São Bento José Labre
16 de Abril
“O cigano de Cristo”, este também é seu apelido, que demonstra claramente o que foram os trinta e cinco anos de vida de Bento José Labre, treze deles caminhando e evangelizando pelas famosas e seculares estradas de Roma. Aliás, o antigo ditado popular que diz que “todos os caminhos levam a Roma” continua sendo assim para todos os cristãos. Entretanto, principalmente no século XVII, em qualquer um deles era possível cruzar com o peregrino Bento José e nele encontrar o caminho que levava a Deus.
Em pleno século XVIII, quando a sociedade ocidental alcançava um auge de refinamento nas maneiras, na culinária, na cultura e nos costumes, um mendigo vinha lembrar aos homens as verdades eternas.
As inúmeras igrejas de Roma exercem uma irresistível atração sobre quem passa diante de suas portas. Ainda quando está tomado pelos afazeres do dia-a-dia, o transeunte acaba por interromper brevemente seu percurso e entrar em uma ou outra delas, para um instante de oração, reflexão ou contemplação.
A esse movimento de devoção se acresce às vezes a curiosidade, mesmo para quem já vive há bastante tempo na Cidade Eterna. Com efeito, caminhando pelas ruas ou becos do intrincado centro romano, ele pode deparar-se com uma igreja que nunca tinha visto, ou jamais havia visitado, e cuja aparência exterior é até difícil de distinguir de um edifício profano.
Foi o que se deu recentemente comigo, ao afastar-me do Foro Romano e percorrer uma pequena rua na qual divisei uma grande fachada com a inscrição Santa Maria dei Monti. Sem dúvida, tratava-se de uma igreja. Cedendo ao desejo de conhecê-la, transpus seus umbrais.
Um belíssimo afresco preside o altar-mor. Trata-se da Madonna dei Monti, à qual são atribuídos inúmeros milagres. Muitos grandes santos tinham especial devoção a essa imagem, e diante dela rezaram por sua fundação, como São Paulo da Cruz, São José de Calazans e Santo Afonso Maria de Ligório.
Um altar lateral, porém, o último da esquerda, chamou-me especialmente a atenção.
Ali, pude ler num pequeno cartaz: “Aqui repousa São Bento José Labre, peregrino francês que viveu durante muitos anos diante desta igreja pedindo esmolas, como ‘vagabundo de Cristo'”.
“Vagabundo de Cristo”? Como seria isso?
Deus o chamava, mas não o queria em nenhum mosteiro
Bento José Labre nasceu em Amettes,região de Artois (França), no dia 23 de março de 1748. Desde sua infância deu sinais de terna devoção e esquecimento de si mesmo. Atraído pela graça já nos estudos preparatórios para a Primeira Comunhão, passou a levar uma vida de piedade e austeridade muito superior à sua idade.
Aos dezesseis anos decidiu ser trapista, mas a família empenhou-se em dissuadi-lo. Diante dessa atitude, uma crise dolorosa lhe tirou a paz de alma, que reencontrou começando a seguir a regra da Trapa dentro de sua própria casa. Após um certo tempo, por conselho de seu tio materno, que era sacerdote, os pais lhe deram permissão para entrar na Ordem dos Cartuxos, considerada menos austera.
Para Bento iniciou-se então uma fase de grandes humilhações. A Cartuxa de Val-Sainte recusou-se a acolhê- lo. Admitido na de Neuville, uma violenta crise de angústia e de vômitos o impediu de ali continuar. À procura de outro mosteiro, viajou a pé até a Normandia e bateu às portas da Grande Trapa de Mortagne, onde o abade lhe negou a admissão, por ele ter apenas vinte anos.
Por fim, conseguiu ser admitido novamente na Cartuxa de Neuville, mas foi tomado pelas mesmas crises anteriores. Com muito discernimento, ao despedir-se dele, o prior deulhe uma orientação: “A Providência não o chama ao nosso regime de vida. Siga a inspiração divina!”
Bento fez então uma viagem de quatro semanas, a pé e pedindo esmolas, até a Trapa de Sept-Fonts, onde foi admitido como noviço. Após alguns meses, porém, viu-se presa de uma grande crise de escrúpulos, com acessos de vômitos, o
Em um pequeno altar da Igreja de Santa Maria dei Monti repousam os restos de |
São Bento José Labre, o “vagabundo de Cristo” Fotos: Victor Toniolo |
que levou o abade a lhe dizer:
– Não nasceste para nosso mosteiro, Deus te quer em outro lugar.
– Seja feita a vontade do Senhor! – respondeu Bento, cheio de tristeza.
Como mendigo, peregrinava de santuário a santuário
Fazer a vontade de Deus, sim, Bento não queria outra coisa. Mas, como fazê-la? Por um lado, sentiase chamado à vida recolhida e austera do claustro, mas, por outro, parecia que o próprio Deus lhe interditava essa vida. Sem saber ainda qual a vontade do Senhor a seu respeito, começou a peregrinar de um santuário a outro da França. Após algum tempo foi para a Espanha, depois para a Alemanha, sempre de santuário em santuário. Vivia como mendigo, tendo apenas uma cruz ao peito, um rosário no pescoço, e o Breviário e alguns livros religiosos num saco.
Em 1770 decidiu tomar o caminho de Roma, pois tinha ouvido dizer que na Itália havia vários mosteiros de vida muito regular e austera. Esperava ser admitido em algum deles.
Depois de uma longa viagem, chegou por fim à Cidade Eterna. Escolheu como lugar para viver o Coliseu. Muitos transeuntes, ao verem aquela estranha figura, lhe perguntavam o que fazia ali, ao que ele respondia: – Faço a vontade de Deus!
