Simone Weil: filósofa, mística e militante

Alexandre Andrade Martins*

Esse pequeno texto pretende apresentar alguns momentos da trajetória Simone Weil, filósofa francesa, que neste ano comemoramos 100 anos do seu nascimento. Essa pensadora está inserida na tradição filosófica e vem da escola francesa do início do século XX. Seus escritos têm um forte comprometimento social, sobretudo em defesa dos operários e mais pobres do seu tempo, um período de muita turbulência no mundo, pois ela nasceu em 1909, pouco antes de iniciar a Primeira Grande Guerra, e morreu ainda muito jovem, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial. Seu pensamento encontra-se meio as essas duas catástrofes mundiais. É uma justa homenagem dizermos algumas palavras sobre essa pensadora, visto que ela infelizmente ainda é uma ilustre desconhecida por grande parte da acadêmica brasileira.

Simone Weil, filha de judeus não observantes, nasceu em Paris aos 03 de fevereiro de 1909, e morreu abandonada em um sanatório em Ashfort – Inglaterra, aos 24 de agosto de 1934, por insuficiência cardíaca generalizada devido ao seu estado geral de grave desnutrição, ao qual chegou por se recusar a comer, em solidariedade às pessoas que estavam na II Grande Guerra, vivendo em cativeiros, como os campos de concentração ou em batalhas, e não tinham como se alimentar. Sua consciência a impedia de se alimentar normalmente enquanto outros nada tinham.

A solidariedade e a compaixão com os sofredores do seu tempo marcaram profundamente a curta vida dessa filósofa francesa, que foi aluna de famoso professor Alian (pseudônimo de Émile Chartier), na Sorbonne, e deixou talvez uma brilhante carreira acadêmica para ir trabalhar como operária em uma fábrica da Renault, em 1934, para fazer e senti na própria pele a dor e o sofrimento dos oprimidos do seu tempo. Essa experiência, como ela mesma diz, marcou profundamente a sua vida, como um ferro que marcava um escravo; um contato direto com a desgraça que “matou sua juventude”(1).

Na sua infância, Simone Weil e seu irmão André Weil, notável matemático, receberam dos pais a melhor educação que uma criança poderia ter. Desde cedo ela teve contato com a cultura erudita. Aprendeu grego, latim e leu os clássicos. Na filosofia era encantada pelos gregos, sobretudo por Platão, que chamava de “o filósofo” e no qual foi buscar suas principais inspirações. Seus escritos têm um forte comprometimento social, sobretudo em defesa dos operários e oprimidos do seu tempo. Ela viveu num período de muita turbulência no mundo, pois nasceu pouco antes de iniciar a I Grande Guerra e morreu ainda muito jovem, durante a II Guerra Mundial. Seu pensamento encontra-se em meio a essas duas catástrofes mundiais.

Judia apenas de nascimento, Simone Weil se converteu ao cristianismo, mais precisamente ao catolicismo, mas não assumiu a fé católica formalmente, isto é, não aceitou receber o batismo. Apesar de assumir publicamente profunda fé em Jesus Cristo e apreciar a liturgia católica, sua grande abertura para a real presença de Deus em outros credos religiosos e sua solidariedade com aqueles que, na história, foram condenados pela instituição católica, não aceita o batismo, pois com isso sentia-se obrigada a assumir a pesada estrutura institucional católica. Weil dizia que Deus a queria fora da Igreja formalmente, pois, assim, poderia promover seu amor para os diferentes, isto é, os não católicos(2).

A profunda experiência religiosa de Simone Weil marca praticamente sua obra filosófica. Ela é uma filósofa, ou melhor, ousamos chamá-la de filósofo de primeira grandeza(3), com um repertório e um pensamento religioso, não fugindo da tradição filosófica clássica, pois ela admirava o pensamento grego, com o qual mantinha constante diálogo nos seus textos.

