A Igreja e a Bioética (II)
Alexandre Andrade Martins
Em busca de um diálogo à luz do Evangelho para defender a vida dos nossos povos
Na primeira parte, vimos à relação entre Igreja e Bioética. Desse ver analítico, percebemos que a Igreja está preocupada com os problemas bioéticos, mas tem certa dificuldade de abrir-se para um diálogo mais aberto com a sociedade, sobretudo com os pensadores da bioética laica, no qual coloque livremente sua doutrina moral tradicional dentro de um debate intersubjetivo. Também vimos do lado da reflexão bioética extra-igreja a existência de tendências fechadas para ouvir e dialogar com a Igreja e outras mais abertas (nesse meio laico não há uma voz única, mas grande diversidade de pensamentos). O que une o pensamento da Igreja e do mundo laico a cerca da bioética é a defesa da vida, mas o como cada um pensa, às vezes, separa os dois lados. Assim percebemos que há uma contribuição mútua quando acontece um verdadeiro diálogo intersubjetivo, foi o caso da TdL com a opção preferencial pelos pobres, que contribuiu à bioética para sair do fechamento do principialismo e se abrir à realidade social na qual os pobres clamam por vida. Porém esse diálogo fecundo ainda é muito restrito, pois o fechamento ainda é grande. A Igreja ainda permanece presa a elementos tradicionais e não aceita dialogar sobre eles de modo aberto e intersubjetivo. Finalizamos o ver resumindo-o em sete pontos que caminham para comprovar nossa hipótese inicial. A Igreja tem muito a contribuir à reflexão bioética, já contribui com alguns elementos, mas pode contribuir mais se ter uma abertura maior para um diálogo sem medo ter sua doutrina tradicional questionada.
Passamos para a segunda parte, o julgar, em busca de elementos capazes de mostrar a importância do diálogo no debate bioético entre Igreja e sociedade laica, debate tenso, mas necessário para a defesa eficaz da vida.
O julgar sempre deve partir da luz emitida da Palavra de Deus. Sendo assim, buscaremos luzes no Evangelho em primeiro lugar. Depois observaremos alguns documentos do Magistério que podem ajudar nosso caminho. Usaremos reflexão de um pensador que fala da importância do diálogo para a sociedade na busca do melhor agir ético e apresenta-nos um método dialógico. Finalizaremos mostrando o diálogo como possível e necessário para o bem da sociedade, sobretudo do povo mais simples.
Jesus Cristo sempre esteve aberto ao diálogo. Onde ele foi não impôs seu pensamento, mas dialogou com as pessoas para juntas chegarem à verdade, que estava consigo, mas levou-as a descobrir e não apenas a aceitarem. Jesus é o primeiro a fazer um diálogo com aqueles que pensam diferente, sem medo de perder o debate ou preso em si sem se abri ao outro. Na passagem na qual Jesus dialoga com um escriba (Mc 12, 28-34), encontramos um debate aberto intersubjetivo. Uma abre-se a subjetividade do outro, as idéias são apresentadas, há uma reflexão e uma argumentação, para se então chegar as considerações finais nas quais o povo que os escutavam saem ganhando, pois agora sabem como viver melhor de acordo com os dois principais mandamentos de Deus. Os dois interlocutores saem do debate satisfeitos, pois chegaram a um ponto comum. Jesus finaliza elogiando o escriba.
Vejamos mais de perto essa perícope do Evangelho de Marcos, pois ela oferece elementos libertadores para um verdadeiro diálogo entre a Igreja e a reflexão bioética laica. Temos no texto o encontro de dois teólogos, verdadeiros conhecedores da Torá. Jesus estava pregando na Praça do Templo, em Jerusalém, e aproxima-se dele um escriba. Do ponto de vista literário, o autor mostra que começa uma nova unidade literária, mas dentro de um contexto maior no qual Jesus vive uma situação dramática devido sua pregação. Muitas autoridades o querem prender, algo perto de acontecer. Nessa unidade literária encontramos um diálogo fecundo suscitado por uma pergunta feita pelo escriba a Jesus: qual é o primeiro mandamento? (v. 28). O escriba via que Jesus era um bom conhecedor da Lei, pois respondia as perguntas com conhecimento e sabedoria. Esse reconhecimento fez o escriba questionar Jesus. Podemos dizer em linguagem corrente no meio acadêmico: Jesus argumentava com fundamentação, algo fundamental no debate bioético. A maioria dos escribas estavam contra Jesus e não queriam ouvi-lo, mas esse era um escriba aberto ao diálogo, ele age diferente dos outros se pondo a conversar com Jesus de maneira aberta e livre, como Jesus também se colocou na conversa. Assim tornou-se possível a reflexão.
