anterior, vou apenas indicar alguns destes fatores a serem aprofundados num eventual estudo que alguém queira fazer do assunto.
Em primeiro lugar, a consciência a respeito da problemática social era diferente. A situação dos cristãos no império romano era diferente da situação dos cristãos hoje na América Latina. Hoje, na América Latina, nós cristãos temos quase 500 anos de idade, somos mais ou menos 90% da população do continente e temos uma tremenda responsabilidade histórica na origem da estrutura antievangélica que existe por aqui. Nos tempos de Paulo, os cristãos não tinham nem 30 anos de idade, não chegavam nem sequer a meio por cento da população do império e, como cristãos, não estiveram presentes na origem quando foi criado o sistema explorador do império romano.
Em segundo lugar, o tipo de análise que hoje fazemos da sociedade não existia naquele tempo. Havia consciência do problema social, mas este não era percebido de maneira tão clara como hoje. A pergunta que fizemos a Paulo é legítima, mas é uma pergunta a partir das nossas preocupações e a partir de nosso nível de consciência e da nossa análise do problema social. Uma resposta mais completa exigiria um uso maior das ciências sociais no estudo do texto de Paulo, o que já está começando a acontecer na América Latina.
Em terceiro lugar, convém lembrar que os judeus, desde a destruição de Jerusalém em 587 a.C., viviam sob governos estrangeiros e se acostumaram a isto. Chegaram a ver nisto uma expressão da vontade de Deus. Esdras chegou a identificar a Lei de Deus e a Lei do rei (Esd 7,26). Aprenderam a conviver. Além disso, convém lembrar a diferença que havia neste ponto entre os judeus da Palestina e os judeus da diáspora, de que já falamos na resposta à pergunta nº 21.
Em quarto lugar, Paulo teve uma experiência profunda de Deus. Uma experiência assim relativiza todo o resto, tanto a riqueza como a pobreza, tanto o possuir como o não possuir. Eis alguns textos:
“Vivemos como indigentes e, não obstante, enriquecemos a muitos; como nada tendo, embora tudo possuamos” (2Cor 6,10). “Aprendi a adaptar-me às necessidades; sei viver modestamente, e sei também como haver-me na abundância; estou acostumado com toda e qualquer situação: viver saciado e passar fome; ter abundância e sofrer necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece!” (Fil 4,11-13). “Se temos comida e roupa, contentemo-nos com isso” (1Tm 6,8). “O tempo se fez curto. Aqueles que compram, sejam como se não comprassem; os que usam deste mundo, como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo” (1Cor 7,29.30-31).
Em quinto lugar, havia em Paulo uma consciência bem clara do novo tipo de fraternidade a ser vivida na comunidade cristã. Nela devia estar superado todo relacionamento de dominação proveniente da religião (judeu-grego), da classe (livre-escravo), do sexo (homem-mulher) ou da raça (grego-bárbaro). Pois nela não podia haver mais diferença entre “judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher, grego e bárbaro” (cf. Gl 3,28; Cl 3,11; 1Cor 12,13). Uma comunidade assim não deixa de ser um fator profundamente revolucionário, uma semente explosiva, mesmo que os seus membros não tenham plena consciência deste aspecto.
Em sexto lugar, comparando os conflitos da primeira viagem missionária (At 13,1-14,28) com os da segunda viagem missionária (At 15,36-18,22), percebe-se o seguinte: 1. Um envolvimento progressivo do império e das suas instituições nestes conflitos; 2. O império pode ter pessoas boas e simpáticas ao cristianismo, como o pró-cônsul Sérgio Paulo de Chipre (At 13,6-12), mas tem leis e instituições que são usadas contra os cristãos (At 13,50; 14,5; 16,19-24.35-37; 17,5-9; 18,12-16); 3. Na primeira viagem, o conflito com o mundo pagão era mais no nível religioso (At 14,8-18), enquanto na segunda viagem já se situava mais no nível econômico (At 16,16-40) e no nível cultural e ideológico (At 17,16-34); 4. Nestes conflitos, os cristãos aparecem como gente sem poder: não conseguem que a opinião pública esteja a seu favor, nem conseguem movimentar a classe alta a seu favor; 5. As instituições do império e a classe alta conseguem ser usadas contra os cristãos por gente que se sente prejudicada pela mensagem cristã, mas não conseguem ser usadas pelos cristãos para defender a justiça e a verdade contra a injustiça e a falsidade. Tudo isto revela uma incompatibilidade crescente entre o império e o evangelho.