“Se esse homem tivesse sido sacerdote!…”
O pobre do Coliseu, como passaram a chamá-lo, ia rezar em várias igrejas. Com freqüência, em vista do seu aspecto repulsivo, negavam-lhe a Comunhão. E quando o celebrante, movido pela compaixão, concedialhe o Sacramento, via cair na patena duas lágrimas de seus olhos.
Era um grande devoto da Eucaristia e participava de todas as devoções das Quarenta Horas que se organizavam na cidade. Desde a aurora lá estava ele diante do Santíssimo Sacramento, com as mãos cruzadas sobre o peito e os lábios em movimento. Nessas ocasiões, muitos viam irradiar dele uma luz dourada.
Um pároco, o Pe. Gaetano Rogger, que observou ter ele passado seis horas diante do Santíssimo Sacramento, quis deixar seu testemunho para o processo de canonização: “Se esse homem tivesse sido sacerdote, sozinho faria todos os turnos de adoração! Que vergonha para nós, sacerdotes, que sofremos tanto ao passar uma hora diante do Santíssimo! E para rezar precisamos de cômodas almofadas. Eis um pobre que nos ensina a rezar!”
Com freqüência pedia ao sacristão o privilégio de passar a noite na igreja. Muitas vezes isso lhe foi negado, porém, na manhã seguinte era encontrado dentro do templo, sem ninguém saber explicar como lhe tinha sido possível entrar.
Seguindo a inspiração divina, descobriu sua via de santidade
Sua igreja preferida era Santa Maria dei Monti. Costumava chegar cedo, quando ela ainda estava fechada. Ajoelhava-se então nos degraus, com o chapéu nas mãos, e ficava olhando para o Céu.
Certa vez, um passante lhe perguntou por que vivia desse modo, e se não seria melhor se tivesse entrado numa Ordem mendicante. Bento respondeu suspirando: “Se fosse do desejo de Deus, Ele teria disposto as coisas de um outro modo”.
Mendigava as refeições em algum dos numerosos conventos da cidade pontifícia. Muitas vezes, dava para outros mais pobres do que ele as esmolas que recebia.
De Roma, fez muitas peregrinações a Loreto, a São Nicolau de Bari, a Camaldoli, até mesmo a Einsiedeln,na Suíça, sempre a pé. Tantas vezes passava pelos mesmos caminhos, que alguns conventos nos quais se abrigava pediam-lhe para levar o correio de um lugar para outro. Nunca procurava vaga nas hospedarias, para não ouvir blasfêmias nem freqüentar um ambiente não-religioso.
Numa ocasião, um sacerdote de Loreto ofereceu-se para conseguir-lhe um lugar na Camáldula de Monte Conaro. Após meditar longamente, Bento respondeu: “Deus não quer para mim a via que o senhor me propõe”. Esta resposta demonstra claramente como, seguindo a inspiração divina, ele tinha acabado por descobrir qual era o seu caminho de santificação.
Outro sacerdote fez-lhe idêntica proposta, e sugeriu que pelo menos ele procurasse algum trabalho, pois muitos julgavam ser ele um mendigo por mera vagabundagem. Bento respondeu: “Senhor padre, é desejo de Deus que eu viva mendigando. Levante a cortina do confessionário e olhe”. O padre assim fez e viu que uma luz sobrenatural saía do rosto do mendigo e iluminava toda a capela.
“Ilustre pelo desprezo de si mesmo e pela pobreza voluntária”
Desse modo, Bento viveu dedicado à oração e vida interior, completamente despreocupado dos bens materiais; não porque não os poderia ter, se quisesse, mas porque tinha renunciado a possuí-los. Esse desprendimento o fez progredir de tal modo nas vias da santidade, que Deus quis chamá-lo cedo para junto de Si.
Na quarta-feira da Semana Santa de 1783, sentiu-se mal ao sair da Igreja de Madonna dei Monti. Levado a uma casa próxima, ali entregou sua alma a Deus. Seus funerais fizeram recordar os de São Felipe Néri: uma incontável multidão encheu as ruas da Cidade Eterna, e considerava- se feliz quem conseguia tocar em seu féretro.
O próprio Deus parecia empenhado em patentear aos olhos de todos quanto Lhe tinha sido agradável a santa vida desse seu servo: no curto período de 70 dias após sua morte, realizaram-se 36 curas milagrosas em seu túmulo. Desta forma, em menos de quatro meses teve início o processo canônico que levou o “vagabundo de Cristo” a ser beatificado por Pio IX em 1859 e canonizado em 1881 por Leão XIII, que o proclamou “ilustre pelo desprezo de si mesmo e pelo valor de uma extrema pobreza voluntária”.
Uma via especial de santidade
“A santidade é a vocação de cada um”, ensina-nos o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (nº 165). Mas as vias para atingi-la são muito variadas, e alguns santos são chamados por Deus a trilharem caminhos muito especiais. É o caso, por exemplo, de São Simeão Estilita, que viveu durante anos numa pequena plataforma sustentada por uma coluna de mais de 15 metros de altura, jejuando continuamente e passando a maior parte do tempo em pé.
Com freqüência, um santo recebe a vocação especial de combater algum desvio de sua época. No século XVIII, o alto refinamento da civilização ocidental, de si excelente, estava sendo desviado por influências mundanas e relativistas que levavam inúmeras pessoas a perderem a fé. Nessas circunstâncias, São Bento José Labre, dando o exemplo do extremo desapego aos bens terrenos, servia para mostrar àquela sociedade brilhante, mas frívola, o vazio de uma vida que não tem por objetivo a glória de Deus, o bem do próximo e o serviço da Igreja.
por:Victor Hugo Toniolo