Para responder o questionamento, Jesus recorre a Torá, ponto comum para os dois pensadores, e vai além da uma simples resposta; Jesus não apresenta o maior mandamento de forma única, mas de forma dupla. Traz o novo ligando dois mandamentos em um apenas. A resposta de Jesus, recorrendo a Dt 6,4 e a Lv 19,18, foi: o primeiro mandamento é: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor, e amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma’ de todo teu entendimento, e com toda a tua força. O segundo é este: ‘Amaras o teu próximo como a ti mesmo’. Não existe outro mandamento maior do que este (v. 29-31).
O discurso é bem estruturado. De forma direta, Jesus lembra dois mandamentos da Torá: um primeiro (v. 29b) e um segundo (v. 31a). No final, une os dois mandamentos através de um comentário: não existe outro mandamento maior que estes (v. 31c). Em outras palavras: estes dois mandamentos, comparados a todos os outros, têm a mesma qualidade. São insuperáveis. Isso, por sua vez, significa que, comparados entre si, existe um “antes” e “depois”, mas não um “maior” e “menor”. Afinal, o primeiro e o segundo mandamentos gozam da mesma insuperabilidade (GRENZER, 2008, p. 25-26).
Jesus volta à tradição, mas não fica escravo dela e oferece o novo sem ferir a tradição. Ele ajusta a Lei à realidade fazendo uma interpretação original. Para amar a Deus é necessário amar seu irmão, o amor a Deus leva ao amor ao próximo como diz a 1Jo 4, 20-21, separar torna falso o amor a Deus. A atitude de Jesus mostra como deve ser a atitude da Igreja no diálogo sobre os problemas bioéticos. Os representantes da Igreja não podem entrar no debate fechados na doutrina católica tradicional não se abrindo para o novo tampouco precisam esquecer ou renegar o tradicional. A Igreja precisa voltar ao depositum fidei, nele está o fundamento de toda doutrina, e buscar algo novo para responder questões novas. Assim fez Jesus, ele volta a Torá e faz um salto unindo dois princípios, que respondem uma realidade na qual as pessoas religiosas (especialmente as autoridades) estavam muito presas a Lei, de forma legalista, querendo (ou dizendo) amarem Deus, mas excluíam pessoas, sobretudo os pobres e os doentes. Jesus defende a vida com uma argumentação inteligente e bem estruturada, busca o que é comum ao seu interlocutor, retoma a tradição de maneira profética e traz a luz um novo ensinamento. A Igreja precisa ir para o diálogo atenta aos desafios da história, confiante no discernimento do Espírito, para, recorrendo ao seu fundamento, proporcionar ensinamentos capazes de defender a vida de forma profética e libertadora.
Diante da argumentação de Jesus o escriba não precisa questioná-lo mais. Não é preciso medir forças, pois a voz de Jesus faz ressoar a verdade. Num debate, medir forças apenas por vaidade intelectual e falta de humildade diante da verdade do outro faz com que a vida não seja defendida, quem perde é a sociedade, sobretudo os pobres. O escriba disse para Jesus: muito bem, Mestre, tens razão de dizer que Ele é o único e que não e que não existe outro além dele, e amá-lo de todo o coração, de toda a inteligência e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios (v. 32-33). O escriba concorda com Jesus afirmando ser verdade seu argumento (no texto original em grego aparece alheteías, referindo ao que Jesus falou) e acrescenta algo, completando a argumentação do companheiro teólogo, fundamentando ainda mais aquele ensino. Acrescenta: não existe outro além dele (Deus), mostrando também seu conhecimento da Torá. Os dois estão bem fundamentados. As palavras do escriba dão mais força para o argumento de Jesus ao acrescentar também que seguir esse mandamento vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios. O escriba fala isso em meio a Praça do Templo, local exclusivo para as celebrações de holocaustos e sacrifícios. Sua atitude é corajosa, mas não tem medo de falar, pois sua preocupação é com a verdade e não com os interesses próprios (ou de um grupo) e com aquilo que pode ser usado para oprimir e não promover vida. O debate entre Igreja e os pensadores do mundo laico não pode ser algo motivado por interesses próprios. Ambos os debatedores devem estar preocupados com a verdade e com o bem do povo, especialmente dos pobres e dos excluídos. É muito comum cada lado ficar defendendo suas posições por pura vaidade intelectual (isso acontece muito no meio acadêmico e científico) sem a menor preocupação com bem comum e com vida das pessoas mais vulneráveis na sociedade. O escriba mostra que, se o outro está com a verdade e essa é para o bem da sociedade, não há motivos para ir contra ele. Ao invés é preciso apresentar argumentos auxiliares no esclarecimento desse conteúdo.
