Um sinal chamado Intereclesial das Cebs
Paulo Sérgio Vaillant *
Fonte: Adital
O cotidiano de uma pessoa de fé é sempre prenhe de “sinais”. A maioria destes sinais é muito sutil e quase invisível a olho nu. No entanto, o XII Intereclesial das CEBs, celebrado recentemente em Porto Velho-RO, de 21 a 25 de julho 2009, foi, sem sombra de dúvidas, um evidente “sinal do Reino de Deus”.
Este “sinal chamado intereclesial das CEBs” abundou em manifestações simbólicas visíveis, tais como: fé, indignação e esperança; acolhimento-fraternidade-solidariedade e cuidado; serviço-justiça-participação e profecia; ecumenismo-comunhão-respeito-unidade-sinergia e bem querer; festa-criatividade e alegria; missão-luta-testemunho e martírio; memória-sonhos e utopias. E, parafraseando Jesus Cristo e o apóstolo Paulo, podemos dizer que de todos os sinais aí vivenciados, o maior deles é o “AMOR”.
Utilizando uma metáfora criada por Leonardo Boff, podemos dizer que as CEBs na América Latina e, particularmente no Brasil, são como “brasa sob cinzas”, que necessitam apenas de um sopro para que possam incendiar corações capazes de revitalizar a Igreja, para que ela seja sempre mais, o que ela tem como missão primeira de ser: “sinal do Reino de Deus no mundo”. Neste sentido, podemos dizer, sem sombra de erro, que este XII Intereclesial significou um verdadeiro “sopro do Espírito”, sobre esta camada de cinzas poluídas e poluentes que insistem em tomar conta de nosso planeta e de nossas igrejas.
É preciso acreditar na força dos pequenos e dos pobres, nos recordava o irmão Moacyr Grechi, bispo anfitrião deste 12º Encontro Intereclesial das CEBs, em sua saudação de acolhida e abertura, citando um pensamento profético africano que diz: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes consegue mudanças extraordinárias”. Talvez, seja esta uma das mais pertinentes e exatas definições de CEBs já elaboradas até os dias de hoje.
Durante todo o encontro muita gente comentava sobre este pensamento. O próprio Dom Moacyr, surpreendeu-se no momento da bênção de envio e despedida, interrompendo-a e dizendo: “agora mesmo me dou conta ao dizer: ‘viva esta bênção de Deus em vossas ‘pequenas’ comunidades”; “a salvação vem dos pequenos” e seguiu com um sorriso feliz emocionado, cruzando o tríplice Sinal da Cruz, sobre uma multidão também comovida e contente.
Diversas foram as imagens que rondaram minha memória e meu coração após o longo vôo de quase 5.000 Km entre o Norte e o Sudeste onde vivo. A primeira imagem é a do carinho, cuidado e confiança de Yavhé pelo “resto de Israel”; A segunda a do “pobre de Yavhé” que fala Isaías; A terceira foi aquela da emoção e alegria de Jesus Cristo no retorno da missão missionária dos 72 discípulos/as quando Ele disse: “Eu te dou graças ó Pai, porque ocultastes estas coisas aos sábios e inteligentes e a revelastes aos pequeninos”. Outra é aquela do sermão das Bem-aventuranças: “Bem Aventurados os pobres, os que têm fome, os que choram, os odiados, os rejeitados, os insultados”. Por fim, no episódio narrado no Evangelho da liturgia de encerramento do XII Intereclesial que diz ter sido “um menino” que deu tudo que tinha para comer a Jesus Cristo, para que fosse repartido com todos (Jo 6, 1-15). O resultado nós já o conhecemos, foi o sinal da solidariedade. Falta-nos apenas crer verdadeiramente no significado deste “sinal” que, de certa forma foi experimentado durante este Encontro em Porto Velho, como outrora, também por umas “5.000 pessoas”.
