Celebrando a libertação
Antônio Mesquita Galvão
É incrível como a cada ano a celebração da Páscoa cristã e-voca e pro-voca em nós emoções e reflexões diferentes. Quando éramos crianças -afirma São Paulo em seu “hino ao Amor”- pensávamos e agíamos como crianças. Em termos de Páscoa, sucedia a mesma coisa: só pensávamos em coelhos e ovos de chocolate. Depois, a imaturidade da primeira fase adulta nos fazia pensar em presentes, viagens, feriadões na serra, etc. Só mais tarde que fomos adquirir a consciência de que mais do que nenhuma, a Páscoa é uma celebração da libertação.
No Egito, Moisés, valendo-se do poder da mão forte de Deus, arrancou o povo hebreu das garras imperialistas do faraó. Aquela noite, o 14 de nisan, é histórica e emblemática, não só para os hebreus, mas também para os cristãos que formariam sua posteridade. Para provocar uma catálise na consciência do povo, o Senhor ordena a realização de uma ceia, frugal, mas rica em significado, naqueles momentos que antecederam a partida da terra do cativeiro.
Primeiro eles deveriam assar um cordeiro, macho, de um ano, sem marcas, que deveria ser comido pela família naquela noite; sem sobras. Depois, dada a urgência do tempo, assariam pães sem fermento que, acompanhados de ervas amargas, completariam a refeição. Dentro do mesmo espírito, este evento deveria acontecer com as pessoas de pé, calçadas, com seus valores presos à cintura e com o bastão de viajante na mão, pois, a seguir, aconteceria o êxodo.
Naquela mesma noite, como a última “praga”, o anjo do Senhor, com o fito de vencer a dureza do coração do faraó, passaria e mataria todos os primogênitos do Egito, pessoas e animais. Os hebreus seriam defendidos pelo sangue do cordeiro, que, marcando os umbrais das portas, faria com que a praga passasse adiante. Essa “passagem” do anjo, péssach em hebraico, daria origem a uma festa memorial da libertação que é celebrada pelos judeus até hoje.
Com a irrupção do cristianismo, uma vez que a ressurreição de Cristo ocorre no mesmo período, a festa passou a se chamar de “páscoa da ressurreição”, que celebra uma nova e permanente libertação, do pecado, da mediocridade, da inércia, da idolatria do ter e da injustiça. O cordeiro sacrificado no Egito toma agora a imagem do “cordeiro de Deus”, o Cristo imolado na cruz, cujo sangue liberta, cura e salva. Os pães ázimos e as ervas amargas apontam para as dificuldades e provações da vida humana, que se passa por uma sexta-feira da paixão, vai desembocar na gloriosa manhã do domingo da ressurreição.
Por fim, os pés calçados, os rins cingidos e o bastão na mão indicam que a vida humana é sempre um estar a caminho, na expectativa da Terra Prometida.