Consumo: o novo alvo?
Jung Mo Sung
Por conta do tema da Campanha da Fraternidade, eu participei de vários eventos que debateram o tema da fé cristã e economia ou da economia e vida e, assim, pude entrar em contato com diversos grupos e ler diversos textos e cartilhas. Nesses contatos eu pude perceber que há uma posição que está tomando força: a crítica ao consumo.
Até recentemente, as críticas ao capitalismo ou à situação de injustiça social tinha como o alvo principal o neoliberalismo e a idolatria do mercado. Muitas vezes as pessoas confundiam a crítica à idolatria do mercado (a absolutização ou a sacralização das leis do mercado que leva a justificar sacrifícios e sofrimentos de vidas humanas em nome do mercado) com a crítica do mercado como tal. Isto é, não percebiam que a crítica teológica feita por autores como Hugo Assmann e Franz Hinkelammert ao sistema de mercado capitalista não era uma crítica ao mercado em si, mas à sua sacralização, à lógica do sistema que vê o mercado como algo sagrado.
Recentemente, em um pequeno curso dado em Vitória, ES, um jovem começou a sua pergunta falando do caráter idolátrico do mercado. Eu tive que lhe explicar que o mercado não tem um caráter idolátrico, pois o mercado é o espaço de trocas de bens econômicos e existe há muitos séculos, bem antes do capitalismo e existirá mesmo depois do fim do capitalismo. O problema é que o sistema capitalista produz a idolatria do mercado, assim como outros grupos sociais ou sistemas transformam ou podem transformar algo ou alguma instituição em algo sagrado, um ídolo. Assim, por ex., podemos ter idolatria do mercado, a idolatria do Estado socialista ou a idolatria da Igreja.
Ultimamente, com a crise do neoliberalismo, as críticas que alguns setores do cristianismo fazem ao sistema econômico capitalista foram se dirigindo a um novo alvo: o consumo. Eu penso que isso se deve, pelo menos em parte, a dois fatores: a) o capitalismo criou a cultura de consumo e a obsessão do consumismo; b) a consciência ecológica está criticando fortemente essa obsessão do consumo por causa do seu caráter destrutivo do meio ambiente. Porém, eu penso que é preciso ter cuidado para não confundir a crítica à cultura de consumo, com a sua espiritualidade de consumo, com a crítica ao consumo como tal.
Quando falo da espiritualidade de consumo, quero dizer que uma das forças que move a vida das pessoas e da sociedade, dá sentido de vida – e com isso o senso de direção nas decisões concretas- e serve de critério para classificar a dignidade ou o valor das pessoas ou o processo de humanização é o desejo de consumo. As pessoas constroem a sua auto-imagem e classificam hierarquicamente os grupos sociais pela sua capacidade de consumo e por o que consume. Para quem acha muito estranho falar de espiritualidade em campo econômico, não podemos esquecer que já Max Weber tinha diagnosticado que o capitalismo é movido pelo espírito capitalista.
Entretanto, a crítica a essa espiritualidade de consumo (com a apresentação de outro tipo de espiritualidade realmente humanizadora) não pode significar a crítica ao consumo como tal. Pois, consumir faz parte do viver humano. Não conseguimos viver sem consumir alimentos, bebida, habitação, vestimentas, etc. E para celebrar amizades precisamos também de boa comida e boa bebida, em torno do qual nos reunimos. Mais importante é que a nossa luta em favor dos mais pobres é para que essas pessoas possam consumir melhor e mais.
Se confundirmos a crítica à espiritualidade de consumo do sistema capitalista com a crítica ao consumo como tal, não poderemos nos alegrar quando os pobres usufruem melhor as suas vidas também porque conseguem consumir mais e melhor. Uma crítica nascida de boa intenção (a de criticar a injustiça social e a obsessão pelo consumo) pode gerar em nós uma atitude negativista frente à vida. Sobre isso, Hugo Assmann, no seu último texto inacabado, escreveu: “Em vez de alegrar-se com uma certa difusão da renda e do poder aquisitivo, os negativistas anti-mercado despejam o seu moralismo contra o que me dá enorme alegria, ver o povo comprando e fruindo do prazer de comprar”.