Um milagre chamado Letícia
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Uma crônica de Natal deveria falar do presépio e do nascimento do menino Jesus. Deveria cantar o grande evento de Deus entrando na história e realizando a salvação da humanidade pelo milagre da sua encarnação. Deveria celebrar o sim generoso de Maria, a jovem de Nazaré, as profecias vigorosas do Batista e o anúncio do Anjo.
No entanto, para mim, neste Natal, a revelação maior do milagre da Encarnação de Deus se chama Letícia e tem seis meses de idade. E é sobre esta criança que vive e sorri quando humanamente não seria possível que isso acontecesse que me sinto movida a escrever para expressar o que sinto neste final de Advento, prestes a celebrar a chegada do Menino Deus entre os homens e a Noite Santa.
Conheci o pai de Letícia ainda menino de colégio. Muito engajado na pastoral, nos movimentos sociais, organizando cursinho pré-vestibular para os jovens de comunidades carentes. Depois o acompanhei no início da carreira de advogado, jovem e dinâmico, coincidindo em alguns trabalhos pastorais e apostólicos. Segui de perto seu namoro, noivado, casamento e a alegre expectativa do primeiro bebê: Letícia.
Por um amigo comum, no entanto, na véspera do nascimento de Letícia, soube do perigo que sua vida corria. Uma má-formação cardíaca dava como quase certa a morte do bebê ao nascer e toda a família e amigos se dispunham a ir para a clínica acompanhar o jovem casal e ajudá-los a suportar a perda tão terrível. No entanto, aqueles que foram naquele dia para a clínica tiveram que voltar no dia seguinte, e no outro, e no outro… pois Letícia, contrariando todas as expectativas, reagiu, lutou feito leoa e partiu para a vida.
Na incubadeira, cheia de tubos e sondas, Letícia permanecia conectada à vida. Corpo aberto de par em par, seu coraçãozinho insistia em bater, embora os médicos esperassem a todo o momento que parasse. E Letícia ia crescendo e ganhando forças. Até chegar o dia em que pôde sair da incubadeira e ir para o quarto… e começar a mamar diretamente no seio de sua mãe.
Algum tempo depois, foi o momento de levá-la para casa. Letícia teve alta, contrariando todos os prognósticos. Já livre dos tubos e sondas, pôde ir para seu quarto e seu berço, com seu pai e sua mãe, embora sempre monitorada. No dizer de seu pai, aquelas noites iniciais em casa foram as madrugadas mal dormidas mais felizes de sua vida.
E com isso já lá se vão seis meses. Letícia é um lindo bebê gordinho e rosado, sorridente e ativo, que ninguém diz ter um problema cardíaco. Ela o tem e todos sabem disso. Haverá ainda muitos passos a serem dados em seu acompanhamento e cuidado. Mas o fato de haver chegado até aqui, driblando a morte que todos tinham por certa é um sinal claro de que nela a vida é teimosa e não se deixa vencer tão facilmente.
No dia 25 de outubro Letícia foi batizada em celebração alegre e agradecida. Seus pais, parentes e amigos testemunharam a importância que teve a corrente de fé e oração que armaram em torno de sua frágil e combalida saúde. Tinham plena consciência que eram protagonistas de um milagre e como tal sentiam-se muito gratos a Deus.
Por tudo isso Letícia é o ícone do meu Natal deste ano. Tudo nela fala, cheira a Natal. Tudo nela dá testemunho desta vida que brota, rompendo as impossibilidades e rindo-se dos obstáculos. Ela própria é a prova palpável da vitória da graça amorosa de Deus que invade a história e da qual a ciência não dá conta apesar de todos os seus esforços e prognósticos. Ela é o sinal vivo e singelo de que Deus crê profundamente na humanidade.
Pois que sinal foi visto pelos pastores, reis magos e todos os que buscavam o Messias esperado? Nada além de um menino envolto em faixas e deitado em uma manjedoura. Sobre o berço de Letícia, hoje, eu me debruço e vejo este sinal: uma menina travando sua luta com e pela vida, uma pequena guerreira desbravando florestas e derrubando barreiras. O Natal de Letícia é também e constitutivamente Natal do Senhor! Não é à toa que seu nome – laetitia – em latim quer dizer: ALEGRIA!