Limites e potencialidades
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Insegurança e medo, tristeza e angústia, fracasso e frustração, impotência e fragilidade, sensação de inutilidade e solidão, dúvida e desencanto – eis um desfile de palavras que costumam nos levar à mais absoluta nudez. Vemo-nos repentinamente nus e sós, órfãos e perdidos, desarmados diante das intempéries e adversidades da existência.
Tudo isso, porém, não deixa de ser um espelho cheio de ambiguidade: reflete , simultaneamente, a própria fraqueza e debilidade, mas também a possibilidade de mudança. Espelho tanto mais vivo e veraz quando retrata uma “situação limite” de doença, separação, desemprego, morte, amor não correspondido… As forças nos abandonam, tudo se torna escuro, nossa pequena embarcação permanece à deriva das ondas turvas e bravias. As tribulações, tormentas e a tempestade não deixam ver o farol e o porto, e menos ainda acertar o rumo da travessia. Noite sem estrelas, deserto sem oásis, floresta sem trilhas!
Semelhante nudez, por outro lado, e por mais paradoxal que pareça, também pode converter-se numa oportunidade de reflexão e retomada. Uma experiência que, quando levada em consideração e estudada a fundo, nos traz verdadeiras lições de vida: trata-se, ao mesmo tempo, de trevas que trazem nova luz, de desespero que reacende a chama de novas esperanças, de uma cegueira que se abre a novas formas de visão, de limites que revelam novas potencialidades.
Trevas e luz. As trevas nos envolvem numa atmosfera sombria e desoladora, deixando-nos cegos diante do porvir. Ao mesmo tempo, porém, desafiam a acender uma vela, uma por menor que seja. A pequena chama multiplica-se, outros podem também acender a sua. Pouco a pouco, em raios cada vez mais amplos, a luz vai vencendo a escuridão, iluminando o ambiente e devolvendo a capacidade de identificar o caminho. Numa palavra, as trevas momentâneas representam um estímulo não só para si mesmo, mas também para a solidariedade dos demais.
Desespero e esperança. O desespero costuma quebrar as pernas de qualquer pessoa. A dor entorpece, os ânimos se murcham e se apagam. A primeira reação é fugir de tudo e de todos, refugiar-se na solidão e no isolamento, entregar-se ao pranto, curtir um sofrimento que, à primeira vista, parece não ter remédio. Mas logo secam as lágrimas que embaçavam as coisas e pessoas. Um raio de esperança cruza o espaço carregado de nuvens, as águas se precipitam, limpam o céu e abrem perspectivas no horizonte. Contaminados por sua energia elétrica, outros raios surgem daqui e dali, refaz-se a confiança. A cabeça se ergue, as pernas se equilibram e, passo a passo, retomamos o percurso da vida. O desespero traz em si a semente de novas esperanças.
Cegueira e visão. Aqui, o exemplo clássico é a conversão de Saulo, o perseguidor, em Paulo, o grande apóstolo do Senhor, no caminho de Damasco (At 9,1-19). Saulo dizia-se um “judeu irrepreensível”, estudioso da escola de Gamaliel, profundo conhecedor da lei e dos preceitos da religião do seu povo, o judaísmo. Mas todo seu conhecimento não passa de cegueira diante da luz do Ressuscitado. No encontro dom Este, perde a visão e necessita de alguém que o conduza até a cidade. Ali, mesmo com toda a sua pretensa sabedoria, Saulo vê-se constrangido a pedir conselho ao discípulo Ananias sobre o que deveria fazer. E assim torna-se Paulo, “o apóstolo de todas as gentes”. A perda da vista (cegueira) fê-lo enxergar com os olhos do coração e da alma (fé e esperança).
Limites e potencialidades. Enquanto os limites e imperfeições de qualquer pessoa afloram imediatamente à tona, suas potencialidades costumam surgir lentamente, com o passar do tempo. Disso resulta, por um lado, a facilidade com que apontamos os defeitos dos outros e, por outro, a demora em reconhecer suas energias positivas. Todo limite, porém, quando dele tomamos consciência, pode estimular um processo de superação. Nisso o ser humano se diferencia dos outros animais. A cada minuto, a cada hora, a cada dia é capaz de superar-se a si mesmo, tornando-se superior às próprias imperfeições. Não raro o limite converte-se, ele mesmo, numa espécie de trampolim para um salto de qualidade.
Reykjavik, Islândia, 5 de julho de 2014