João, o Batista
Gilda Carvalho
“Eis que envio à tua frente o meu mensageiro, e ele preparará teu caminho. Voz de quem clama no deserto: Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as veredas para ele.” (Mc 1,1-3). As palavras do profeta Isaías que dão início ao Evangelho narrado por São Marcos nos dão uma pequena mostra da grandeza do homem João.
Filho de Isabel e Zacarias, judeus piedosos que, sem filhos e já idosos, viram manifestar a graça de Deus, através da chegada de João. Seu nascimento é cercado de episódios reveladores da especialidade daquele que seria o precursor do Messias. Sua mãe, já avançada em idade, era considerada estéril; seu pai, também entrado em anos, era sacerdote e duvidou da mensagem do anjo que anunciava a gravidez da esposa e, por duvidar, ficou mudo até o nascimento do menino. Por fim, o nome dado à criança surpreendeu a todos, por ser um nome não usual na família, mas Zacarias insiste no mesmo e, assim, volta a falar.
Ainda no ventre da mãe, João reconhece a presença do Messias quando Isabel recebe a visita de Maria. Este primeiro encontro, ainda no útero materno, foi um transbordamento de alegria e louvor. Suas mães eram portadoras de um mistério e, cúmplices, fizeram de seus corpos instrumentos da revelação de Deus à humanidade. A gestação de ambas seguiu um ritmo paralelo, próximo. E, juntas, foram descobrindo, aos poucos, a grandeza da maternidade, a entrega de suas vidas ao Senhor. Maria, já portadora do Filho de Deus, foi visitar sua prima Isabel e, conta a história, a serviu durante sua gravidez. Manifestava-se na Mãe, o serviço do Filho aos homens e mulheres. Isabel, portadora do Precursor, no primeiro momento daquele reencontro entre as duas primas, anunciou – como mais tarde seu filho o faria – que naquela jovem que chegava estava sendo gerado o Messias: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre!” (Lc 1, 42). Desde sempre os destinos dos dois meninos estarão ligados: se os laços de sangue os uniam na família terrena, o batista e o cordeiro de Deus serão companheiros de uma mesma missão.
Certamente outros encontros familiares se seguiram àquele primeiro. Brincadeiras de infância, cerimônias, descobertas… Anos se passaram até que nas águas do rio Jordão os primos voltaram a se encontrar, já adultos. João vivia com austeridade, pregando uma vida de conversão: era necessário que os caminhos fossem preparados para a chegada do Senhor. Era preciso que cada homem renascesse, se fizesse novo, para encontrar a Novidade. Após longo período de isolamento, João iniciou sua vida pública, anunciando que o Messias estava próximo. E foi nas margens do rio Jordão onde João exercia seu ministério, que aconteceu um novo encontro com seu primo Jesus. O Mestre, a quem João se referia como “aquele de quem não sou digno de desatar as correias de suas sandálias” (Mc 1, 7), pediu o Batismo a João, O homem Jesus que chegou às margens do rio queria ser batizado por João porque estava prestes a abraçar aquele mesmo caminho que o primo anunciava. E, cúmplices do Mistério tal como suas mães, vêem o céu se abrir e o Espírito do Senhor se manifestar na forma de uma pomba e escutam o próprio Deus falar: “Tu és meu Filho amado, em ti está o meu agrado” (Mc 1, 11).
João batizava na água e, até hoje, seguimos seu exemplo nos rituais cristãos do Batismo. O elemento da vida é usado pelo Batista como o símbolo da nova vida em Cristo. Contemporâneo do Messias, homem intrigante e instigante, figura forte no tempo litúrgico do Advento, João nos convida a permanecermos em constante atitude de conversão.
Água e Espírito se apresentam como sinais de conversão. Um lava, o outro restaura. A água tem sua natureza ligada à geração e à manutenção da vida humana. Simboliza a purificação, o renascimento. O Espírito salva, redime, fortalece, torna divino o que é humano. João batizava com a água. Era o batismo simbólico do Precursor, cuja liturgia até hoje celebramos. Dizia que depois dele viria um outro – Jesus – que nos batizaria no Espírito. Era o anúncio do maior dos profetas, de que a salvação era chegada através do Espírito de Deus manifestado em Jesus Cristo, que revelaria com sua vida o caminho para Deus: conversão – misericórdia – amor – serviço. O mesmo caminho anunciado por João Batista. Era Deus revelado àqueles homens que a própria vida uniu por laços familiares e por ideais.
O culto a São João Batista é celebrado desde os primórdios do Cristianismo e, é o único santo da Igreja para o qual se celebram duas solenidades: uma que marca o seu nascimento (24/06) e, a outra, em que se comemora o seu martírio (29/08). No Brasil, é costume celebrá-lo com a tradicional festa de São João, com danças, músicas e comidas típicas, e que reúne milhares de pessoas em todo o país.
Que João possa continuar a nos apontar o Mestre que passa, como outrora apontou aos seus discípulos e, através do precursor possamos também reconhecer no Homem de Nazaré o Cordeiro de Deus. Que possamos também nós seguir este caminho que João Batista e Jesus de Nazaré nos anunciaram. Só assim, estaremos vivendo em plenitude nossa condição de batizados e batizadas, membros do povo de Deus.
Texto para oração: Lc 1, 27-66.80