Semelhante atitude do escriba é a atitude de Jesus na sua tréplica. Ele elogia o escriba e agradece pelo complemento. Jesus percebe inteligência na fala do escriba. Não faz sentido ir contra o complemento dado pelo escriba, pois ajudou a ficar mais claro a argumentação dada por primeiro. Jesus, vendo que ele respondera com inteligência, disse-lhe: ‘tu não estás longe do Reino de Deus’. E a conclusão do texto é: e ninguém mais ousava interrogá-lo (v.34). Chegada à verdade, naquilo que é melhor para o povo ter mais vida, resta-lhe por em prática. Avançar além dos questionamentos e viver a ética proposta, no caso de amar a Deus e ao próximo como a si mesmo.
Os dois estavam dialogando no Templo na semana da Páscoa. Eles não invalidam a tradição e os costumes do povo nem desprezam o culto, mas, de forma profética, apresentam o amor como algo mais importante. Os dois chegam a um termo comum e apresentam amar a Deus no dia-a-dia com algo fundamental. Uma fé encarnada na vida lança o fiel ao amor ao próximo para defendê-lo e assim promover a vida digna querida por todos. Jesus traz algo novo, pois a realidade clama por isso, interpreta a Torá em chave profética e não de forma legalista. Tudo em vista do bem do povo. O escriba segue a mesma linha, pois se abre para o outro com sua novidade e não está preocupado em manter o sistema ou na sua vitória no debate, mas na vitória para o (ou do) povo.
O diálogo da Igreja com os pensadores da bioética laica deve ser nesse espírito, com abertura em ambos os lados. Tanto a Igreja como os cientistas extra-igreja devem ir para o debate como foram Jesus e o escriba, dois intelectuais humildes cuja preocupação era com a verdade e com o bem do povo. O Evangelho ensina que se o diálogo acontece de forma clara, buscam-se pontos comuns, entra-se na subjetividade do outro para entendê-lo sem preconceitos e o objetivo é a verdade e o bem da sociedade, os frutos serão bons para todos e não para alguns apenas. A Igreja precisa ter a coragem de levar sua doutrina para o debate bioético como Jesus fez com o escriba e, assim, manter-se sempre atenta aos sinais dos tempos para poder buscar o novo em vista de melhor defender a vida.
Ensinamentos do magistério mostram que o diálogo com o mundo é fundamental para Igreja ser sinal de Cristo no mundo e defensora da vida. Paulo VI na sua encíclica Ecclesiam Suam de 1964 diz que a Igreja precisa ter três atitudes básicas no seu peregrinar no mundo: num caminho espiritual, buscar a consciência de si mesma, ter consciência da sua identidade; num caminho ético-moral, consciente da sua identidade, buscar a sua renovação, ter a coragem de fazer as reformas necessárias a luz do Espírito; e num caminho apostólico, buscar o diálogo com o mundo, isto é, com as culturas, com as religiões e com o homem moderno. Paulo VI lança uma teologia do diálogo no seu texto em meio ao Concílio Vaticano II, felizmente presente nos documentos conciliares Lumen Gentium, sobre a Igreja, e Gaudium et spes, sobre a Igreja no mundo. Ambos abrem a Igreja para o diálogo com o mundo numa volta aos seus fundamentos e atentos aos sinais dos tempos, os quais são discernidos à luz da Palavra de Deus pelo Espírito Santo. Desse modo busca-se o novo em vista da verdade para o bem do povo.
Para desempenhar tal missão, a Igreja, a todo o momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre o significado da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole freqüentemente dramática (GS 04).
