Recomendações de um filósofo medieval para diálogo inter-religioso
O exemplo do filósofo medieval Ramon Llull (Raimundo Lúlio) pode ajudar o diálogo inter-religioso, a preservação das identidades e a solidariedade mútua nas atuais sociedades multiculturais.
Assim destacaram especialistas de diversos países no “Congresso sobre Inter-culturalidade”, celebrado em Andorra de 14 a 16 de maio, segundo informa a Zenit a diocese da sede de Urgel.
Seu bispo, Dom Joan Enric Vives, copríncipe de Andorra, inaugurou o congresso, promovido pelo Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, com a colaboração do governo de Andorra.
“O interesse de Ramon Llull em nossos dias radica no fato de que seu projeto missionário incluía a adoção estratégica de elementos culturais islâmicos e árabes”, destacou em sua palestra inaugural.
O beato Ramon Llull escrevia e falava em árabe, adotava fontes islâmicas, lutava para que o Ocidente cristão se interessasse pela cultura árabe e se aproximasse dela, e chegou a chamar a si mesmo de christianus arabicus e procurador dos não-cristãos, destacou o bispo.
Dom Vives destacou também a dimensão intelectual do filósofo, o único escritor do Ocidente que dirigiu no século XIII e princípios do XIV mais da metade de sua extensa obra (260 títulos) a um público árabe muçulmano, escrevendo-lhes em língua árabe.
Ao mesmo tempo, Ramon Llull desenvolveu uma intensa atividade nos centros de poder do Ocidente medieval (sobretudo Roma e Paris) e viajou ao norte da África e ao Oriente.
Para o bispo, a iniciativa de Llull foi individual e personalista, e hoje a chamaríamos de “não-
governamental”, que tinha um grande alcance temporal e espacial.
Leigo casado, pai de dois filhos e depois franciscano, Ramon Llull manteve sempre, apesar de suas experiências decepcionantes, a necessidade iniludível da relação com o “outro”.
Neste sentido, Dom Vives recordou algumas simples palavras do filósofo: que “os infiéis são pessoas como nós”.
“No final de sua vida, apesar de fracassos, incompreensões, fadiga e danos pessoais, ainda alentava os intercâmbios entre cristãos e muçulmanos, como lemos no Liber de participatione christianorum et sarracenorum”, assinalou o bispo.
Nessa obra do ano 1312, Llull pede “que cristãos bem instruídos e conhecedores do árabe vão à Tunísia para mostrar a verdade da fé; e que muçulmanos bem instruídos venham ao reino da Sicília para debater com sábios cristãos sobre sua fé”.
E acrescenta: “E talvez desta maneira, se esta prática se generalizar por todas as partes, poderia conseguir-se a paz entre cristãos e sarracenos, ao invés de que os cristãos vão para destruir os sarracenos e os sarracenos, os cristãos”.
Dom Vives valorizou o trabalho do especialista em Ramon Llull, Josep Perarnau, que desmascarou a falsificação das teses de Llull realizada por Nicolau Eymerich.
Também desejou que em breve possamos chegar a vê-lo canonizado por um Papa como Bento XVI, que, segundo alguns especialistas, tem um pensamento muito próximo ao de Llull no que se refere ao diálogo inter-religioso.
O congresso abordou, através de três grandes palestras com especialistas, a repercussão da obra de Llull, por exemplo, a contribuição de seu pensamento de tipo dedutivo e de sua teoria do conhecimento e a unidade do homem à filosofia da linguagem e à informática.
Também se tratou da fé religiosa e do realismo na perspectiva de Llull e sua contribuição para o diálogo inter-religioso, especialmente entre cristãos, judeus e muçulmanos, da inter-culturalidade e do secularismo.
Está previsto que este congresso tenha continuidade com um segundo encontro na cidade brasileira de São Paulo e um terceiro na ilha de Mallorca.