Em sétimo lugar, é possível que Paulo, como judeu da diáspora, tenha tido certa simpatia para com o império romano. O mesmo se diga de Lucas que escreveu os Atos dos Apóstolos. Mas mesmo tendo uma possível simpatia, Paulo não adaptou o evangelho às suas simpatias, caso contrário, não teria provocado aquela escalada progressiva do império contra as comunidades. E não convém esquecer que Paulo morreu condenado pelo império romano por causa do amor que ele tinha ao evangelho.
38. Por que você ficou tão desanimado e enfraquecido depois daquele discurso fracassado em Atenas? Você não é homem de ficar desanimado. Havia alguma razão mais profunda?
Paulo vinha vindo de uma maratona ao longo das cidades da Ásia Menor e da Grécia. Era a sua segunda viagem missionária (At 15,36ss.). Tinha fundado várias comunidades na Galácia, em Filipos, Tessalônica e Beréia. Em quase todas estas cidades, ele foi perseguido e torturado. Teve que fugir várias vezes. Nada, porém, era capaz de amedrontá-lo ou de desanimá-lo. Finalmente, ele chegou em Atenas, capital da cultura helenista (At 17,15).
Convidado pelo pessoal que o escutava na praça do mercado, teve que expor suas idéias no areópago (At 17,16-21). Preparou um discurso, no qual tentou comunicar a Boa Nova de Jesus (At 17,22-31). O discurso não teve muito efeito. Quando falou da ressurreição, os ouvintes se desinteressaram, zombaram dele e suspenderam a sessão (At 17,32). Pouca gente acreditou (At 17,34). Ora, Paulo, que parecia ter força e coragem para enfrentar qualquer contratempo, inclusive perseguição, prisão e tortura, este mesmo Paulo perdeu o ânimo após o fracasso da sua ação em Atenas. Saiu de lá e foi para Corinto (At 18,1), onde, no dizer dele mesmo, chegou “cheio de fraqueza, receio e tremor” (1Cor 2,3), “em meio a muita angústia e tribulação” (1Ts 3,7). Por que Paulo ficou assim? O que provocou nele aquele desânimo feito de “fraqueza, receio, tremor, angústia e tribulação”?
Certos defeitos escondidos só aparecem no decorrer da caminhada.
Aos poucos, os próprios fatos da vida vão tirando a casca, revelando quem somos, de fato, frente a Deus e frente aos outros. A conversão é um processo permanente, também para Paulo! Apesar de ter experimentado a gratuidade da ação de Deus, dentro dele continuava ainda um resto da mentalidade das “obras”. Ele pensava poder derrubar e converter os pagãos com a força e a lógica dos seus argumentos. Em vista disso montou um discurso bem feito (At 17,22-31), baseado nas leis da lógica e da oratória. Mas teve que experimentar a total inutilidade dos seus argumentos. Em vez de derrubar, foi derrubado na sua pretensão de vencer o inimigo. O sistema da cultura helenista não se abalou, nem se alterou. Pouca gente se converteu. A maioria do pessoal nem se interessou. Não era nem a favor nem contra. Não quis nem discutir o assunto: Até logo! “Fica para outra vez!” (At 17,32).
Paulo descobriu e experimentou a fraqueza e os limites da sua pretensão. O nascimento doloroso para Cristo, iniciado no caminho de Damasco, continuava. Mas ele soube tirar a lição dos fatos. Na carta aos Coríntios, ele descreve como chegou por lá, após o fracasso em Atenas: “Irmãos, eu mesmo, quando fui ao encontro de vocês, não me apresentei com o prestígio da oratória ou da sabedoria, para anunciar-lhes o mistério de Deus. Entre vocês, eu não quis saber outra coisa a não ser Jesus Cristo, e Jesus Crucificado. Estive no meio de vocês cheio de fraqueza, receio e tremor; minha palavra e minha pregação não tinham brilho nem artifícios para seduzir os ouvintes, mas a demonstração residia no poder do Espírito, para que vocês acreditassem, não por causa da sabedoria dos homens, mas por causa do poder de Deus” (1Cor 2,1-5). Parece um outro Paulo, diferente do Paulo que discursava no areópago com oratória e lógica.