O ensinamento do Vaticano II está em sintonia com a atitude de Jesus com o escriba. O texto da GS chama a Igreja para entrar no diálogo com o mundo, a entrar na sua subjetividade para entendê-lo melhor, está atenda aos sinais apresentados nesse mundo que exigem renovação e adaptações para responder os desafios do presente. Uma Igreja que volta aos fundamentos, como Jesus fez ao voltar a Torá, e, atenta aos apelos da história, busca, em diálogo com o homem moderno, responder os desafios do hoje. Isso não é abrir concessão à modernidade nem aceitar tudo que vem dela, mas é abrir-se para um diálogo fecundo para o bem da humanidade.
A Igreja deve ir para o debate bioético com esse espírito, sem abrir mão do seu fundamento primeiro, o Evangelho, mas disposta, se necessário, a fazer novas reflexões, ouvir os questionamentos e, junto com seu interlocutor, chegar mais próximo da verdade para a bom do povo, sobretudo dos mais pobres. Dessa maneira a Igreja certamente contribuirá muito mais na defesa da vida e promoção da dignidade.
Nesse diálogo, fé e razão caminham juntas. O discurso da Igreja precisa ser inteligente, bem argumentado e aberto para mudanças e complementos. Tudo isso não significa renunciar a fé, mas usar esse dom (inteligência) dado por Deus para a defesa da vida e sua dignidade. A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade (JOÃO PAULO II, 1998, p.04). O diálogo pressupõe o uso da razão, principalmente com argumentos bem elaborados. A relação da fé com a razão deve ser de profunda intimidade, uma fé operante pela caridade e uma razão que busca a verdade atenta aos sinais dos tempos iluminada pela fé, mesmo que seja necessário mexer em alguns elementos da doutrina tradicional.
Tanto a Igreja como os bioeticistas não religiosos têm muito para oferecer à sociedade, a contribuição pode ser muito grande ser acontecer um diálogo aberto e fecundo entre ambos. A Igreja não pode ficar presa a sua doutrina tradicional com medo de dialogar e ficar medindo forças com seguimentos da sociedade. O mesmo vale para o outro lado. Nos dilemas bioéticos essa briga de forças fica clara. Na Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação de 1987 emitida pela Congregação para a Doutrina da Fé, na época presidida pelo Cardeal Ratzinger, hoje papa Bento XVI, ao dizer sobre temas ligados a procriação e as técnicas de fertilização artificial, no primeiro tema, repete o pensamento tradicional da Igreja sobre o matrimônio, a relação sexual e a sexualidade, não traz nada de novo. O segundo tema exige algo novo, pois está ligado uma técnica que há poucos anos não existia, mas a instrução tenta responder o novo desafio com algo antigo e fica algo aquém da realidade.
Nessa instrução também percebemos um fechamento para o diálogo, pois trabalha com temos proibitivos (como: ilícito, lícito, proibido, imutável), falando o que pode e o que não pode ao invés de convidar a uma reflexão profunda num debate com a sociedade. Sem questionar o conteúdo do documento, a forma como ele é apresentado demonstra um grande fechamento para o diálogo, pois oferecer todas as respostas prontas, isso impede que sejam consideradas situações não presentes no documento. A instrução tem o mérito de apresentar os fundamentos do valor da vida humana, sua dignidade querida por Deus e que todos devem respeitar a vida do outro desde a sua concepção até a morte. Mostra o valor da vida em si mesmo, além do biológico, pois tem a dimensão espiritual. Isso é importante porque muitas vezes na reflexão bioética laica esquece-se das outras dimensões humanas além da biológica, reduzindo-se muito a concepção de ser humano. A Igreja ensina que o homem é peregrino na Terra em direção à vida no mistério de Deus, essa é a vocação primordial do homem. Esse ensino faz a ciência duras e a bioética olharem o ser humano considerando sua dimensão espiritual, mas para isso acontecer é preciso a debate dialógico de ambas as partes.
A instrução fundamenta muito bem o valor da vida humana, buscar o ensinamento tradicional da Igreja, mas aplica-o de forma fechada e com caráter de imutabilidade.
