A íntregra do discurso do Papa Francisco ao mundo do trabalho, na manhã deste domingo em Cagliari

“Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Vos saúdo cordialmente: trabalhadores, empresários, autoridades, famílias presentes, em particular o Arcebispo Dom Arrrigo Miglio e aqueles três de vocês que expressaram os vossos problemas, as vossas expectativas, as vossas esperanças. Esta visita – como dizia – inicia justamente com vocês, que formam o mundo do trabalho. Com este encontro desejo sobretudo expressar-vos a minha proximidade, especialmente às situações de sofrimento: a tantos jovens desempregados, às pessoas que vivem precariamente, aos empreendedores e comerciantes que têm que lutar para seguir em frente. É uma realidade que conheço bem pela experiência vivida na Argentina. Eu não a conheci, mas a minha família sim: meu pai, jovem, foi para a Argentina cheio de ilusões para “fazer a América”. E sofreu a terrível crise dos anos 30. Perderam tudo! Não havia trabalho! E eu escutava, na minha infâancia, falar desta época, em casa….Eu não a vi, não era ainda nascido, mas escutava dentro de casa sobre este sofrimento, falar deste sofrimento. Conheço bem isto! Mas devo vos dizer: Coragem! Mas também tenho consciência que devo fazer tudo da minha parte, para que esta palavra “coragem” não seja uma bela palavra de passagem! Não seja somente um sorriso cordial de funcionário, de um funcionário da Igreja que vem e vos diz “Coragem!”. Não! Isto eu não quero! Eu quero que esta coragem venha de dentro e me leve a fazer de tudo como Pastor, como homem. Devemos enfrentar com solidariedade, entre vocês – também entre nós – todos com solidariedade e inteligência, este desafio histórico.

Esta é a segunda cidade que visito na Itália. É curioso: todas as duas – a primeira e esta – são ilhas. Na primeira eu vi o sofrimento de tanta gente que procura, arriscando a vida, dginidade, pão e saúde: o mundo dos refugiados. E vi a resposta daquela cidade, que – sendo ilha -, não quis isolar-se e recebe um deles e o faz como seu; nos dá um exemplo de acolhida: sofrimento e resposta positiva. Aqui, nesta segunda cidade, ilha que visito, também aqui encontro sofrimento. Um sofrimento que um de vocês me disse que “te enfraquece e acaba roubando a esperança”. Um sofrimento – a falta de trabalho – que te leva – perdoem-me se sou um pouco forte, mas digo a verdade – a sentir-te sem dignidade! Onde não existe trabalho, falta a dignidade! E isto não é um problema da Sardenha somente, mas é muito forte aqui! Não é um problema somente da Itália ou de alguns países da Europa, é a consequência de uma escolha mundial, de um sistema econômico que leva a esta tragédia; um sistema econômico que tem no seu centro um ídolo, que se chama dinheiro.

Deus quis que no centro do mundo não esteja o ídolo, mas o homem, o homem e a mulher, que levam em frente, com o próprio trabalho, o mundo. Mas agora, neste sistema sem ética, ao centro está um ídolo e o mundo tornou-se idólatra deste ‘deus-dinheiro’. Manda o dinheiro! Manda o dinheiro! Comanda todas as coisas que servem a ele, a este ídolo. E o que acontece? Para defender este ídolo todos se juntam no centro e caem as extremidades, caem os anciãos, porque neste mundo, não existe lugar para eles! Alguns chamam esta prática de “eutanasia disfarçada”, de não cuidar deles, de não levá-los em conta… “Sim, deixem-nos para lá…”. E caem os jovens que não encontram o trabalho e a dignidade. Mas pensa, num mundo onde os jovens – duas gerações de jovens – não têm trabalho. Não tem futuro este mundo. Por que? Porque eles não têm dignidade! É difícil ter dignidade sem trabalho. Este é o sofrimento de vocês aqui. Esta é a oração que vocês de lá gritavam: “Trabalho, Trabalho, Trabalho!”. É uma oração necessária. Trabalho quer dizer dignidade, trabalho quer dizer levar o pão para casa, trabalho quer dizer amar! Para defender este sistema econômico idolátrico, se instaura a ‘cultura do descartável’: se descartam os avós e se descartam os jovens. E nós devemos dizer não a esta cultural do descartável. Nós devemos dizer: “Queremos um sistema justo! Um sistema que nos faça seguir em frente, todos”. Devemos dizer: “Nós não queremos este sistema econômico globalizado, que nos faz tanto mal!”. No centro, deve estar o homem e a mulher, como Deus quer, e não o dinheiro!

Eu havia escrito algumas coisas para vocês, mas, olhando para vocês, me vieram estas palavras. Eu entregarei ao Bispo estas palavras escritas, como se tivessem sido ditas. Mas eu preferi dizer a vocês aquilo que me vem do coração, olhando-vos neste momento! Olhem, é fácil dizer ‘não percam a esperança’. Mas a todos, a todos vocês, àqueles que têm trabalho e àqueles que não têm, digo: “Não vos deixem roubar a esperança!”. “Não deixem que vos roubem a esperança!”. Talvez a esperança seja como brasas sob as cinzas; ajudemo-nos com a solidariedade, assoprando sobre as cinzas, para que o fogo se acenda novamente. Mas a esperança nos leva em frente. Isto não é otimismo, é uma outa coisa. Mas a esperança de alguém, é de todos! A esperança devemos tê-la entre todos, todos vocês e todos nós que estamos longe. A esperança é uma coisa vossa e nossa. É algo de todos! Por isto vos digo: Não vos deixem roubar a esperança”. Mas somos espertos, porque o Senhor nos disse que os ídolos são mais espertos do que nós. O Senhor nos convida a ter a esperteza das serpentes, com a bondade das pombas. Temos esta esperteza e dizemos as coisas com o próprio nome. Neste momento, no nosso sistema econômico, no nosso sistema proposto globalizado de vida, no centro está um ídolo e isto não pode ser! Lutemos todos juntos para que no centro, ao menos das nossas vidas, esteja o homem e a mulher, a família, todos nós, para que a esperança possa seguir em frente. ”Não vos deixem roubar a esperança”.

Agora gostaria de finalizar rezando com todos vocês, em silêncio, rezando com todos vocês. Eu direi aquilo que me vem no coração e vocês, em silêncio, rezem comigo.

“Senhor Deus, guardai-nos! Guarda esta cidade, esta ilha. Guarda as nossas famílias.
Senhor, a Ti não faltou trabalho, fostes marceneiro, eras feliz.
Senhor, nos falta trabalho.
Os ídolos querem nos roubar a dignidade. Os sistemas injustos querem roubar-nos a esperança.
Senhor, não nos deixe sozinhos. Ajuda-nos a ajudarmo-nos entre nós; que esqueçamos um pouco o egoísmo e sintamos no coração o ‘nós’, nós povo que quer seguir em frente.
Senhor Jesus, a Ti não faltou o trabalho, dá-nos trabalho e ensina-nos a lutar pelo trabalho e abençoa a todos nós.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

Muito obrigado e rezem por mim!”

PAPA FRANCISCO – CALGIARI 22.09.2013

Fonte: Rádio Vaticano – Programa Brasileiro