Ano Sacerdotal: o Pe. Charles de Foucauld (I)
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Neste Ano Sacerdotal, escrever sobre o padre Charles de Foucauld é um dever e um prazer. Dever por ser ele permanentemente um inspirador de muitas vidas sacerdotais, sobretudo para aqueles padres membros da Fraternidade Sacerdotal “Jesus-Caritas”. É também um prazer porque na vida de Charles de Foucauld, podemos tocar o mistério do amor de Deus. Charles nasceu em Estrasburgo, a 15 de setembro de 1858, de família nobre, cujo lema era: “jamais voltar atrás”. A perda dos pais aos seis anos de idade deixa-lhe na alma dolorosa ferida. O avô materno, coronel do exército, cuida de Charles. A família optou pela nacionalidade francesa.
Charles conclui o ensino médio com os jesuítas em Paris. Começa então a preparar-se para a carreira militar, mas é despedido da escola por indisciplina. Aos 16 anos considera ter perdido a fé: “eu que desde minha infância havia estado envolto por tantas graças, filho de uma mãe santa…eu me afastava cada vez mais de vós, Senhor. Toda a fé havia desaparecido de minha vida”, escreveu ele mais tarde, Em 1878 seu avô morre, deixando-lhe considerável fortuna que ele começa a dissipar rapidamente. Entra na Escola de Cavalaria e ganha o último lugar em uma trma de 87 estudantes.
Na guarnição de Pont-à-Mousson vive na farra e perde a credibilidade ao se envolver com uma jovem de má reputação, conhecida por Mimi. Quando seu regimento é enviado para a Argélia, Charles leva Mimi como se fosse sua esposa. Descoberta a fraude, o Exército quer licenciá-lo. Ele recusa, preferindo ficar inativo. Volta à França. Em 1881, ao saber que seu regimento está participando de uma ação perigosa na Tunísia, Charles abandona Mimi e pede reintegração nas fileiras do exército, reunindo-se de novo a seus companheiros. Por oito meses se porta como excelente oficial, apreciado tanto por seus superiores como pelos soldados. De 1882 a 1886 vive uma experiência nova. Em 1882, seduzido pela África do Norte, deixa o exército e se instala na Argélia, preparando-se para uma viagem de “Reconhecimento de Marrocos”. Aprende árabe e hebráico. Viaja clandestinamente por Marrocos disfarçado de rabino arriscando sua vida em várias viagens. Impressionam-no as orações dos muçulmanos: “o Islã produziu em mim uma profunda transformação, uma revolução interior”.
Fica noivo na Argélia, mas acaba abandonando o projeto de se casar em razão da oposição da família da noiva. “”Volta à França e põe-se a escrever seu livro “O Reconhecimnto de Marrocos”, trabalho que lhe mereceu a medalha de ouro da Sociedade Francesa de Geografia. Vive então com sobriedade e se interroga sobre a vida interior, sobre a vida espiritual. Entra nas igrejas, sem fé, e repete este prece estranha: “Deus meu, Deus meu, se existis, fazei que eu vos conheça”. No final de outubro de 1886, Charles entra na igreja de Santo Agostinho e pede ao Pe. Huvelin, que lhe fora apresentado por uma prima, algumas explicações sobre religião. O Pe. Huvelin convida-o com veemência a ajoelhar-se e a se confessar. Ele o faz e recebe imediatamente a comunhão. Começa a partir deste dia, uma nova vida, despontando a vocação para a vida religiosa.
Em 1.888 viaja para Terra Santa e Nazaré lhe toca profundamente a alma. Retornando à França, doa todos os seus bens para sua irmã e faz vários retiros com o objetivo de encontrar uma ordem religiosa na qual entrar. Seu desejo é viver “a vida oculta do humilde e pobre trabalhador de Nazaré”. A trapa lhe parece a melhor escolha. É sua esta frase: “Tão logo cri que havia um Deus, compreendi que não podia fazer outra coisa senão viver para Ele”. Caro(a) leitor(a), por hoje paro por aqui. Esta frase merece nossa consideração, sobretudo em um momento em que se profetiza a inexistência de Deus, como o faz o cientista inglês Dawkins: “Nossa existência é o fantástico produto do acaso. Não desperdice esta vida; outra não haverá”. Mas também quantos são os que afirmam crer em Deus e vivem como se Deus não existisse! A fé na existência de Deus, não chega a penetrar na vida. Professam com a boca a fé e vivem na idolatria do dinheiro, do prazer e do poder. Vão à igreja aos domingos e, durante a semana, cuidam egoisticamente de seus interesses, esquecidos da sorte do próximo. Todos nós somos chamados à santidade.
Cabe-nos sempre de novo perguntar-nos sobre a coerência de nossa vida com aquilo que afirmamos crer. Jesus nos ensinou que o primeiro e maior mandamento é este: “amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com toda a tua força. E o segundo mandamento é: amarás o teu prósimo como a ti mesmo. Não existe outro mandamento maior do que estes”(Mt 12,30-31). No próximo artigo veremos como Charles de Foucauld viveu intensamente esse amor.