Éramos 3.010 delegados assim distribuídos: 2.174 leigas/os (1.234 mulheres e 940 homens), 331 presbíteros, 197 religiosas, 41 religiosos irmãos, 56 bispos católicos, dentre os quais 01 da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, 38 pajés, 01 pastora Luterana, 02 pais de Santo, 01 pastor evangélico japonês, 01 rabino Judeu e 01 líder mulçumano. Estavam presentes povos de 38 nações indígenas, 10 países Latinoamericanos e Caribenhos, 05 países Europeus, 01 Africano, 01 Estado Unidence e 01 Asiático. A presença da juventude organizada foi muito expressiva. No entanto, além de muitas lideranças convidadas, estavam também centenas de voluntários organizados em dezenas de equipes de serviços e centenas de famílias acolhedoras que nos hospedaram com tanto carinho. Tudo gratuitamente. Isso por si só, é também um “sinal” evidente do Reino de Deus.
Outro sinal forte e evidente neste encontro é a própria Amazônia, com tudo que ela significa e representa hoje para a humanidade. Para muitos, a Amazônia representa o “pulmão do planeta”, para outros o “coração”. Para as CEBs ela representa o “Ventre” donde vem a vida verdadeira. Ela pode ser associada às palavras do Apóstolo Paulo na carta aos romanos quando diz: “A terra geme e sofre como uma mulher em dores de parto”.
Numerosos são os “gritos” quem vem da Amazônia e ecoam em nossos corações e mentes, como indignação por tanto sofrimento, descaso e exploração nociva e mercantil, que relativiza sua exuberante e vital função e beleza. Um exemplo são os grandes projetos desenvolvimentistas implementados na Amazônia que inclui hidrelétricas, estradas, portos, aeroportos e priorizam o Agro-negócio de monoculturas para exportação em detrimento da agricultura familiar e das culturas milenares dos povos da floresta, dos ribeirinhos e camponeses.
Este grito é um grito simbólico, mas também real!
Gritam os povos indígenas que exigem demarcação e homologação de suas terras, sossego e respeito para que possam viver em paz e preservando sua cultura.
Gritam os povos ribeirinhos há tanto tempo atormentados por pescadores predadores comerciantes e agora ameaçados pelos grandes projetos acima citados.
Gritam os seringueiros que ainda vivem em situação de semi-escravidão e que necessitam da floresta de pé para que possam viver.
Gritam também os povos marginalizados urbanos que são maioria em nossas grandes e médias cidades e que aumentam cada dia mais, como conseqüência de uma política industrial que resiste em fazer uma verdadeira Reforma Agrária e Agrícola neste querido continente Latino Americano e Caribenho.
Estes gritos que vem da Amazônia, ecoam no coração das CEBs de todo o Brasil e no coração de todas as pessoas, movimentos e instituições que acreditam na força da fé e na capacidade humanista de todo ser verdadeiramente humano em todo o planeta. São gritos indignados que provocam indignação e nos levam a encarná-los em lutas concretas de justiça comprometidas com a construção de outros mundos possíveis, fundados na justiça e na solidariedade, tendo nas CEBs um lugar privilegiado para fecundar, crescer e produzir abundantes e saborosos frutos.
Regressamos da Amazônia, conscientes e sensibilizados/as pelo “grito que vem do ventre da terra” e confirmados/as no e pelo “Caminho”. Nossa missão é a mesma de Jesus Cristo: salvar integralmente da Vida criada por Deus Pai e santificada pelo Espírito Santo. Defendê-la sempre onde há maior perigo e dor.
Aos poucos cresce nossa consciência humana e cristã, de que somos parte de um todo e de um mesmo corpo vivo chamado planeta terra, que também poderia ser chamado de “planeta água”. Neste sentido, nosso compromisso sócio-pastoral, como discípulos/as missionários/as de Jesus Cristo, nas Comunidades Eclesiais de Base, deve ser, a partir de agora, um compromisso “ecologicamente correto e sustentável” em todas as nossas ações pessoais e/ou institucionais.
Que as CEBs possam, cada dia mais, incluir em sua missão, o cuidado com o meio ambiente de forma integral. O irmão e teólogo Leonardo Boff chegou a sugerir que as CEBs possam ser, além de “comunidades eclesiais de base”, “comunidades ecológicas de base” nesta incansável luta pela vida verdadeira. Fiquei ainda pensando: ‘oxalá, sejamos também, comunidades ecumênicas de base’. Basta de divisões, superemos nossas divisões, cultivemos a tolerância e construamos a unidade na diversidade.