A fé e a saudade convivem

Dias desses, fui ao velório da mãe de um amigo. Ela morreu apos meses de internação. Tinha mais de 90 anos. Meu amigo abraçou-me demoradamente e chorou em meu ombro a saudade. Disse, entre prantos: “Meu pai já foi, meus dois irmãos morreram e, agora minha mãe”.

Ouvi seu lamento sem praticamente nada dizer. Apenas a linguagem do abraço e do olhar. “Nos momentos mais difíceis da minha vida, era no colo dela que eu deitava. E ela calmamente brincava com os meus poucos cabelos.” E prosseguiu: “Será difícil voltar para casa e arrumar as suas coisas”. Meu amigo é padre. Logo depois chegou o bispo e mais alguns padres. E rezaram juntos. E cantaram. E, cheios de fé, entregaram aquela mulher aos braços do Pai.

Meu amigo padre tem muita fé. E tem saudade também. A fé e a saudade convivem. A experiência da despedida é sempre dolorosa. A triste consciência de que os abraços, os olhares, as conversas, a convivência, enfim, acabaram.

Vivi isso nas tantas despedidas de minha vida. Meu pai, meus irmãos, meus avos, tios, amigos. Chorei com os meus. Consolei os meus e, por eles, fui consolado. Muitas vezes, ofereci o colo para que minha mãe chorasse. E depois revezamos. E depois levantamos. E, apesar da dor prosseguimos.

A dor é uma experiência humana. É necessária. Ela tem um poder impressionante de melhorar algo em nós se nos abrirmos para esse aprendizado.

Quando saí do velório, liguei para minha mãe e renovei todo carinho e amor que tenho por ela. Fiquei imaginando que as palavras não ditas se perdem em algum lugar difícil de encontrar.

Quantas historias de remorso, arrependimento tardio das despedidas que não aconteceram! Brigas tolas. Problemas acidentais. Emoções travadas. E desperdiçamos o tempo de delicadezas.

Faço um convite a você que tem pai e mãe, que tem irmãos e amigos, que tem filhos. Não economize nos sentimentos de afeto. Convide o perdão a morar em sua casa. Peça à vingança, ao egoísmo e a raiva que se retirem. Aproveite o tempo precioso para dizer “eu te amo” a quem você realmente ama.

Meu amigo padre voltou para sua casa. Com certeza, rezou para que Deus acolhesse sua mãe. Talvez tenha sentado no sofá em que tantas vezes ela o acolheu e chorou a saudade incômoda. É assim mesmo! Até a eternidade.

Gabriel Chalita

4 Comentários

  1. Arlete Hernandez
    dez 12, 2010 @ 20:37:52

    Excelente mensagem desse grande educador Gabriel Chalita. Seria muito interessante ter, periodicamente, um artigo dele no site O Arcanjo.no ar.

  2. carlos Alberto Beatriz
    dez 12, 2010 @ 22:58:00

    Saudade, dor, amor, sensibilidade, fé, amizade, solidariedade. Vários sentimentos. Chalita, você vivenciou todos eles com o seu e nosso amigo. Uma marcante forma de exteriorizar os sentimentos, que é compartilhada por muitos.
    Um fraternal abraço.
    Carlos

  3. Alexandre
    dez 13, 2010 @ 11:51:36

    Caros, bom dia a todos!, Saber o que é a dôr que sente cada pessoa, somente poderia ser apresentada, com única, ninguém, mas ninguèm mesmo pode saber a dor que o outro sente com a perda, ela, é solitária, as vezes infinita, porém ela pode ser dominada, mas nunca apresentada como uma entre muitas. A perda é solitária ela é só daquela pessoa que sofre e não tem jeito de mudar esta situação. Porém este texto escrito pelo Gabriel Chalita também é próprio da sua solidão da dor. Eu como já disse ao Pe. Júlio, imagino o que ele sente, mas nunca poderei sentir a sua dor. Obrigado Chalita, obrigado Pe. Júlio. Que ambos encontrem na fé a sua cura, o seu consolo, a sua Paz.

  4. Mercia Maria Almeida Neves
    dez 17, 2010 @ 21:55:29

    De percas eu sei falar.Perdi meu pai, quinze anos,morte tôla, ninguém entendeu, perdi àquela,que era minha filha, que não gerei, a Sandra,São, a minha irmã caçula, vinte e cinco anos,depressão; Minha mãe inconsolável, buscava em sua imensa dor,desculpas,auto-sugestão, para aquela tragédia:”foi a ausência do pai, ela matou-se por pura ausência do pai”…eu acreditava que ela ia levantar-se, esperava, sentava, ia até ela, a chamava,medicada, tomei caixas de tranquilzantes, e nada me dopava. Sandra ia levantar eu TINHA que estar ali.
    Nunca superei,é a com a fé que caminho, é com a saudade que levanto, é por ela que sofro,é por ela que tornei-me melhor na esperança de tê-la em meus braços, na Vida Eterna junto aos meus…