Aprendeu a lição! Ficou mais humilde. Soube dar a Deus o lugar que Ele merece, sem que isto o levasse a uma passividade. Sendo judeu, teve que aprender da prática como lidar com o pessoal da cultura helenista e com o próprio Deus. Aprendeu apanhando e sofrendo!Depois da queda na estrada de Damasco, foi a chegada de Ananias que o reanimou e o tirou da cegueira (At 9,17-19). Agora, depois da queda em Atenas, foi a chegada de Timóteo com boas notícias da comunidade recém fundada de Tessalônica, que o ajudou a superar o desânimo e reencontrar a fonte da força e da coragem: “Agora estamos reanimados!” (1Ts 3,8). A partir daquele momento, Paulo teve novamente disposição para dedicar-se inteiramente ao anúncio da Palavra (At 18,5).
39. Quando nós, hoje, falamos das comunidades que você andou fundando por aí, imaginamos comunidades perfeitas de gente santa. É verdade? Diante de tanta santidade, ficamos até desanimados, pois hoje é tão difícil viver em comunidade. O que você nos tem a dizer sobre isto?
O que Paulo nos tem a dizer é aquilo que ele mesmo viveu e conheceu, tanto da sua própria experiência, como da experiência da comunidade dos primeiros cristãos em Jerusalém. A narração dos fatos vividos é o que mais ajuda a desfazer a idéia de que as primeiras comunidades fossem feitas só de gente santa sem problemas.
O livro dos Atos dos Apóstolos apresenta a primeira comunidade de Jerusalém como o ideal para as comunidades de todos os tempos. Lucas caprichou naqueles pequenos resumos que ele fez da vida dos primeiros cristãos (At 2,42-47; 4,32-35; 5,12-16). Neles, descreve não tanto o que existiu de fato, mas sim o que deveria existir sempre em toda e qualquer comunidade. O ideal da comunidade, ele o colocou bem perto da fonte, que é a ressurreição de Jesus.
Mas Lucas não escondeu a realidade dura da caminhada. Lendo nas linhas e nas entrelinhas, a gente percebe que havia muitos problemas e dificuldades. Não era gente tão santa e tão diferente de nós, como, às vezes imaginamos. Eis a lista de alguns destes problemas da primeira comunidade:1. Tentativa de Ananias e Safira de usar a comunidade para se promover (At 5,1-11); 2. Briga entre os “hebreus” (judeus convertidos da Palestina) e os “helenistas” (judeus convertidos da diáspora) por causa da assistência diferente dada às viúvas (At 6,1); 3. Tensão interna por causa da liderança nova de Estêvão: o grupo dos helenistas, ligado a Estêvão, é perseguido e deve fugir, enquanto os apóstolos, (provavelmente, o grupo dos hebreus), continuam em Jerusalém (At 8,1); 4. Tentativa de alguns de comprarem o carisma e o dom do Espírito Santo por meio de dinheiro (At 8,19); 5. Falta de gente para anunciar o evangelho (At 8,31); 6. Perseguição dos cristãos por parte dos sacerdotes (At 4,1-3) e, mais tarde, por parte dos fariseus (At 8,1-3: Saulo é fariseu); 7. Conflito entre os cristãos vindos do judaísmo e os que tinham vindo do paganismo (At 15,1); 8. Incerteza e dúvida de Pedro: não sabe como se comportar nem como enfrentar o problema (Gl 2,11-12); 9. Cobrança feita a Pedro por parte de um grupo mais conservador que não concordava com ele (At 11,2-3.18); 10. Falta de coordenação geral, pois as coisas vão acontecendo e os apóstolos só ficam sabendo depois (At 11,19-22).
Mesmo assim, apesar de todas estas dificuldades, a animação do pessoal era muito grande. Eles não desanimavam, e as comunidades cresciam (At 2,41.47; 4,4; 5,14; 6,1.7; 9,31; 11,21.24; 16,5; etc.).
