Haiti: soberania e solidariedade internacional
Dom Demétrio Valentini
Às vezes é necessária a teimosia de Tomé. Precisamos ver para crer. Tal a situação em que se encontra o Haiti, depois do terremoto. A realidade é muito mais complexa do que imaginávamos. Em decorrência, a ajuda solidária requer uma atenção redobrada, para que seja conveniente e adequada.
É o que vai fazer a Cáritas Brasileira, dentro de suas possibilidades, procurando valorizar os recursos colocados à disposição pela generosidade do povo brasileiro que aderiu à campanha em favor do Haiti.
A situação do Haiti já era muito precária, antes do terremoto. Este só veio agravar a situação. O terremoto não é a causa principal do caos em que se encontra o país. Na verdade, como propõe com insistência Mons. La Fontant, o terremoto se torna oportunidade para todos se darem conta das causas que levaram a esta situação, e dos caminhos a empreender para sair dela.
A causa principal está no colapso das estruturas constitutivas do país, da nação, da pátria! Uma análise atenta da realidade mostra a derrocada da cidadania, provocada por diversos fatores, entre eles a longa ocupação do país pelos Estados Unidos no século passado, com a seqüência de ditaduras apoiadas pelo capitalismo, que propiciaram a crescente corrupção política, agravada pelo atraso educacional, que facilita a submissão das consciências.
Este pano de fundo é importante para compreender a situação em que se encontra o Haiti.
Ao mesmo tempo, para a “refundação” do país, é imprescindível colocar como pano de fundo a retomada da plena soberania nacional, através da reorganização das instâncias políticas, a reestruturação da sociedade pelo incentivo à participação comunitária, pela incidência da cidadania nas políticas públicas, com a rearticulação da economia nacional, a reorganização do sistema educacional e a reafirmação da cultura do país.
Ao mesmo tempo, é preciso ser realistas, e constatar que estas metas não se alcançam de um momento para outro, nem podem prescindir do apoio internacional.
Aí se coloca um desafio especial, sobretudo para o Brasil, em decorrência da missão que ele recebeu de comandar as forças das Nações Unidas, presentes no Haiti desde 2004, com a finalidade de colaborar para a estabilização política do país.
Claro que o ideal para todos os países é não dependerem de forças estrangeiras em seu território. E quando isto acontece, a demanda mais espontânea é pedir que as forças se retirem.
Acontece que a situação atual do Haiti leva a conclusões diferentes. Ainda mais agora, após o terremoto. Seria uma covardia se retirarem neste momento, dado o indispensável serviço que estão prestando ao povo haitiano, sobretudo em Porto Príncipe. As forças da ONU viabilizaram a socorro imediato a toda a população da capital, não só organizando a distribuição de alimentos e a montagem das milhares de tendas onde muita gente ainda se abriga, mas garantindo ordem e segurança para todas as pessoas.
Dada a oportunidade de conferir de perto a situação do Haiti, sinto-me no compromisso de dar um testemunho altamente positivo sobre a presença das Forças Brasileiras no Haiti, representadas pelos 2.300 soldados do Exército e pelo Batalhão da FAB com seu hospital de campanha.
Prova da eficiência do seu trabalho é a grande estima que granjearam junto à população. Nossos soldados souberam impor sua autoridade por sua postura correta e pela maneira respeitosa e humana com que se relacionam diariamente com a população, em tarefas que exigem equilíbrio, firmeza e bom senso, e que eles executam com muita competência.
As Forças Armadas Brasileiras estão de parabéns. No Haiti elas estão honrando nosso país, e proporcionando aos haitianos uma experiência diferente de relacionamento internacional. Acredito que está se forjando no Haiti uma nova figura de exército, não caracterizado pelo poder das armas, mas pelo serviço à solidariedade internacional.
A situação do Haiti enseja outras ponderações, a serem feitas oportunamente.