Amou-os até o fim (Jo 13,1)
D. Pedro Luiz Stringhini
O dia 13 de janeiro de 2010 foi de tristeza para a Igreja e para o mundo. O terremoto no Haiti mata milhares de pessoas, entre elas a grande brasileira, a Dra. Zilda Arns Neumann, fundadora, há 30 anos, da Pastoral da Criança, que vem salvando vidas de crianças pobres, no Brasil e em outros 16 países. Eu estava na cidade de Orlândia, diocese de Franca, um telefonema do Dr. Nelson Arns Neumann me transmite a notícia da morte de sua mãe, notícia que logo seria transmitida, pela Ir. Devani, a Dom Paulo Evaristo Arns.
À noite, fui celebrar a missa, pela primeira vez numa comunidade da diocese, a comunidade Nossa Senhora Mãe da Divina Providência, na periferia de Franca. Bairro pobre, Igreja pequena, metade do povo do lado de fora. Ao chegar, vejo mulheres com a camiseta da Pastoral da Criança. Desabei. O que seria a alegria desse primeiro momento se transformou também em emoção. Celebramos agradecendo a vida da Dra. Zilda, por sua família, pelo povo sofrido do Haiti, pela pastoral da criança e sua coordenadora nacional, a Irmã Vera Lúcia Altoé. Meus sentimentos são também os da Comissão episcopal de pastoral para o serviço da Caridade, Justiça e Paz, da CNBB, da qual Dra. Zilda faz parte.
Da Dra. Zilda tenho três marcantes recordações. A primeira foi a viagem que fiz com ela e Dr. Nelson aos Estados Unidos, em 2006, quando ela recebeu um prêmio na Universidade Notre Dame, dirigida pelos padres da Congregação de Santa Cruz. Havia lá padres americanos que trabalhavam no Haiti e grande parte de nossa conversa girava em torno da viagem que Dra. Zilda faria àquele país para abrir lá a Pastoral da Criança. Lembro que alguns chineses a procuram também e das conferências que ela proferiu em inglês. A segunda recordação foi a visita que fez aos projetos da Pastoral da Criança da Região Belém (SP), especialmente do grande encontro na comunidade na S. José Operário (Setor Conquista). Na ocasião, acompanhei Dra. Zilda em sua audiência com o governador José Serra e o prefeito Kassab. Em terceiro lugar, recordo sua participação na CNBB, seja na assembléia geral, em Itaici, seja no Conselho de Pastoral, em Brasília. Eu não tinha dúvida em sempre defender e votar em favor de suas propostas, confiando em sua lucidez e na eficácia de tudo o que empreendia.
A Igreja e os pobres do Brasil se entristecem e perdem com sua partida. Contudo sua vida e seu legado não morrem. A Igreja católica e a sociedade toda reconhecem a grandeza de sua pessoa e seu trabalho. Há quase trinta anos, quando seu irmão, D. Paulo Evaristo, foi perguntado, por uma pessoa de renome, o que se poderia implantar em favor das crianças, ele respondeu que falaria com sua irmã, médica sanitarista, viúva e mãe de sete filhos, que já trabalhava em projetos abrangentes e preventivos de saúde. E assim, com o apoio dos filhos (ainda muito jovens) e de D. Geraldo Magela Agnelo, ela inicia a Pastoral da Criança. Nunca mais parou. Com serenidade, convicção e competência, foi organizando, expandindo, realizando parcerias, angariando confiança e reconhecimento da sociedade e dos governos (federal, estadual, municipal; tanto os atuais quanto os anteriores). Seu tino empreendedor uniu-se à sabedoria do evangelho de Jesus que, na multiplicação dos pães, ordena: “dai-lhes vós mesmos de comer”. Uniu a mística do evangelho à capilaridade da Igreja, formando uma grande, articulada e comprometida rede de líderes e multiplicadores.
Assim como Jesus, que, após passar a vida amando e ensinando o mandamento do amar, deu o exemplo maior, derramando seu sangue na cruz, a querida Dra. Zilda, depois de passar a vida praticando a solidariedade, ensinando e organizando ações que salvaram vidas de crianças pobres, morreu pela causa que viveu, junto aos pobres do Haiti, cumprindo em sua pessoa o que foi dito sobre Jesus: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). A vida e morte da Dra. Zilda são sementes de esperança para os povos do Brasil, do Haiti, da África e do mundo.