As comunidades eram um novo modo de ser Povo de Deus!Ora, o mesmo vale para as comunidades fundadas por Paulo nas grandes cidades do império romano. Só que nelas os conflitos e os problemas eram bem maiores. Algumas destas dificuldades já foram vistas nesta entrevista. Vou tentar lembrá-las aqui, acrescentando algumas outras. Indico apenas o fato. Não é aqui o lugar de aprofundar este assunto. Eis a lista provisória:1. Falta de instrução até por parte de líderes como Apolo que nada entendia do batismo (At 18,25-26); 2. Continuava a influência de João Batista, a ponto de várias pessoas só conhecerem o batismo dele; nada sabiam do Espírito Santo (At 19,1-3); 3. Divisões internas por causa das linhas diferentes de Paulo, de Apolo e de Pedro (1Cor 1,12; 4,6); 4. Mentalidade grega em choque com a mentalidade judaica: o conceito de autoridade do grego é mais “democrático” (vem por discussão aberta), e o do judeu é mais “tradicional” (vem por tradição), o que foi uma das causas do conflito que havia entre Paulo e a comunidade de Corinto (2Cor 10,8-11; 12,11-18; 13,2-4); 5. Os cristãos vindos do judaísmo tinham chegado ao ponto de tentar destruir o trabalho dos cristãos vindos do paganismo: eram os “falsos irmãos” (Gl 2,4-5; 6,12-13; 1Ts 2,14-16); 6. Brigas pessoais de Paulo com Barnabé por causa de Marcos (At 15,37-39), e de Paulo com Pedro por causa da linha diferente (Gl 2,11-14); 7. Mentalidade grega que não conseguia aceitar a ressurreição (At 17,32; 1Cor 15,12); 8. Falsos doutores espalhando confusão nas comunidades (1Tm 4,1-7); 9. Problemas com a religiosidade popular dos povos da Ásia Menor (At 14,11-18); 10. O problema do lugar da mulher nas comunidades: nem tudo estava claro (1Cor 11,3-12; 14,34-35; 1Tm 2,9-15); 11. O problema dos carismas, usados por alguns para se promover a si mesmos e não para construir a comunidade (1Cor 14,1-32); 12. Falta de respeito de uns para com a fragilidade da consciência dos outros (1Cor 8,7-13; Rm 14,1-15); 13. A pretensão de alguns de usar a liberdade em Cristo como pretexto para a libertinagem (1Cor 6,12-20; 5,1-13); 14. Divisão social e falta de ordem durante a realização da Ceia Eucarística (1Cor 11,17-34); 15. Vontade de alguns de seguirem o ideal grego da vida intelectual sem trabalhar com as próprias mãos, enquanto Paulo queria exatamente o contrário (2Ts 3,10-12).
Os problemas eram muitos e o povo das comunidades não era santo nem perfeito. Era espelho do que acontece hoje, onde gente bem intencionada de diferentes origens e mentalidades decide caminhar juntos. A fraternidade é um desafio!Grande parte destes problemas eram problemas de transição. As comunidades eram o novo modo de ser Povo de Deus. A transição do modo antigo para o modo novo não foi fácil. Paulo foi o instrumento para ajudar nesta transição sem a qual a igreja teria naufragado e jamais teria chegado até nós.
Foi a transição do mundo judaico para o mundo grego; do mundo rural da Palestina para o mundo urbano da Ásia Menor e da Grécia; do mundo mais ou menos harmonioso e coerente do judaísmo para o mundo pluralista das grandes cidades do império, cheias de conflitos; de uma situação de comunidades soltas, quase sem organização, para uma situação de comunidades bem organizadas; de uma igreja fechada, feita só de judeus convertidos, para uma igreja aberta, que acolhe a todos; do período dos apóstolos, ou seja, da primeira geração de líderes, para a igreja pós-apostólica da segunda geração de líderes que já não tinham tido contato com Jesus pessoalmente; de uma igreja, cuja doutrina e disciplina vinham em grande parte do judaísmo, para uma igreja que começava a elaborar e organizar a sua própria liturgia, doutrina e disciplina; de uma religião ligada às comunidades bem situadas dos judeus da diáspora, para uma religião mais ligada ao povo pobre das periferias urbanas das grandes cidades do império romano; de uma religião que cultivava o ideal da classe dominante, para uma religião que tinha a coragem de apresentar um novo ideal de vida ao povo trabalhador: “ocupar-se das suas próprias coisas e trabalhar com as próprias mãos: assim não passarão mais necessidade de coisa alguma” (1Ts 4,11-12).
40. Olhando para trás, como é que você agora enxerga a sua vida?
A vida de Paulo tem quatro períodos bem distintos. O primeiro vai do nascimento até aos 28 anos de idade. É o período antes da conversão, em que ele vive como israelita fiel e observante. O segundo vai desde a conversão aos 28 anos até o envio para a missão aos 41 anos. Período pouco conhecido. O terceiro vai dos 41 anos até aos 53 anos. É o período das viagens missionárias. O último vai dos 53 até à morte aos 63 anos de idade. É o período das prisões e da organização das comunidades.