Em conformidade com a doutrina tradicional relativa aos bens do matrimônio e à dignidade da pessoa, a Igreja permanece contrária, do ponto de vista moral, à fecundação homóloga “in vitro”; esta é, em si mesma, ilícita e contrária à dignidade da procriação e da união conjugal, mesmo quando se tomam todas as providências para evitar a morte do embrião humano (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, 1887, p. 45)
A questão da fertilização in vitro é muito complexa e problemática na qual dá uma resposta fechada pronta e acabada, a favor ou contra, talvez não seja o melhor caminho. Dialogar mais é preciso, porém não podemos ficar o tempo todo debatendo o tema e não oferecer uma posição à sociedade, pois nesse meio tempo podem acontecer coisas absurdas. Considerar o valor da vida é o principal elemento para o diálogo no campo bioético, mas o valor da vida inclui elementos culturais, religiosos, biológicos, psicológicos e sociais. No debate tudo isso deve ser considerado de forma profunda e é preciso entrar na realidade do outro que sofre. Sendo assim a Igreja deve entrar no debate desarmada, assim como os bioetincistas não religiosos também e ambos terem a clareza que não estão pensando apenas sobre si mesmos, mas estão refletindo em vista do bem da sociedade, a qual precisa ser ouvida para não impor algo distante da situação concreta.
Como último elemento do julgar, mostraremos o pensamento de um filósofo que defende o diálogo para se chegar a uma decisão ética. Falamos de Jürgen Habermas, pois ele defende a razão comunicativa e a ética da discussão na qual considera a intersubejetividade. Ele oferece-nos um método dialógico que julgamos ser importante para o debate bioético, sobretudo na relação entre a Igreja e a bioética. Para acontecer esse diálogo é preciso que um interlocutor argumente para o outro de forma esclarecida para permitir que o outro possa compreender bem suas idéias e sua subjetividade. A pessoa deve ir para o debate de forma aberta a fim de estabelecer uma dialética entre as duas posições. A partir dessa ação comunicativa e intersubjetiva se chegará a um termo, a uma decisão.
Os participantes (do debate), no momento mesmo em que encetam uma tal prática argumentativa, têm de estar dispostos a atender à exigência de cooperar uns com os outros na busca de razões aceitáveis para os outros; e, mais ainda, têm de estar dispostos a deixar-se afetar e motivar, em suas decisões afirmativas e negativas, por essas razões e somente por elas (HABERMAS, 2004, p.15)
Habermas propõe um método que usado pode favorecer a relação entre a Igreja e Bioética. Pode ser um caminho para acontecer o diálogo, pois com esse método um cresce com o outro corrigindo seus equívocos e absorvendo as contribuições alheias na busca da verdade e em vista do melhor agir ético para o bem da sociedade.
Acontecer esse diálogo entre Igreja e os pensadores não religiosos é fundamental para o desenvolvimento da reflexão bioética em vista do bem de toda sociedade. Ambos têm muitos elementos a oferecerem para o bem do povo, porém é necessário mais abertura em ambos os lados e, destacamos aqui, a necessidade da Igreja se abrir mais e não tem medo de colocar dialeticamente sua doutrina tradicional em diálogo a fim de encontrar respostas novas para desafios novos (se assim for necessário).
O desenvolvimento da Teologia na América Latina permitiu acentuar uma dimensão às vezes esquecida pela Igreja romana, que foi a dimensão de uma salvação vista de forma coletiva na qual se começa aqui na Terra na luta pelos direitos e pela vida digna dos pobres, injustiçados e marginalizados. Isso fez a Igreja olhar para os pobres e marchar com eles, junto com Deus presente na história, o Deus do Êxodo e de Jesus Cristo, para libertação. Assim nasce com vigor a opção preferencial para os pobres, uma opção da fé cristológica (cf. Aparecida 393-396). Esse novo foco da Igreja latinoamericana contribuiu de forma significativa para a bioética pensada no terceiro mundo sai do vicio principialista e se volte para os problemas sociais desse continente marcado pela desigualdade, pois esses problemas ameaçam a vida no mundo subdesenvolvido mais do que qualquer nova técnica proveniente da engenharia genética. Isso mostra que o diálogo é possível, pois em alguns momentos ele aconteceu e os frutos foram bons. Um diálogo aberto, inteligente e à luz da Palavra de Deus pode fazer muito bem para todo nosso povo, pois no diálogo se caminha para a verdade na defesa da vida com dignidade.