AF 447: Quando morrer no mar não é doce
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Para mais de 200 famílias de várias nacionalidades, desde a última segunda-feira, 1º de junho, a bela música de Dorival Caymmi não faz o menor sentido. À medida que as buscas prosseguem no meio do Oceano Atlântico, entre a Ilha de Fernando de Noronha e a costa Africana, e mais corpos são encontrados, fica claríssimo que não é doce morrer no mar.
Não foi doce para o casalzinho que acabava de casar-se e viajava em lua de mel. Nem para as crianças que apenas começavam a vida. Nem para executivos que iam a trabalho. Nem para a jornalista Adriana, amada por tantos, como demonstram as manifestações de carinho que recebe pela internet e pela mídia a cada momento. Nem para meu colega, o Prof. José Roberto, do Departamento de Administração da PUC-Rio, brilhante acadêmico e pesquisador.
Amarga foi a perplexidade dos que adormeceram após haverem se despedido de seus seres queridos e cujo despertar caiu como faca afiada sobre o coração. Amargo o despertar dos que iam ao aeroporto Charles de Gaulle esperar os que chegavam. Os rostos aturdidos, chorosos, descrentes… Não houve mais notícia que chamasse a atenção durante os últimos 15 dias. Apenas o mistério do AF 447, poderoso Airbus moderníssimo que desapareceu dos radares da Air France e dos sentidos que o buscavam ansiosos. Mistério que começou apenas a ser elucidado, após equívocos lamentáveis de informação, pelo encontro do primeiro corpo e de destroços que finalmente comprovam a tragédia.
Quando meu filho me telefonou na manhã do dia 1 para certificar-se de que eu estava realmente em solo firme, tinha razão. Quinze dias antes eu viajara no mesmo avião. É o transporte que muitos conhecidos e amigos utilizam quando vão à Europa, confiantes na tecnologia e na seriedade da companhia aérea francesa. Depois começaram a chegar as comunicações de conhecidos de fora do país, perguntando se estávamos bem, se tínhamos algum conhecido ou amigo no voo. No ar, um cheiro de mistério não decifrado e angustiante. Na mídia, as esperanças que se transformavam em certezas dolorosas e tristeza inconsolável.
Não se sabe o que é pior: a angústia de ignorar totalmente o que se passou ou a certeza do final trágico. Em todo caso, pior que tudo é e será, sem dúvida, a não transparência de informações. Não é à toa que os pilotos da Air France ameaçam greve se não forem tomadas as providências que consideram cabíveis. A vida é risco permanente, mas arriscá-la com pleno conhecimento, ludibriado pela ânsia de lucro ou pela incompetência técnica e profissional não pode ser aceito.
O resgate dos corpos continua, lento, dolorosíssimo, terrível. Infelizmente tem que acontecer. Com absoluto respeito ao desejo das famílias. Desde as que querem ser informadas de todos os detalhes até a mãe que exclamou em desabafo profundo e verdadeiro: “Esse resgate é muito doloroso. Por que não deixam minha filha onde ela está?” Antes de tudo, o respeito aos mortos e àqueles que os choram. E simultaneamente a apuração rigorosa dos fatos, com total transparência de informação, transmissão à opinião pública e punição de eventuais culpados.
Com vidas humanas não se brinca. Nem se economizam recursos. Nem tampouco se sonegam informações. A verdade é o único antídoto à dor que nunca se apagará, mas poderá ser suavizada e consolada com a esperança de que coisas assim acontecerão cada vez menos.
Do ar e do mar nos vem uma lição, juntamente com a tragédia do AF 447: a dos limites da indústria humana e do progresso. Alto pode chegar o ser humano, longe vai sua razão e inteligência, admirável é sua engenhosidade e eficácia. Porém há limites onde um dia esbarra. E apalpa sua fragilidade. E só lhe restam as lágrimas, a solidariedade. E a fé…que nos diz que aqueles que se foram não caíram no vazio. O oceano ameaçador não foi o fim. Pois suas vidas estão nas mãos d’Aquele que a todos nós cria e recria a cada dia. Vivos em Deus, eles e elas nos acompanham e intercedem na busca incessante pela verdade, e na difícil, às vezes, cruel navegação por esse mar que é a vida.