A experiência de desgraça(4), como a própria S. Weil irá conceituar posteriormente, também marca profundamente sua experiência humana, religiosa e social. O contato direto com a desgraça, isto é, com uma situação limite de sobrevivência como operária em uma fábrica, fez Weil perceber como isso fere a vida humana e, depois de ter um encontro místico com Deus, também percebeu que a religião de Jesus Cristo é a religião dos desgraçados(5). Para ela, todos aqueles que seguem a Jesus devem voltar-se para os desgraçados, ou, em linguagem nossa, para os pobres e oprimidos. Mas apenas quem experienciou a miséria humana realmente compreenderá a desgraça do outro e se lançará ao seu socorro.

A vida de Simone Weil foi marcada pela solidariedade com os sofredores e pela busca em socorrê-los. Foi assim também durante a II Guerra. Ela teve a oportunidade de fugir, tendo a oportunidade de se estabelecer nos EUA, para onde foi apenas para deixar sua família, mas voltou para a Europa com o desejo de ajudar seu povo, todos que sofriam nos campos de concentração. Porém fica exilada em Londres e não conseguiu voltar para a França, que estava sob o domínio dos nazistas. Fragilizada pelas penitências que se auto-impunha, acabou doente em um sanatório, onde morre com 34 anos, como já falamos. Ela tinha o desejo de voltar para a França com um grupo de enfermeiras de primeira linha, a fim de cuidar dos feridos de ambos os lados nas batalhas da guerra, um projeto que elaborou e enviou para o general Charles de Gaulle, líder da resistência francesa. Ele não permitiu a sua execução, pois era praticamente um suicídio, mas Simone Weil acreditava que com isso mostraria a “força da fraqueza”, capaz de minar a força da violência. Na Inglaterra, escreveu seu livro mais sistemático, L’enracinement (o enraizamento), no qual faz um “estudo sobre os diretos humanos e entre eles Simone reconhece a necessidade mais importante e menos conhecida da alma humana”(6); também estuda a questão do desenraizamento do operário e do camponês, e as transformações econômicas que partem as suas raízes com a sua cultura e importância de se voltar a essas raízes.

A vida de Simone Weil é um exemplo para todos que ver enveredam pelo mundo acadêmico e pelas profundezas da mística do encontro com Cristo, pois ela mostra que a coerência uma profunda coerência entre estudos, fé e vida prática, em outras palavras, Simone Weil mostra que o verdadeiro intelectual é aquele que usa seu conhecimento e sua vida para ajudar a construir uma nova humanidade e, a partir do encontro com Cristo, trabalhar nessa construção ao lado dos pobres e oprimidos, servindo e amando-os a ponto de dar a vida coerentemente por eles na força da fraqueza.

Bibliografia

BINGEMER, Maria Clara. Simone Weil e a espera de Deus. In: TEIXEIRA, F. (org). Nas teias da delicadeza: itinerários místicos. São Paulo: Paulinas, 2006, pp. 205-35.
BOSI, Ecléa (org). Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
PERRIN, J. M. Mon dialogue avec Simone Weil. Paris: Nouvelle Cité, 1984.
WEIL, Simone. Attente de Dieu. Paris: La Colombe, 1950.
______. La pesanteur et la grâce. Paris: Plon, 2007.

Notas:

(1) WEIL, Simone. Attente de Dieu. Paris: La Colombe, 1950, p. 74.
(2) Cf. WEIL, Simone. Attente de Dieu. Paris: La Colombe, 1950.
(3) É de se impressionar a grandeza e a profundidade das obras de Simone Weil escritas durante os poucos e difíceis anos de vida que teve entre os estudos na Sorbonne e a sua morte prematura. Essas obras estão publicadas em 17 volumes pela Editora Gallimard.
(4) Em francês, o termo usado é malheur, que traduzimos por desgraça, seguindo a tradução de alguns comentadores brasileiros, mas é apenas uma tradução aproximativa, pois o termo desgraça não expressa com precisão o que deseja dizer S. Weil. Sobre isso, veja: BINGEMER, M. C.. Simone Weil e a espera de Deus. In: TEIXEIRA, F. (org). Nas teias da delicadeza: itinerários místicos. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 205-35.
(5) Cf. WEIL, Simone. Attente de Dieu. Paris: La Colombe, 1950, p. 75.
(6) BOSI, Ecléa (org). Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 69.

* Religioso Camiliano. Filósofo

Fonte: Adital