12º encontro Intereclesial de CEBs: a atualidade da Palavra
Marcelo Barros
A Bíblia continua a ser o livro mais traduzido e editado no mundo. Ao mesmo tempo, ganha uma infinidade de interpretações que dão origem a centenas de movimentos e Igrejas. Cada texto é passível de múltiplas interpretações, de acordo com o contexto e lugar social a partir do qual é lido. Deus se revela em palavras humanas e culturais e não através de uma doutrina dogmática. Sua revelação ao mundo se dá na natureza e na história. Sendo na história que evolui, tem uma meta. Na Bíblia, encontramos costumes antigos com os quais não concordamos, como guerras sagradas, escravidão de seres humanos, um sistema patriarcal e opressor da mulher, pena de morte e vários outros elementos que faziam parte das culturas antigas. A revelação divina mostrou que estes elementos devem ser superados. Uma vez, o próprio Jesus comentou um destes costumes ao dizer: “Foi por causa da dureza do vosso coração que naquela época era assim, mas este não era o projeto divino original” (Cf. Mt 19, 8). A revelação se dá à medida não que estes costumes viram dogmas, mas que a evolução da história ajuda em sua superação e crítica. Seja como for, através dessa inserção na história e na cultura de um povo, o Espírito vai conduzindo os acontecimentos para um projeto divino de amor e justiça. Para se ler e compreender bem a Bíblia, um bom método é ir descobrindo e seguindo este fio condutor da história que avança para um ponto culminante: a interiorização do Espírito Divino nos seres humanos e no universo, assim como a conseqüente transformação do mundo.
Nesta semana, em toda a América Latina, muitas comunidades lembram que no dia 20 de julho de 1979, há exatamente 30 anos, o frei Carlos Mesters e um grupo de amigos criaram, em Angra dos Reis, RJ, o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), entidade ecumênica e de cunho pastoral, cujo objetivo é devolver ao povo mais pobre a capacidade de ler e compreender a Bíblia, assim como a possibilidade de ligá-la à vida concreta e à caminhada da libertação dos camponeses, dos índios e do povo das periferias urbanas.
Quem conhece de dentro, nas últimas décadas, a história das comunidades eclesiais de base e das pastorais na América Latina sabe a importância que teve a forma de ler a Bíblia desenvolvida pelo CEBI para a caminhada de inserção das Igrejas cristãs no meio dos movimentos populares e no processo social e político, hoje, em curso no continente. Há até quem se pergunte se a evolução política de vários países latino-americanos teria ocorrido, do modo como está se dando, sem a participação ativa das comunidades e do seu modo de ler a Bíblia. O CEBI deu origem ou ao menos inspirou diversos centros e institutos de estudo popular da Bíblia, em vários dos nossos países.
Esta leitura da Bíblia que parte da fé e se liga à vida e às lutas do povo é o fruto mais maduro e comum de uma espiritualidade e teologia da libertação. Nunca foi majoritária ou hegemônica em nossas Igrejas, menos ainda nestes tempos de marketing religioso e de todos os tipos de shows missa e cultos eletrônicos, tanto católicos, como evangélicos. Certamente, o melhor fruto do Centro Bíblico (CEBI) no Brasil é o fato de que, apesar de muitas dificuldades e de não poderem contar com o mesmo apoio espiritual e humano que, há vinte anos, ainda recebiam por parte de muitos bispos e pastores, as comunidades eclesiais de base continuam espalhadas em todo o país e perseveram em sua caminhada espiritual.
Nesta semana, em Porto Velho, RO, se reunirão 3500 ou 4000 pessoas, entre cristãos de base, lavradores, pessoas de periferia urbana, negros e índios, além de teólogos e teólogas, assessores das comunidades, bispos católicos, pastores evangélicos, padres, religiosas e convidados internacionais. É o 12º encontro Intereclesial de CEBs; um encontro nacional das comunidades eclesiais de base, que, desde 1975, se reúne mais ou menos de quatro em quatro anos e, pela primeira vez, acontece na Amazônia. O tema geral desta vez, como não poderia deixar de ser, é “Ecologia e Missão”. O lema que se desenvolve em vários outros itens é “Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”. Neste momento de medidas provisórias que entregam a grileiros a possibilidade de ficarem com mais terras e de assegurarem o desmatamento já tão violento, é importante este movimento sobre a defesa da Amazônia e de seu bioma.
O encontro segue o itinerário metodológico do “ver, julgar e agir” e tem como objetivo, não tanto redigir documentos ou realizar ações novas em nível nacional, mas animar e apoiar a caminhada das comunidades de base e de muitas pessoas que, em todo o Brasil, olham com esperança para este encontro.
Os grupos de base ficam felizes em saber que não estão sozinhos e que, apesar de não pretenderem ser uma massa, ou terem a força de marketing de alguns grupos religiosos de hoje, de qualquer forma, recebem uma força afetuosa e espiritual uns dos outros e continuam o caminho da profecia. Viver esta proposta é algo acessível a todos, mas em um mundo como o nosso, não é escolha de multidões. Sem se fechar em pequenas seitas, as “minorias abraâmicas”, como chamava Dom Hélder Câmara, são sinais e instrumentos de um novo mundo possível.