Mandacaru florido e ficha limpa
Maria Clara Lucchetti Bingemer
O Congresso recebeu recentemente uma proposta para impedir a candidatura dos políticos com a ficha suja na Justiça. O projeto tem apoio de 1,3 milhão de assinaturas.
Os documentos com as assinaturas foram colocados em frente ao Congresso Nacional. É o resultado do esforço de voluntários de vários pontos do país, que percorreram com grande sacrifício zonas inóspitas em busca das assinaturas para dar força e credibilidade à proposta e esperança de que seja aprovada.
À Frente da coleta de assinaturas está o Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral (MNCCE), do qual faz parte a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A palavra desta se fez ouvir pela boca de seu secretário-geral, Dom Dimas de Lara Barbosa: “O nosso objetivo é lutar cada vez mais pela ética na política e a ética no trato da coisa pública”.
Faz sentido. Se o Evangelho, de cujo anúncio a Igreja é encarregada e portadora, pretende instaurar o Reino da paz e da justiça, a luta política, por uma polis onde reine o bem e de onde a corrupção esteja cada vez mais banida e extraditada deve ser um componente constitutivo e constante.
O projeto proíbe que políticos que já tenham uma condenação em processo proposto pelo Ministério Público disputem eleições. A regra valerá para condenações em segunda instância por crimes graves, tais como corrupção, desvio de verba pública, tráfico de drogas, homicídio e estupro. “O objetivo da sociedade brasileira, expressada nesse projeto de iniciativa popular, é realizar profundas mudanças no cenário eleitoral, permitindo que, cada vez mais, a política seja identificada como uma atribuição para pessoas de bem”, explicou Marlon Reis, do Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral.
Como suspira e deseja o Brasil chegar a esse ponto em que a política seja, de fato, o exercício da arte de praticar o bem, de administrar harmoniosamente os bens da criação e exercer o poder como serviço da justiça e da paz. Os últimos e lamentáveis episódios que afogaram o Senado – que deveria ser a mais respeitável das casas – num mar de lama inimaginável e lamentável colocaram esse ideal a uma distância aparentemente inalcançável.
Há um travo amargo e descrente na boca de cada brasileiro que vê seu país mergulhar cada vez mais fundo no descrédito feito de irresponsáveis e nefastos conluios e a cada dia desperta lendo nos jornais uma notícia mais hedionda de novas catástrofes éticas, não sabendo mais em quem confiar, para onde dirigir seu voto, a quem encarregar de governar seu país.
A notícia de que o projeto da ficha limpa conseguiu recolher mais de um milhão de assinaturas é alentadora e refrescante como a brisa suave de que fala a Bíblia judaica que sinalizava a presença de Deus para o profeta Elias. O ar se purifica, respira-se melhor, os olhos voltam a brilhar. Faz bem sabermos que a sociedade civil não está totalmente passiva e abúlica, resignada a deixar-se afogar em lama e podridão. E que a Igreja volta a assumir seu papel profético no seio dessa sociedade.
Mas, não vamos negar, faz mais bem ainda ver os cidadãos comuns, simples, os eleitores, trabalhadores, pessoas honestas e honradas que só têm por si sua dignidade e sua honestidade, se levantando e clamando por seus direitos, com esforço e sacrifício. Vamos admitir: é de arrepiar ouvir o comovente depoimento de Arimatéia Dantas, do Piauí, que dá bem a medida do que foi essa mobilização voluntária: “Nós percorremos o calor do Piauí, e era um sofrimento, tinha lugares que só tinha mandacaru e a gente colhendo assinaturas”.
Como no xote de Luis Gonzaga, “mandacaru quando ‘fulora’ na seca é sinal que a chuva chega no sertão”. Só tinha mandacaru, mas mandacaru floresceu com a chegada dos voluntários que colhiam assinaturas porque acreditam que o Brasil pode mudar e ser governado por políticos de ficha limpa. Ave Arimatéia, Dom Dimas e todos que levaram adiante essa campanha. E esperemos que o Congresso esteja à altura e colabore nessa floração tão desejada e esperada.