Missão e abertura eclesial
Dom Demétrio Valentini *
Este é o domingo das missões. Um dos sintomas mais positivos de renovação eclesial se encontra no despertar da consciência missionária. A missão leva a Igreja a superar seus limites, para colocar-se a serviço do Evangelho, relativizando estruturas e deixando de lado interesses institucionais.
O clima salutar para a Igreja é sempre o amplo horizonte descortinado por Cristo em sua última recordação aos discípulos: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a todas as criaturas.. estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mc 16,15 e Mt 28, 20).
O Evangelho tem irresistível destinação universal. Ele não pode ser detido, ele não deve ficar enclausurado. Esta dinâmica inata do Evangelho aparece na própria vida de Jesus, e no caminhar posterior da Igreja. E precisa retomar hoje novo impulso!
Jesus passou por sucessivas superações de limites, que pretendiam impedi-lo de levar adiante sua missão evangelizadora.
Primeiro se libertou das resistências de Nazaré, que impediam o anúncio da mensagem libertadora. “Não há profeta sem honra, exceto em sua pátria e em sua casa… Não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles” (Mt 13,58).
“Deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum” (Mt 4, 13), encruzilhada que permitia acesso a todas as direções da Galiléia. Lá, ele saiu do espaço fechado da sinagoga, para se encontrar com as multidões. (Cfr Mc1, 29 e ss).
Quando queriam detê-lo em Cafarnaum, levantou de madrugada e se pôs resolutamente a caminho da missão: “Vamos a outros lugares, às aldeias da vizinhança, a fim de pregar também ali, pois foi para isto que eu saí” (Mc 1, 38).
Assim, livre para evangelizar, Jesus empreendeu a grande empreitada de ir rompendo resistências, subvertendo hierarquias, derrubando preconceitos, desmascarando hipocrisias, proclamando a nova ordem do Reino de Deus.
A serviço do Evangelho empenhou por completo sua vida, até o seu testemunho final, colocando para sempre o fundamento da perenidade de sua mensagem, sempre atual e indispensável para a humanidade, ” em todos os lugares e em todos os tempos”.
São Paulo, o escolhido para levar o Evangelho às Nações, percebeu o lance estratégico que precisava ser feito, para libertar o Evangelho das amarras do judaísmo, para assim ser aceito pelos gentios. Com isto se abriu o caminho para o vasto campo de missão no império romano. A boa semente acolhida no fértil terreno da cultura greco-latina foi produzindo frutos copiosos, que caracterizam até hoje as feições da Igreja de Cristo.
Mas aí está hoje a nova encruzilhada para a Igreja. Ela não pode repetir os condicionamentos de Nazaré, de Cafarnaum e da circuncisão. A cultura ocidental, que soube acolher o Evangelho, não pode agora se tornar uma redoma, que condiciona a expansão do Evangelho para o mundo inteiro.
Enclausurada em suas feições históricas européias, a Igreja perdeu impulso, e se esfacelou por questiúnculas internas, desde a ruptura com os ortodoxos no início do segundo milênio, passando pelo terremoto da reforma protestante, até o atual momento de intensa fragmentação pentecostal.
A Igreja precisa recuperar os ares da missão, para romper as amarras da cultura ocidental em que ela se fechou.
Se São Paulo retomasse hoje os caminhos da missão, não seria mais um “macedônio” que lhe apareceria em sonho, chamando-o para pregar o Evangelho em terras européias. Seria certamente um tibetano, um chinês, um vietnamita, afinal se levantaria um coro pluriforme de diferentes raças e culturas, ansiosas por acolherem as sementes genuínas do Evangelho de Jesus.
O Evangelho de Cristo está solto, exclama São Paulo. Nenhuma cultura pode aprisioná-lo. Em vista da destinação universal do Evangelho, é preciso relativizar as feições européias da Igreja. É urgente desocidentalizar o Evangelho, para que ele possa ser acolhido por outras culturas e aí produzir novos frutos para o Reino e novas expressões da Igreja de Cristo.
* Bispo de Jales, São Paulo.