A Paz e o desafio de desarmamento

Marcelo Barros

Esta semana que culmina com o aniversário da fundação da ONU (24 de outubro) é internacionalmente dedicada ao desarmamento, problema que vai desde a violência nossa de cada dia, alimentada por milhões de armas pessoais que, no mundo inteiro, produzem mortes e sofrimentos para tantas pessoas, como também o desafio imenso das ogivas nucleares. Conforme a ONU, hoje, no mundo ainda existem mais de 26 mil mísseis nucleares prontos para ser acionados e detonar este pequeno planeta em questão de segundos. Há poucos dias, apesar de algumas iniciativas ambíguas no plano da defesa interna e de ser chefe de um país quase permanentemente em guerra, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, ganhou o prestigioso prêmio Nobel da Paz. Dizem ter sido o reconhecimento por seu empenho de diminuir os mísseis nucleares no mundo, assim como de estabelecer a paz no Oriente Médio.

No Brasil, há quatro anos, os grupos e pessoas que trabalham pela paz perderam o referendo sobre a proibição de porte de armas por parte da população. Assim mesmo o governo tem feito constantes campanhas pelo desarmamento da população. Mesmo em meio à violência que, no país tem aumentado, as pesquisas revelam que o desarmamento tem colaborado para diminuir o número de assassinatos e acidentes fatais no dia a dia dos brasileiros. Conforme o jurista Dalmo Dallari, “a partir do programa de desarmamento, posto em prática pelo governo federal, desde dezembro de 2003, vem ocorrendo expressiva redução de homicídios no Brasil. Em São Paulo, o número de homicídios diminuiu 18%, no Paraná, mais de 20% e em Pernambuco, 10%, o que permite a conclusão de que resultados igualmente positivos devem estar sendo obtidos em outros Estados brasileiros”. Os crimes e massacres que, quase a cada semana, aparecem na televisão são, em geral, cometidos com armas que entram no país legalmente e posteriormente passam às mãos de traficantes e bandidos.

Assim como os terremotos têm epicentro e são provocados por alguma falha tectônica no mais profundo da terra, também a violência tem razões circunstanciais. Mas se fundamenta em uma cultura de desamor que só pode ser vencida por uma educação para a paz e amorosidade nas relações humanas interpessoais, assim como no exercício da gestão social da sociedade. O desarmamento nuclear ou de armas pessoais não se fará sem que se espalhe pelo mundo o desarmamento moral e cultural. É urgente substituir a cultura da concorrência e da competição pela realidade da colaboração e da convivência afetuosa.

Infelizmente, neste campo, a maioria das religiões falhou e tem uma profunda dívida moral com a humanidade. O próprio Cristianismo se deixou cooptar por impérios conquistadores da Europa e mais recentemente da América do Norte. No passado, não só promoveu guerras e violências, como gerou uma civilização de tipo guerreira e conquistadora. Embora sempre tenha pregado o amor ao próximo, as Igrejas conviviam tranquilamente com as desigualdades sociais e as discriminações de vários tipos. Até hoje, não vêem nenhuma contradição em pregar o amor e a paz, enquanto seguem mergulhadas em uma cultura de valorização do poder.

A partir de outubro de 1962, o santo papa João XXIII reuniu bispos católicos do mundo todo em um concílio ecumênico para renovar a Igreja, colocá-la em diálogo com a humanidade e torná-la de novo serva e promotora da paz e da justiça. A partir deste exemplo, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 confissões evangélicas e ortodoxas, também se comprometeu com a causa da libertação dos povos e da luta contra o racismo. Atualmente, um dos caminhos pelos quais as diversas religiões colaboram com a paz e o desarmamento é a plena aceitação do diálogo intercultural e inter-religioso, assim como a descoberta de que existe uma graça divina em viver neste mundo pluralista e assumir esta realidade como palavra divina nas nossas vidas. É preciso que este projeto de abertura de coração e de diálogo aconteça nas comunidades e também no modo de viver de cada pessoa.

No primeiro capítulo da carta aos romanos, São Paulo diz que existe um modo de crer que não leva à justiça. É como se a fé não tivesse conseqüências para uma vida mais justa. Para Paulo, esta forma de fé não corresponde ao projeto divino. Pode ser religiosa, mas não é espiritual. O plano de Deus para o mundo se revela na ressurreição de Jesus. Significa a retomada de uma aliança divina que renova a criação. Como Deus soprou sobre Adão para insuflar nele o espírito de vida, Jesus ressuscitado sopra sobre os discípulos e sobre o universo, dando a todos e a tudo o seu Espírito que torna as pessoas irmãs umas das outras, no caminho da paz e refaz no mundo uma nova criação de beleza e amor universal.