Identidade de Cristo e da Igreja
Silvano Fausti
O Evangelho de Lucas apresenta, no capítulo sexto, uma síntese da catequese batismal. Apresenta o argumento fundamental da evangelização: o rosto do Filho que revela o do Pai, que é espelho do nosso. É um autorretrato de Jesus, que expressa o que ele é e faz. A escuta desta palavra constitui a Igreja; e a Igreja é assim porque cumpre esta palavra. Ela é o princípio e o fim de nossa vida: é a própria vida de Deus, oferecida a cada homem. O discurso começa felicitando os pobres e sentindo pesar pelos ricos. A lógica de Deus dá volta à do mundo. O reino de Deus é o dos pobres já no presente. Seu futuro – saciedade, alegria e exultação– é deixado sob nossa responsabilidade: o que fazemos para eles, salva-nos mais do que eles (Mt 25, 31-46). Deus é amor que não possui nada, mas dá tudo, também a si mesmo. Ele é justamente desta maneira. O pobre está na condição ótima para ser como Ele: ao não ter nada, ele só pode se dar. É um vazio que pode receber tudo, também o próprio Deus. Os ricos, ao contrário de Deus, estão cheios de si mesmos e já possuem tudo. Mas possuir outras coisas e a si mesmos é egoísmo, fonte do mal. Injustiça e fome, ódio e guerra, exclusão e luta: tudo isto vem do desejo ardente de possuir. O homem quer justamente ser como Deus. Mas a falsa imagem do Pai, sugerida pela serpente, perverte o nosso desejo de vida em morte.
Para Santo Inácio, a “sagrada doutrina”, ou seja, a essência do cristianismo, é o “estilo” de Jesus traçado nas bem-aventuranças. Ele envia os apóstolos para educar cada pessoa para amar a pobreza, o serviço e a humildade, em vez da riqueza, poder e orgulho. Só assim chegamos a ser semelhantes a Deus e podemos conhecê-lo: o semelhante é reconhecido por seu semelhante. Por isso a evangelização não é per se “falar do Senhor”, senão “dar depoimento sobre ele” com a própria vida. Falar dele sem dar depoimento é a primeira causa de ateísmo!
Deste fundamento de valores nasce um modo diferente de viver que realiza um mundo novo. O outro já não é o inimigo que odeio, senão um irmão que amo. Desta maneira chego a ser como Deus, que atua assim. A lei da liberdade, própria do amor, é a do Filho: “Sejam misericordiosos (= uterinos, maternos), como o Pai é misericordioso”, que não julga nem condena, senão que perdoa e dá tudo.
Quem tem este espírito de pobreza, amor, misericórdia, entrega e perdão, chega a ser evangelho vivente. Um evangelizado que evangeliza de muitos modos. “Testemunha” de Jesus: com sua mesma identidade e relevância de Filho. Esta identidade o torna “sal da terra” que dá sabor a cada realidade (Mt 5,13), “pequena semente” que chega a ser a grande árvore do reino (Mc 4, 30ss), “fermento” escondido que fermenta toda a massa (Lc 12, 20). Esta identidade escondida, pequena e invisível, gera sua relevância: é “perfume de Cristo” que se difunde ao seu redor (2 Cor 2, 14ss), “luz do mundo” que mostra a todos a verdade (Mt 5, 14a; Jn 8, 12), “cidade sobre o morro” que manifesta um modo formoso de estar juntos (Mt 5, 14b), “eco” da Palavra que se difunde por todas partes (1Tes 1, 9ss), “imitador” do Apóstolo e “modelo” para todos (1Tes 1, 6-7). A evangelização cresce por imitação de modelos que apresentamos. O discurso batismal de Lucas propõe como modelo a imitação do próprio Jesus (1Cor 11,1), o Filho que é o rosto do Pai. Se não age como ele, constrói sobre rochas: chega a ser da casa com Deus (Ef 2, 19-22). É o contrário de quem constrói “sobre areia”: tudo o que faz cai. E sua ruína é grande.