Os pais em uma sociedade educadora
Marcelo Barros *
Fonte: Adital
A comemoração do dia dos pais tem sempre forte apelo comercial, mas não deixa de suscitar fortes emoções, seja para quem pode abraçar seu pai, seja para as pessoas cujo pai já partiu para a eternidade. Esta data foi inventada, em 1953 pelo jornal O Globo, no contexto de uma crise política, “para permitir que os filhos homenageassem a figura heróica do chefe de família que, nestes dias, atribulados e difíceis, é o responsável pela preservação dos laços cristãos que mantêm unida a família brasileira” (Cf. O Globo, 05/ 08/ 2005).
Atualmente, a realidade política é mais estável e a sociedade é pluralista, ou seja, cultural e religiosamente diversificada. A família tem uma estrutura de convivência diversa e a comemoração do dia dos pais tem outro contexto e finalidade. Festejar o dia dos pais pode ser boa ocasião para se refletir sobre o exercício da paternidade, seja dos homens que têm a graça e a responsabilidade de ter gerado vidas, seja de outros que, mesmo sem ser pais biológicos, são responsáveis por uma paternidade afetuosa e espiritual.
Todo mundo pode ter amigos e amigas, mas cada ser humano tem apenas um pai e uma mãe. Em seu tempo, São Paulo escreve a uma comunidade que acompanha: “Embora vocês possam ter dez mil instrutores, não têm muitos pais. Só eu os gerei no Cristo” (1 Cor 4, 15).
As figuras de pai e mãe são, de tal forma, responsáveis pela estruturação da personalidade que é comum as pessoas idealizarem o que seria o pai ou a mãe perfeitos. Muitas mensagens que circulam no dia dos pais falam de um pai maravilhoso que, dificilmente, pode ser assim na vida concreta.
Hoje, no Brasil, uma em cada três crianças que nascem não tem como festejar o dia dos pais. Não por ser pobre ou por algum desastre natural, mas porque seu pai não a assumiu. Na certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe. Todos os anos, no Brasil, nascem cerca de 800 mil crianças, frutos desta situação desumana (revista Época, 27/ 07/2009).
Ser pai no plano biológico é relativamente fácil e existem, hoje, técnicas genéticas que garantem isso para quem tenha alguma dificuldade. O desafiador é ser pai na construção amorosa de uma história humana. Trata-se de acompanhar contínua e generosamente outro ser em crescimento e que precisa de uma figura de educador como referência. Mesmo em uma sociedade na qual a maioria das famílias tem, cotidianamente, de lutar para sobreviver e garantir o seu trabalho, é importante assegurar o tempo de diálogo com os/as filhos/as, no qual estes possam ser confirmados e estimulados a sempre crescer na descoberta de novos valores e na relação benéfica entre escola e vida.
Na maioria das famílias brasileiras, é a mãe que, cada dia ou à noite, pergunta à criança pelo dever de casa. Embora, muitas vezes, nem ela mesma tenha segurança na matéria, confirma o filho ou filha no estudo. É importante que o pai, como homem, cumpra também a função de estimulador do crescimento educacional da criança ou adolescente. A escola cumpre um papel fundamental, mas só o apoio afetivo do pai e da mãe motivam a criança a avançar na escola e no caminho da educação integral. É por garantir este cuidado que o pai, mesmo se não teve as mesmas condições de estudar, pode sentir-se atualmente gerador contínuo de vida e crescimento para seus filhos. Ao fazer isso, ele vai constatar como tinha razão o poeta Vinícius de Moraes ao dizer no Poema Enjoadinho, que os filhos dão um trabalho imenso, mas, ao mesmo tempo, “que felicidade que os filhos dão!”.
Ser pai significa assumir encargos sociais e humanos. Entretanto, para quem crê, é principalmente aceitar ser imagem de Deus-Amor, principalmente para as pessoas que nos olham como pai ou mãe.
* Monge beneditino e escritor