A Páscoa de Thiago
Fr. Marcos Sassatelli
“Todas as vezes que vocês fizeram isso
a um dos menores dos meus irmãos,
foi a mim que o fizeram!” (Mt 25, 40)
Thiago – um adolescente de 17 anos, que já tem um filhinho de nove meses, Paulo Henrique – foi barbaramente assassinado na noite do dia 18 deste mês de novembro. O fato aconteceu justamente – parece até uma ironia – na Avenida chamada Vale dos Sonhos e em frente à Igreja chamada Nossa Senhora da Paz, no Bairro São Domingos, na região noroeste de Goiânia.
Sem negar a responsabilidade pessoal de quem o matou, podemos afirmar que Thiago é mais uma vítima do sistema capitalista neoliberal, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida – DA, 385) ou – como afirma Paulo VI – um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio – PP, 26).
O sistema capitalista neoliberal – que coloca o dinheiro como um deus, como um valor absoluto, a serviço do qual tudo pode e deve ser sacrificado, inclusive a vida de um adolescente – produz desigualdade social gritante, que é uma das causas principais da violência.
Há trinta e seis anos, em plena ditadura militar, Bispos do Centro-Oeste do Brasil definiam o capitalismo como sendo “o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande maioria” (Marginalização de um Povo, 1973).
Há poucos meses – voltando da mesma Igreja Nossa Senhora da Paz depois da Missa dominical das 19h30 – já tinha me deparado com o corpo de outro jovem, estendido na mesma Avenida Vale dos Sonhos. O corpo estava rodeado de pessoas, aguardando o carro do IML. Quantos jovens marcados para morrer! Quanto desrespeito pela vida humana! Quanta maldade!
Precisamos dar um “basta” a tudo isso. Como nos lembra o lema do Grito dos Excluídos 2009, “a força da transformação está na organização popular”. Não podemos perder a esperança de um mundo diferente, de um mundo novo.
Os poderes públicos, municipal, estadual e federal, não se preocupam com a realidade do nosso povo sofrido. Basta ver o espetáculo deprimente dos conchavos políticos ao qual assistimos todos os dias, sobretudo em época de eleições. Cada pessoa ou grupo visa seus próprios interesses da forma mais acintosa e despudorada possível.
Na nossa cidade de Goiânia não temos políticas públicas – que sejam realmente prioritárias – para crianças, adolescentes e jovens, sobretudo “em situação de rua”. O motivo é sempre a “falta de verbas”. Por que será que para grandes obras sempre tem verbas? O que falta realmente é vontade política e, sobretudo, amor ao povo.
A qualidade de ensino nas nossas escolas públicas deixa muito a desejar. Para ocupar o tempo livre, depois das aulas, não existem programas educativos que ajudem as crianças, os adolescentes e os jovens a crescer em sua autoestima, a desenvolver sua criatividade e a descobrir o verdadeiro sentido da vida.
Para os jovens, que já têm idade para trabalhar, não existem políticas públicas que ofereçam possibilidades de emprego. Quando os jovens conseguem algum trabalho, temporário ou permanente, ganham um salário de miséria. Os jovens não têm incentivo e não têm perspectiva de um futuro digno. Daí a tentação do dinheiro fácil, entrando no mundo da violência, da prostituição, do tráfico de drogas e do crime.
As crianças, os adolescentes e os jovens são, quase sempre, vítimas do descaso do poder público, de estruturas sociais injustas ou, em outras palavras, de uma sociedade assassina. É esta uma situação de pecado social, de pecado estrutural.
Apesar de tanta maldade humana, no velório de Thiago nós celebramos a vida, não a morte. Sabemos que Deus nos ama, quer o nosso bem e a nossa felicidade. Na sua breve existência terrena, Thiago foi batizado, fez a primeira eucaristia e recebeu o sacramento da crisma. À luz da fé, podemos dizer que Thiago, adolescente de 17 anos, “completou sua Páscoa” e se encontra agora na plenitude do Reino de Deus.
Os pais de Thiago, Zoroastro e Ivanete, e os irmãos, Bruno e Loraine, participam da Comunidade Nossa Senhora da Paz. A mãe deu um testemunho que nos emocionou a todos, e que revela uma sensibilidade humana profunda e uma fé em Deus inabalável. Mesmo sofrendo muito, juntamente com o esposo e os filhos, ela declarou, ao lado do caixão, que perdoava o assassino de seu filho Thiago e desejava que a mãe dele nunca passasse pela dor que ela estava passando.
A CNBB nos lembra que “crianças, adolescentes e jovens precisam ser reconhecidos como sujeitos na sociedade e, portanto, merecedores de cuidado, respeito, acolhida e principalmente oportunidades”.
“A Igreja no Brasil – continua a CNBB – conclama os poderes públicos Executivo, Legislativo e Judiciário bem como a sociedade civil a debater o assunto. Urge a busca de soluções focadas nas políticas públicas que efetivem melhores condições de vida para todos, na implementação de medidas sócioeducativas previstas no ECA e no desenvolvimento de uma política nacional de combate ao narcotráfico, penalizando com maior rigor a manipulação e o aliciamento de crianças, adolescentes e jovens pelo crime organizado” (Declaração da CNBB contra a redução da maioridade penal, Indaiatuba, São Paulo, abril de 2009).
“CRIANÇA E ADOLESCENTE PRIORIDADE ABSOLUTA” (Constituição Federal, art. 227). Por que será que os nossos governantes e os nossos políticos, em sua grande maioria, não levam a sério esta “prioridade absoluta”? Nas próximas eleições votemos em políticos que queiram realmente servir ao povo e não se servir do povo, aproveitando sua boa fé e traindo sua causa, que é a causa de “um outro mundo possível”.
“Basta de morte! Queremos vida!”
“A juventude quer viver”
“Diga sim aos direitos da juventude”!
(Campanha em Defesa da Vida, iniciada em 2004)