Apesar de diferentes, estes quatro períodos têm algo em comum: é sempre o mesmo Paulo, a fé no mesmo Deus, a pertença ao mesmo povo de Deus; é a mesma vontade de ser fiel a Deus e à sua aliança, e de chegar à justiça e à paz com Deus.
Muitas coisas da vida de Paulo já foram vistas nesta entrevista, outras jamais poderão ser vistas, pois são para sempre o segredo só dele. Pouco sabemos do primeiro período. Quase nada sabemos do que se passou entre o momento da conversão aos 28 anos e o envio para a missão aos 41 anos. São 13 anos de silêncio! Provavelmente, foi neste período que ele teve as grandes experiências místicas de que fala numa das suas cartas (2Cor 12,1-10). Pouco ou nada sabemos do que aconteceu depois da primeira prisão em Roma até a sua morte. O período mais conhecido é o das viagens missionárias. Por aí se deduz que o interesse da Bíblia na pessoa de Paulo não é tanto por causa de Paulo enquanto Paulo, mas enquanto ele é o grande animador das comunidades.
A grande novidade que marcou a vida de Paulo foi a sua experiência de Jesus ressuscitado no caminho de Damasco: experiência profundamente pessoal e, ao mesmo tempo, essencialmente comunitária, pois ela só se tornou clara e manifesta no momento em que Ananias impôs as mãos em Paulo e o acolheu na comunidade dizendo: “Paulo, meu irmão!” (At 9,17).
A experiência no caminho de Damasco foi como um diamante lapidado que recebe a luz do sol. Através das suas muitas facetas, ele fraciona a luz em múltiplas cores e dela revela, assim, as diferentes qualidades. A luz do sol é Deus que se fez presente na vida de Paulo.
O diamante é a experiência de Jesus ressuscitado. As suas inúmeras facetas fracionam a luz e dela revela as infinitas qualidades: experiência da fidelidade de Deus (2Cor 1,20); experiência da vitória sobre a morte (Cl 2,12-13; Ef 1,19-20; Rm 6,1-4); experiência do próprio nada (Rm 7,24); experiência da própria vocação e missão (Gl 1,15-16); experiência da paixão, morte e ressurreição de Cristo (Fil 3,10-11); experiência da sua pertença ao povo (Rm 9,1-5); identificação mística com Cristo (Gl 2,20); experiência profunda do amor gratuito de Deus (Rm 8,31-39)… Vale a pena fazer um levantamento e classificar todos os aspectos da experiência de Deus em Cristo, vivida por Paulo.
CONCLUSÃO: Qual a sua maior esperança?
Aqui desisto de responder. Teria que copiar a maior parte das cartas, pois tudo nelas fala de esperança. Para Paulo, Jesus é a esperança prometida e realizada do seu povo, após longos séculos de espera.
Em Jesus ressuscitado, ele encontrou a razão de ser do seu povo. Através da vida, morte e ressurreição de Jesus, o grande mistério do amor de Deus, confiado ao povo de Israel, se abriu para todos os povos. Foi esta a grande Boa Nova que Paulo descobriu em Jesus e que ele começou a transmitir no mundo inteiro.
Aquilo que apontou no horizonte do povo na época do exílio, o universalismo; aquilo que se esboçou timidamente na pequena comunidade pós-exílica e que foi retardado (mas conservado e protegido) por Esdras e Neemias; aquilo que os helenistas do tempo de Antíoco quiseram realizar por imposição autoritária e, em vez de realizar, estragaram mais ainda, provocando a reação justa e violenta dos Macabeus; aquilo que, desde o começo estava no chão do chamado, na semente do apelo, no rumo da vocação, tudo isto apareceu em Jesus Cristo!
Em Jesus desabrochou a esperança do povo judeu e, nela, se revelou a grande esperança da humanidade, o SIM de Deus às promessas e esperanças que estão no coração de todo ser humano, de todos os povos, sobretudo dos pobres.
Paulo, por uma graça especial de Deus, percebeu este mistério, esta imensa Boa Nova para toda a humanidade. Ela se instalou nele, e ele sofreu por ela. Foi a sua razão de ser! “Pela graça de Deus sou o que sou; e sua graça dada a mim não foi estéril. Ao contrário, trabalhei mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo!” (1Cor 15,10).
maria
ago 20, 2009 @ 19:40:45
Paulo apostolo que exemplo de Cristão, amo as cartas de São Paulo apostolo, elas nos educam para uma vida melhor, e nos preparam para irmos ao encontro do Pai.