A defesa da vida, a morte do fundamentalista e a paz econômica
Jung Mo Sung
Em sua recente viagem ao Egito, o primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu disse que “a luta na região não é entre povos e religiões, mas entre aqueles que buscam a vida e os que buscam a morte e a violência”; e que isso significa lutar “contra fundamentalistas e terroristas que ameaçam a paz”.
Lido fora do contexto histórico, a primeira parte da afirmação, “a luta na região não é entre povos e religiões, mas entre aqueles que buscam a vida e os que buscam a morte e a violência”, parece bastante sensata e correta. Afinal, a grande maioria das pessoas e grupos que luta por um mundo mais humano se engaja nas lutas em nome da defesa da vida, contra as forças da morte e violência, e prega a convivência pacífica entre povos e religiões diferentes.
Isso mostra que o discurso da tolerância ou convivência pacífica entre povos e religiões e a defesa da vida se tornou um discurso “padrão”, politicamente correto, e já não serve mais para diferenciar, como diriam as crianças, os “de bem” e os “de mal”. Ninguém, com mínimo de conhecimento de propaganda, defenderia a morte e a intolerância contra outros povos e contra outras religiões, pelo simples fato de serem outros povos e outras religiões. É sempre em nome da defesa da vida e da paz que as guerras contras povos e religiões são realizadas. Matam-se em nome da defesa da vida!
Hoje, a principal justificativa para ações militares ou repressões políticas não é mais a superioridade de um povo ou de uma religião sobre a outra, mas a diferença “entre os que buscam a vida e os que buscam a morte e a violência”. O problema é que para defender a vida em situações conflitivas, muitas vezes é preciso fazer o uso da força; até matar em nome da defesa da vida.
Como então defender o uso da violência e assassinato para defender a vida contra os violentos e assassinos? Qual é a diferença entre esses dois lados?
O argumento de Netanyahu, como de muitos outros, é que os que lutam contra nós, mesmo que façam em nome da vida e da paz, são “fundamentalistas e terroristas”. E, por definição, os fundamentalistas e terroristas são contra a paz. Criou-se um rótulo para justificar a repressão e assassinatos: “fundamentalistas” religiosos que, por serem fundamentalistas, se tornariam quase que automaticamente terroristas. E contra terroristas tudo é permitido.
Assim sendo, qualquer pessoa que seja taxado de fundamentalista, mesmo que seja apenas uma criança ou adolescente, é visto como sendo um atual ou potencial terrorista que precisa ser vigiado, reprimido e se necessário morto. Tudo em nome da paz e da vida!
Dessa forma, se estabelece um estado de exceção permanente em todas as partes do mundo. Basta que uma pessoa seja taxada de fundamentalista / terrorista para que as leis do Estado de Direito sejam suspensas – Estado de Exceção – em relação a ela e ao seu grupo. Como esse procedimento pode ser feito a qualquer hora, o Estado de Exceção se torna permanente, isto é, é uma possibilidade permanente. Com isso, o atual sistema de dominação imperial não busca mais a noção de estado de direito ou a paz política como um valor fundamental. O que se busca é, como propôs e prometeu o atual primeiro-ministro israelense, a “paz econômica”.
Talvez seja por isso que os principais líderes do mundo estão trabalhando arduamente para devolver a paz e desenvolvimento à economia, enquanto que as guerras, repressões e mortes de milhares de inocentes na Palestina, Darfur, Sri Lanka, Tailândia, Tibete e em outros lugares não ocupam lugares importantes na agenda.
Dessas reflexões rápidas, eu quero propor alguns pontos de reflexão.
1) Não basta “gritarmos” que defendemos o diálogo entre povos e religiões e que defendemos a vida contra a morte. Hoje quase todos dizem a mesma coisa. É preciso dar um passo avante e desvelar a lógica sacrificial por detrás desse discurso “politicamente correto”.
2) É preciso criticar e combater a legitimação do estado de exceção permanente que está vigorando na ideologia hegemônica. Para isso, precisamos reconhecer que nem todas as críticas construídas nos últimos 20-30 anos são apropriadas para o atual momento.
3) É preciso superar o preconceito de setores “ilustrados”, “modernos” ou “progressistas” contra os chamados fundamentalistas religiosos e desvincular a noção de fundamentalista religioso da de terrorista, conservador político ou de reacionário. Há setores religiosos identificados como fundamentalistas (seja no mundo cristão, islâmico ou judeu) que são ou podem ser reais aliados na luta contra a dominação imperial e na construção de um mundo mais humano.