Economia e Vida (VI): escolher é preciso
Jung Mo Sung
Eu terminei o artigo anterior perguntando como se dá, no nosso mundo globalizado, o processo de decisão sobre o que, quanto, como e para quem produzir. Isto é, como se dá o processo de coordenação da divisão social do trabalho (DST) na economia globalizada e quais são as instâncias e agentes de decisão?
Para tentarmos responder a essas questões, precisamos continuar a reflexão sobre a divisão social do trabalho. Quando eu iniciei esta série de artigos sobre “Economia e vida” como uma contribuição para as discussões em torno da Campanha da Fraternidade, eu tinha me comprometido manter uma regularidade em termos de tempo, isto é, eu tinha a intenção de publicar um artigo por semana. Mas, infelizmente eu não pude cumprir isso na semana passada por causa de falta de tempo.
Na verdade, eu tinha, como sempre, as mesmas 24 horas por dia. O que ocorreu é que eu tive muitos trabalhos e me faltou tempo para escrever este artigo para Adital. Aqui temos um exemplo que pode nos ajudar a entender um pouco melhor o nosso tema. Eu tive que fazer uma opção entre usar o tempo para escrever este artigo ou para realizar outros trabalhos “urgentes”. Em que sentido esses outros trabalhos eram mais urgentes do que o meu compromisso pessoal de escrever para Adital?
A simples resposta de que aqueles eram do meu emprego e escrever para Adital é voluntário não explica tudo. Pois há trabalhos do nosso emprego que não são tão urgentes; e eu tenho escrito estes artigos sem deixar o meu emprego. A urgência dos meus trabalhos profissionais tinha a ver com o fato de que havia um prazo limite para serem feitos. E esses prazos são determinados pelo andamento do processo dentro do qual o meu trabalho está inserido. Se eu não cumpro o prazo, o resto do trabalho de outras pessoas e instituições fica prejudicado. Com isso o dano pode se estender para âmbitos maiores. O fator tempo é um dos componentes fundamentais de um sistema de produção, distribuição e consumo de bens e serviços necessários para a vida das pessoas e da sociedade. Soluções “perfeitas” que demorarão muito tempo para serem concretizados não são soluções reais se vêm fora do tempo necessário.
Ocorreu um conflito entre o cumprimento do prazo das minhas atividades relacionadas com a minha função na universidade onde trabalho e o da Adital. Eu poderia ter escolhido cumprir o prazo deste artigo, mas isso significava colocar o Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista, onde sou coordenador, em situação difícil (sem falar na minha situação profissional). Eu fiz uma escolha, por isso o artigo atrasou. Tanto na vida, quanto na economia, estamos sempre fazendo esse tipo de escolhas. Pois o tempo é um dos fatores escassos da vida e do sistema econômico.
Além do cumprimento do prazo, é preciso que o resultado do meu trabalho chegue até o segmento seguinte. Se por acaso eu termino o trabalho, mas não há conexão na internet (ou outros meios) para ser enviado ao destinatário (por ex., o modo como o meu artigo escrito em São Paulo chega a sede do Adital em Fortaleza), o processo fica truncado. Por isso, a manutenção da rede de internet e dos servidores (que eu não sei quem faz e nem como) é crucial para o processo de trabalho em que estou localizado. Isso vale também para eletricidade, o fornecedor de computadores, sanduíche que como no intervalo, transporte da casa ao emprego etc. Imagine o que significa juntar todos os processos de trabalho e de consumo de todas as pessoas do mundo inteiro de um modo que o sistema como um todo funcione de um modo minimamente eficiente para produzir os bens materiais e serviços necessários para a vida de toda a população. Não temos bem a idéia de como tudo isso funciona.
Não basta gritarmos ao mundo que, em nome da nossa fé cristã ou de valores humanos, somos a favor da vida e contra o mercado que explora os trabalhadores, exclui os pobres e concentra a riqueza nas mãos de poucos. Isso é necessário, mas é também preciso apresentar alternativas para substituir o mercado como o centro e o principal mecanismo de coordenação da divisão social do trabalho no mundo.
O neoliberalismo se caracteriza não pela exploração ou exclusão social, mas pela proposta de fazer do mercado o único coordenador da DST, fazendo do Estado simplesmente um agente de segurança e de garantia do cumprimento dos contratos. Se tudo é decidido baseado somente nos critérios de mercado, os problemas e necessidades de quem não tem dinheiro para consumir a “solução” (os não-consumidores) não serão atendidos e nem levados em conta na economia e na sociedade.
Criticar o neoliberalismo ou o sistema de mercado capitalista global vigente hoje não pode significar simplesmente a negação e a expectativa de que depois da queda do capitalismo não haverá mais a necessidade de coordenação da DST ou que não teremos que fazer escolhas em casos conflitivos.
Quais são alternativas de coordenação da DST para uma outra sociedade? (a continuar)