A letalidade da estética imposta
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Não é de hoje que somos sistematicamente submetidos a um forte apelo pela valorização da estética. A geração que hoje chega aos 50, 60 anos já viveu isso e a geração que a ela se segue está em plena ditadura do corpo. Abrimos as revistas, ligamos a TV, olhamos outdoors pelas ruas e lá estão expostos os corpos dos outros e outras. Corpos esquálidos como ideal de perfeição feminina, corpos musculosos no caso feminino. Excessivamente esquálidos, excessivamente musculosos. Pois disso se trata. Do excesso. O culto à dieta, à ginástica, à “malhação” forjaram um ideal estético que pouco reflete os padrões reais da grande maioria da população.
A cada dia proliferam academias, clínicas de estética, novos tratamentos antienvelhecimento, antiestrias, “antiisso”, “antiaquilo…” ufa!!!É tanta informação e novas propostas que, se não tivermos senso crítico, somos levados a querer experimentar tudo ou, pior ainda, sentimos nossa auto-estima despencar. Sentimos que os outros nos valorizam pelos quilos a mais ou a menos que ostentamos. Que mais do que nossa inteligência, nossas atitudes humanitárias, o que conta para a maioria das pessoas é ser magra, não ter celulite. No caso das mulheres isso cresce em nível exponencial.
Vivemos hoje sob uma ditadura do corpo. A todo o momento surgem novas dietas, clínicas de estética, tipos de ginásticas e mais um arsenal de produtos para o corpo que remetem a novos padrões corporais de beleza, que prometem para aqueles insatisfeitos com suas formas o caminho para a perfeição corporal. E se não se está dentro deste tipo determinado, caminha-se para ser um excluído social. Como podemos ver no nosso dia-a-dia, a maioria dos brasileiros deseja estar em forma e busca os mais variados artifícios para encontrar esse corpo ideal. Porém, nessa busca os caminhos muitas vezes são os mais controversos possíveis.
Em primeiro lugar deve-se avaliar o aspecto psicológico de por que querer emagrecer, quais são os objetivos com esta mudança e, principalmente, qual o desconforto que leva a esse desejo. Hoje o bem-estar físico está em primeiro lugar e só depois o psicológico, indo de encontro ao velho ditado que diz “mente sã em corpo são”.
O que se percebe é que muitos buscam a todo custo atingir padrões que muitas vezes não condizem com seu biotipo, abusando das dietas milagrosas, das fórmulas mágicas de remédios para emagrecimento e do excesso de exercícios físicos. Em um determinado momento os excessos poderão ter uma conseqüência danosa ao organismo, levando a uma desnutrição silenciosa ou a uma fadiga crônica, prejudicando a vida profissional ou pessoal do indivíduo.
O caso recente de modelos que se tornaram anoréxicas e morreram em conseqüência disso é bem eloqüente para mostrar até onde pode ir a ditadura de um padrão estético que escraviza em vez de libertar.
É preciso respeitar o organismo para se obter bons resultados e o processo de emagrecimento deve ser em longo prazo. Em média o corpo leva 18 meses para chegar a um peso e forma ideais. Todo este arsenal de beleza, aliado ao avanço da cirurgia plástica e ao acesso cada vez maior de pessoas das diversas camadas sociais, passou a ter um grande impacto nesta área da medicina. Na busca do corpo ideal, pessoas querem a todo o custo se adaptar aos padrões reinantes, e visando um resultado rápido recorrem a grandes cirurgias de correção e implantes, em processos que muitas vezes submetem o paciente a diversos tipos de procedimentos em uma só cirurgia. Ora, a cirurgia estética é um procedimento cirúrgico e como tal deve ser respeitado. Expor-se a riscos desnecessários, que podem vir a terminar em resultados insatisfatórios ou até mesmo em complicações graves para o paciente é arriscar inutilmente a própria vida. Na busca da beleza encontra-se a morte.
Como diz Jorge Antonio de Menezes, conhecido cirurgião plástico mineiro: “ As prioridades inverteram-se. Se um marciano chegar hoje à Terra, vai achar que a celulite é mais importante do que a queimadura. Essa seria a percepção que ele teria da celulite, que é o que todo mundo fala. Parece um problema de saúde pública. Agora virou foco de interesse não somente do médico, como da própria televisão e da mídia que usa aquele gancho para poder faturar. O interesse é no produto como algo comercial e não médico. A cirurgia estética tornou-se um objeto de consumo cada vez mais separado do ambiente médico. Porque uma amiga fez, a outra tem de fazer também, então se chega a esse absurdo. Qual é a percepção hoje da cirurgia plástica? Primeiro a promoção mercadológica, segundo criar sonhos. O sonho de ser jovem eternamente e da beleza ideal. A cirurgia plástica não é uma cirurgia no corpo, mas no cérebro. Modifica-se a personalidade da pessoa com o bisturi. É a cirurgia da vaidade.”
Buscar a saúde, a boa forma física, a estética, é perfeitamente legítima. A única coisa que é perfeitamente execrável é ser escravizada por isso. Tudo que escraviza o ser humano é definitivamente desprezível. Além de perigoso. Neste sentido, o médico desempenha um papel fundamental, devendo alertar o paciente sobre a necessidade ou não de realizar o procedimento dietético, cirúrgico ou qual seja. Muitas vezes, uma boa orientação psicológica pode evitar um procedimento arriscado e o cirurgião poderá atuar no que realmente precisa ser melhorado em seu paciente. Neste caso, ambos saem ganhando em segurança e na confiança de se alcançar um resultado que atenda as expectativas de sucesso do paciente.
Beleza é bom e saúde também. Mas não podem tornar-se ditaduras que ponham em risco a vida humana.